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O número de municípios brasileiros com Plano Diretor aumentou, mas quantidade não é tudo. Muitos ainda sofrem com a baixa capacidade de gestão, a fragilidade fiscal e outros problemas. | Ivan Amorim/Arquivo/Gazeta do Povo
O número de municípios brasileiros com Plano Diretor aumentou, mas quantidade não é tudo. Muitos ainda sofrem com a baixa capacidade de gestão, a fragilidade fiscal e outros problemas.| Foto: Ivan Amorim/Arquivo/Gazeta do Povo

Outubro de 2016 não será somente o mês das (controversas e conturbadas) eleições. Enquanto o Brasil aguardará eventuais segundos turnos, a cidade de Quito, no Equador, sediará a Conferência Habitat III (veja o site oficial do evento), entre os dias 17 e 20. Trata-se do principal evento da ONU sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, com o objetivo de revigorar o compromisso global com a implementação de uma Nova Agenda Urbana. Tal agenda, dirigida aos Estados-membros, é marco orientador das políticas nacionais e estará centrada em três grandes eixos: Regulamentos Urbanos, Planejamento e Design e Finanças Municipais.

Todavia, repensar o futuro das cidades a partir desse tripé significa, em primeiro lugar, enfrentar um conjunto de deficiências históricas. Isso é o que conclui o próprio relatório brasileiro a ser apresentado em Quito: apesar dos avanços da última década, o país não cumpriu integralmente com as definições tomadas em Istambul, na Conferência de 1996.

Mas o passivo é mais embaixo. Dados recentes da pesquisa do IBGE Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic 2015) esboçam um retrato ainda preocupante – embora progressivo – da realidade municipal. Baixa capacidade de gestão, incipiente cultura de planejamento e fragilidade fiscal são algumas das vicissitudes por que passam os governos locais.

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Regulamentos urbanos

No que se refere aos arcabouços legais, “o resultado da Munic 2015 aferiu que 50,0% (2.786) dos municípios brasileiros tinham Plano Diretor, porcentual igual ao apurado em 2013 e bem superior ao encontrado em 2005 (14,5%)”. Neste aspecto, o estado do Paraná, hoje com 75% de sua população concentrada em cidades de mais de 20.000 habitantes, destoa do panorama nacional: 95% de seus 399 municípios possuem Plano Diretor.

Esse cenário alterou-se drasticamente na última década: em 2005, apenas 82 municípios contavam com este que é o instrumento básico da política urbana. Houve um salto nesse número para 245, em 2009. O bom índice deve-se, sem dúvida, à política estadual de fomento calcada na Lei 15.229/2006, importante reforço ao Estatuto da Cidade. De acordo com a lei, sem Plano Diretor e legislação urbanística básica (zoneamento, código de obras, regras de parcelamento, etc.), não podem os municípios acessar financiamentos para projetos e obras de infraestrutura, equipamentos e serviços de caráter urbano. Prova de que pressionar o bolso dos gestores pode ser uma estratégia válida, conquanto não exclusiva.

Obviamente, quantidade não é tudo. A mera existência de planos e normas não assegura nem sua qualidade, nem sua efetividade. Lacunas, aliás, demonstradas por estudos comparativos em que o Paraná não foge à regra. Os próximos anos, que testemunharão a obrigatória revisão de grande parte desses diplomas, servirão de termômetro do estado da arte do planejamento participativo, na segunda geração dos Planos Diretores.

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Planejamento e design

Outro tópico espinhoso é o da institucionalidade: 69 municípios paranaenses não possuem nenhum órgão de planejamento/gestão urbanos. Onde ele existe, é comum que não possua autonomia, permanecendo subordinado a outras pastas ou vinculado ao gabinete dos prefeitos (105 dos 399 municípios). Em si mesmo, isso não é necessariamente um demérito: em municípios pequenos, é mais importante a articulação com instâncias e funções públicas correlatas do que o tamanho dos setores propriamente. Que vivemos uma nítida defasagem entre as demandas da sociedade e o ritmo da administração é inegável. Porém, vale ponderar até que ponto (e em que circunstâncias) a ampliação de quadros se reverte em inchaço e fragmentação. Muitas secretarias que não conversem entre si não são uma resposta. Nacionalmente, o quadro é ainda mais alarmante: 1.378 (24% do total) declaram não contar com qualquer estrutura na área. Custa crer que os regulamentos poderão ser aplicados ou projetos urbanos desenvolvidos sem um mínimo de institucionalidade, recursos tecnológicos e humanos permanentemente à frente dessas funções.

Finanças municipais

Sem recursos financeiros tampouco se concretizarão as políticas urbanas. Se são antigas as críticas sobre o desequilíbrio na repartição federativa de receitas, nem tudo depende de uma ampla e atrasada reforma tributária. Até hoje, em matéria fiscal, poucos fizeram sua lição de casa. Por exemplo, mais da metade (154) dos municípios paranaenses não atualizou seus cadastros para cobrança de IPTU nos últimos 5 anos. Alguns (21) nem mesmo dispõem de planta genérica de valores para lançamento do tributo.

Além disso, seguindo tendência generalizada, a cessão e a doação de terrenos públicos aparecem com preocupante frequência, ao lado da isenção de impostos e taxas como mecanismos de incentivo à implantação de empreendimentos. É duvidoso o grau de controle social e de responsabilidade sobre esse tipo de prática. O quanto as atividades beneficiadas efetivamente contribuem para o desenvolvimento local é outra incógnita que merece maior atenção.

Diante de tantos dilemas, poderá uma nova agenda vencer velhos e profundos desafios? Apenas se, em vez de mero jogo de cena, a pauta do direito à cidade for assumida com seriedade e com fôlego para mudar a cara e o rumo de uma urbanização tão precária e quanto galopante.

Saiba mais

Leia o relatório que o Brasil deve apresentar na Habitat III em outubro de 2016, no Equador, neste link.

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