Igrejinha de Ararapira, no Litoral do Paraná: uma das oito “cidades fantasmas” listadas pelo professor Nestor Razente, em seu livro Povoações abandonadas no Brasil.| Foto: Katie Muller/Arquivo/Gazeta do Povo

O povoado de Ararapira, no Litoral do Paraná, teve seus dias de glória no início do século 20, como o principal entreposto comercial marítimo entre São Paulo e Curitiba. A outrora comunidade de pescadores hoje é um local abandonado. Ararapira é uma das oito “cidades fantasmas” listadas pelo professor Nestor Razente, em seu livro Povoações abandonadas no Brasil. Além de buscar a história por trás desse abandono, o arquiteto e urbanista joga um olhar teórico ao tema, tentando entender: o que leva ao abandono de uma cidade?

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Não é uma regra universal, mas muitas “cidades fantasmas” são um subproduto da própria urbanização. Isto porque a concentração cada vez maior da população em megacidades vem “acompanhada destas desurbanizações, ou morte de algumas aglomerações urbanas”. No Brasil, o surgimento e sumiço de povoados está muito ligado aos ciclos econômicos que o país enfrentou.

Além de Ararapira (PR), o livro traz as histórias de Biribiri (MG), Airão Velho (AM), Desemboque (MG), Bom Jesus do Tocantins (TO), Cococi (CE), Fordlândia (PA) e Ouro Fino (GO). São locais que representam uma diversidade de motivos pelos quais uma cidade some. A queda da atividade econômica é o motivo mais comum, mas não o único.

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Airão Velho, no Amazonas, foi fundada às margens do Rio Negro, e viveu seu ápice no ciclo da borracha, entre o final do século 19 e início do 20. Hoje é uma cidade abandonada e, aos poucos, retomada pela floresta, que reconquista seu espaço em meio aos escombros humanos. Nestor conta que lá vive um imigrante japonês, que mantém igreja e cemitério bem cuidados, e passa os dias a cavar em busca de velhos objetos, a partir dos quais montou um museu para turistas.

A borracha também foi responsável, duas décadas depois pelo surgimento de Fordlândia, talvez a “cidade fantasma” mais famosa do Brasil. A vila foi criada no interior do Pará pelo empresário norte-americano, da montadora de mesmo nome, para tirar da Inglaterra o controle da extração da borracha. O projeto naufragou, os americanos “devolveram” as terras (vendendo-as a preço de custo) e o local vive do turismo.

Já em Cococi, no Ceará, a economia foi o menor dos problemas. “Durante o governo Castello Branco, chegou ao ouvido dos militares que havia uma cidade que se fazia passar por cidade, mas na verdade pertencia a um fazendeiro”. A área era da família Feitoza, que recebia repasses de impostos do governo federal. Nestor Razente rastreou o inquérito que mostra a cassação do mandato do prefeito, que então trocou a Arena pelo MDB, mudou para a cidade vizinha e convocou os antigos moradores de Cococi a irem com ele para o novo município. Hoje Cococi mantém igreja e cemitério e, uma vez por ano, recebi fiéis católicos da região em romaria.

Em Ararapira, a construção de um canal para dar acesso ao Porto de Paranaguá, nos anos 1950, mudou a forma como a água circula na região, minando a atividade pesqueira. Mas nem sempre é o declínio econômico que espanta a população. Caso do Chile, onde sumiram muitas cidades ligadas ao cobre, atividade que não entrou em declínio. Razente pretende lançar um próximo livro sobre o sumiço de povoados no deserto do Atacama.

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Se as cidades que sumiram fascinam, as que estão sumindo preocupam. Na Espanha, estima-se que 800 pueblos (vilarejos pequenos, com até 35 famílias) desapareceram, no século passado. Em geral porque os jovens partem e ficam os aposentados, e com o tempo o pueblo desaparece. É o que acontece no Brasil, nos antigos terrenos de produção cafeeira, no interior do Paraná e de São Paulo. Cidades que no início do século 2 tinham dois mil habitantes, e onde hoje resta um campinho de futebol.

A região também padece de um vazio sazonal. Pela falta de emprego, famílias inteiras migram para estados como Bahia e Minas Gerais, para trabalhar em safras de café ou laranja, durante metade do ano. “O que põe pelo chão todas as políticas públicas, porque vai a mãe, o filho, a avó, então são cidades que declinam em certos momentos da história”, explica Nestor.

Povoados abandonados

Em vez de “cidades fantasmas”, o arquiteto e urbanista Nestor Razente defende “povoados abandonados” como o termo que melhor traduz o fenômeno do desaparecimento da população. Embora admita “cidades fantasmas” como possível, para a linguagem informal. Mas incorreto, do ponto de vista teórico.

Porque não são locais que passaram a ser habitados por fantasmas (”primeiro porque não acredito neles”), mas que deixaram de ser ocupados por humanos, explica Razente. Também não são locais que morreram, já que em muitos deles a vida, seja de plantas ou animais silvestres, segue firme e forte. Razente também abre mão do termo “cidade” por considerar um termo muito carregado de geopolítica.

Lançamento

O livro Povoações abandonadas no Brasil, do arquiteto e urbanista Nestor Razente, vai ser lançado nesta sexta-feira (16), às 19h30, no Museu Histórico de Londrina, no Norte do Paraná.

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Com 372 páginas e 97 imagens das povoações abandonadas, o livro é vendido a R$ 160 no site da Editora da Universidade Estadual de Londrina.

Bom Jesus do Tocantins (TO), era uma importante rota de comércio do Rio Tocantins. A versão mais popular para seu sumiço é a de que o local foi alvo de ataque de indígenas, até que a população migrou para a outra margem, onde hoje fica a cidade de Porto Nacional
Ouro Fino, em Goiás, ficava na fronteira da busca pelo Ouro, próximo à chamada “Goiás Velho”, antiga capital do estado. Com a queda da atividade, a população começou a migrar. A queda de uma ponte, que tornou o local inacessível por um período, fez com que os viajantes que passavam por ali buscassem outas rotas de viagem
Em Fordlândia, no interior do Pará, as edificações foram construídas à semelhança das cidades do interior dos EUA, por ordens de Henry Ford. O empresário do automobilismo queria fazer do local um ponto de extração de borracha, mas a iniciativa naufragou
Cococi (CE) deixou de existir quando o regime militar descobriu que a cidade, na verdade, era uma fazenda de uma rica família da região. O governo deixou de passar impostos para o município, e o fazendeiro migrou para o povoado vizinho , levando a população junto
Biribiri (MG)surgiu ao lado de Diamantina, ao fim do ciclo de diamantes. Um bispo local criou uma fábrica de tecelagem para empregar mulheres da região e combater a pobreza, e assim nasceu Biribiri. Com o fim da fábrica, o local foi vendido para a família Mascarenhas, que a manteve intacta como forma de preservar o patrimônio
Airão Velho nasceu no século 17 e viveu seu auge com o ciclo da borracha, na virada do século 19 para o 20. Com o declínio, a cidade foi abandonada, e hoje é “retomada” pela floresta amazônica, que aos poucos ocupa o lugar das ruínas deixadas pelos antigos moradores