• Carregando...

Visitas de cortesia entre o Sindicato das Escolas Particulares do Estado do Paraná (Sinepe) e a Secretaria de Estado da Educação (Seed) não foram o bastante para evitar o pior – uma briga de cachorro grande. Os dois órgãos voltados para o ensino estão latindo, e muito. Pior que isso, apenas o ridículo da situação: quem está levando vantagem na encrenca é justamente o motivo dela, as "escolas mandrake", aquelas que fazem qualquer negócio para emitir um diploma rápido e rasteiro do ciclo médio e fundamental. O Sinepe estima que existam cerca de 50 instituições do gênero em Curitiba, o equivalente a 5% da rede particular.

O cisma era anunciado. Há três anos, alguns técnicos da Seed viram sua rotina de repartição quase ir para o brejo. É que o pessoal da casa teve de aprender a investigar. Pelo visto, aprendeu. A tarefa: identificar em meio às 900 escolas particulares de Curitiba e região aquelas que vendem diploma. As sindicâncias obedeceram sigilo monástico, reunindo fatos grotescos, a exemplo de provas com respostas prontas no próprio formulário; ou promessas de um canudo fast-food. Muitas vezes os próprios funcionários se faziam passar por alunos desesperados, sempre com sucesso. Houve flagrantes policiais, três escolas fechadas, duas a caminho e um pacto de sangue com o Conselho Estadual de Educação – que somou forças com a Seed.

O serviço de formiguinha foi ainda mais longe – identificou redes de ensino vindas de estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro que agem amparadas pela política de ensino à distância e pelo vácuo causado pela prolixa legislação educacional brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a própria Constituição servem de desculpa para calçar os piores profissionais do ramo. Enquanto isso, formigueiros reúnem de 3,5 mil a 6 mil alunos (cada um), trocando a madureza pela moleza de nem precisar colar para sair da escola. Basta pagar. "É uma máfia", diz uma das funcionárias da Seed, que não quer ser identificada. O professor Jacir Venturi, da direção do Sinepe, usa as mesmas palavras. Mesmo concordando, os dois lados se estranharam.

Aos fatos. As provas colhidas pela Seed resultaram num pacotaço que não desceu goela abaixo da rede privada. Em dezembro do ano passado, o governo desautorizou o funcionamento de cursos de ensino à distância vindos de outros estados, assim como a participação de alunos do médio e do fundamental, com menos de 18 anos, nessa modalidade. Aproveitando a deixa, pediu que as escolas particulares bancassem gratuitamente programas de educação de jovens e adultos (EJA). "Não estamos do lado da picaretagem. Só não podemos aceitar que as boas escolas que oferecem o EJA sejam punidas ou deixem de receber pelo serviço. Falta fiscalização", argumenta Venturi, sobre o motivo que levou o Sinepe a recorrer. Segundo ele, enquanto 15 escolas particulares que oferecem EJA têm selo de qualidade do Sinepe, do início do ano até agora uma dezena de novos colégios chegaram ao mercado. "Muitas vão desaparecer em três meses, deixando estragos", garante.

O assunto é cercado de paixão – aqui e ali. "Essa prática produz analfabetos. Não dá mais para cruzar os braços. Algumas escolas abriam e a gente nem sabia. E pensar que esses jovens podiam estar na escola pública!", comenta o professor Oscar Alves, membro da presidência do Conselho Estadual da Educação. Bom argumento, mas não o bastante para neutralizar lacunas legais na deliberação do governo do estado – a exemplo do limite de idade para entrar no EJA . A norma da LDB é 17. No Paraná, seria 18. Por essas e outras, a proposta da Seed se perdeu no labirinto da Justiça.

A professora Ana Lúcia Vasconcelos, coordenadora na Secretaria de Educação, lamenta o desfecho. Com motivo. Há três anos, ela mobiliza equipes e convive, pasma, com o desplante com que operam as "escolas mandrake". Cerca de 30 cursos livres são monitorados, listados e há um serviço de atendimento a estudantes em dúvida sobre pagar ou estudar. É só ligar e conferir e lista negra da Seed. Melhor que isso, a situação toda gerou uma reflexão pedagógica e uma força-tarefa que empolga os técnicos. Entre os resultados da investigação está a criação de mais de 500 turmas novas de 5.ª a 8.ª no estado; a marca de 92 mil estudantes no EJA reformulado; o impulso ao Paraná Alfabetizado – atingindo 71 mil adultos em dois anos. E torniquetes para estancar o sangue. Um deles é a proibição de ir para o já chamado supletivo antes dos 18 – cuja objetivo é evitar a entrada precoce no mercado de trabalho e criar a cultura de priorizar a escola – a qualquer preço. Desde que não sejam 4 parcelas de R$ 170 e nenhuma aula.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]