Uma cena comum nas cidades brasileiras: edifícios com cores aberrantes e formas impactantes em contraste com seu entorno imediato, gritando por atenção; fachadas com enormes e chamativos letreiros; muros pichados com indecifráveis inscrições; fiação elétrica cruzando o céu e emaranhada em postes cobertos de pôsteres colados; árvores suportando cartazes em seus galhos; passeios apinhados de cavaletes e totens anunciando marcas e promoções; pisos com nomes de lojas que já se foram; um esgoto sonoro emanado de veículos, lojas e canteiros de obras. Uma confusão total com que acabamos nos acostumando, mas que é reveladora de uma importante questão social: nossa relação com a paisagem que nos envolve.
De certo modo, a paisagem não é um conceito simples de se compreender e ainda é motivo de disputa na academia. Calouros do curso de Arquitetura e Urbanismo são um bom exemplo de como o senso comum compreende essa ideia: entram na sala de aula pensando que trabalhar com paisagem é trabalhar com a vegetação, ou seja, paisagismo seria a mesma coisa que jardinagem. Uma simplificação que tem suas raízes no sistema de ensino brasileiro, certamente.
Uma prova? Na segunda versão da Base Nacional Comum Curricular, neste momento em discussão, mas que vai nortear o ensino de crianças, jovens, adolescentes e adultos brasileiros e brasileiras pelos próximos anos, é chocante que esse tema seja tratado de forma tão displicente. Em princípio, como um subtema das disciplinas de Geografia, com viés ecológico. Embora seja uma dimensão importante desse complexo conceito, não é a única. Paisagem também deveria ser entendida como tudo que nos envolve e que percebemos com os nossos sentidos. Não é só o que vemos, mas o que escutamos, tateamos, saboreamos e cheiramos no espaço; uma experiência pessoal e social. É como compreendemos o mundo e como os outros nos compreendem. Portanto, para valorizá-la é necessário estar sensível, ser educado para isso. Talvez aqui resida uma das explicações para o desleixo e a indiferença por nossas ricas paisagens.
Porém, existem várias organizações, nacionais e internacionais, que militam para transformar esse conceito em uma chave para ações estratégicas com o propósito de resguardar o passado e planejar o futuro de nossas paisagens. O Conselho da Europa, ciente da importância cultural, ambiental, social e, sobretudo, como um recurso favorável à atividade econômica, elaborou nos anos 2000 a Convenção Europeia da Paisagem. Esse documento, que não tem força de lei, possibilitou que tal temática entrasse definitivamente na agenda política dos países europeus, através de várias ações. O destaque é o Prêmio da Paisagem do Conselho da Europa, cujo princípio de envolvimento e sensibilização da comunidade torna-se uma valiosa lição para se compreender a inequívoca importância da participação popular na valorização desse bem comum.
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Na América Latina, um esforço a ser realçado advém da Iniciativa Latino Americana da Paisagem, que desde 2012 procura instigar as entidades da região a promoverem políticas sobre esse assunto, através das Cartas de Paisagem. O Brasil, por sua vez, tem avançado em duas frentes: a governamental, liderada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que instituiu a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira em 2009 e a não governamental, liderada pela Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, que defende a instituição da Carta Brasileira da Paisagem. Todas essas iniciativas, mal ou bem sucedidas, estão apontando numa direção explícita, em que a paisagem se torne um tema central para inspirar ações urgentes sobre o espaço urbano e rural.
Várias cidades paranaenses abrangem em suas legislações urbanísticas temas que se referem ao resguardo e/ou promoção da paisagem. Contudo, numa análise mais criteriosa desse conjunto legal, entende-se que essa questão não está sendo enfrentada de modo enfático, à luz da experiência internacional. De certo modo, pode-se afirmar que é uma expressão empregada para adensar de sentido ou decorar o documento legal, sem reverberação na prática.
Nesse contexto, o exemplo de Curitiba mostra-se interessante: é o único município do Paraná que possui um conjunto urbano tombado em razão de sua conformação enquanto paisagem urbana, a Rua XV de Novembro, desde os anos 1970 – um baita avanço para a época. Nas linhas de seu último Plano Diretor, instituiu-se a necessidade de um Plano de Paisagem Urbana, uma grande oportunidade para que essa questão possa ser discutida e implementada em todo o território municipal. Caso se efetive com ampla e aberta cooperação cidadã, como o próprio conceito de paisagem impõe, essa iniciativa tem o potencial de colocar Curitiba à frente de seu tempo. Contudo, o previsto nessa legislação carece de maiores precisões e/ou correções.
De fato, a validade de um Plano de Paisagem Urbana advém da coordenação de diversos instrumentos legais, que muitas vezes coexistem sem a devida correspondência, como elementos de publicidade exterior, arborização urbana, iluminação pública, pavimentação, arte urbana, etc. Além disso, por meio de um reconhecimento mais sensível do ambiente, determina novos recortes territoriais, que permitem fortalecer a identidade entre seus moradores e realçar as belezas preexistentes, através de “unidades de paisagem” ou até mesmo estruturas lineares como ruas e rios, criando áreas de grande significado paisagístico que caracterizam o município como um todo. Nesse sentido, limitar a paisagem ao seu aspecto visual e ao espaço público, de acordo com o artigo 70 do Plano Diretor, pode ser considerado uma renúncia ao seu potencial transformador.
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