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Cidade do México registrou somente 20 dias “limpos” neste ano, ou seja, com os níveis de poluentes  no ar dentro do tolerável. | Adriana Zebhbrauskas/NYT
Cidade do México registrou somente 20 dias “limpos” neste ano, ou seja, com os níveis de poluentes no ar dentro do tolerável.| Foto: Adriana Zebhbrauskas/NYT

Nos final dos anos 1980, o ar ficou tão poluído na capital mexicana que os pássaros davam um último piado antes de caírem das árvores na calçada, com seus pequenos corpos duros servindo de triste testemunho de uma das piores poluições atmosféricas do mundo. Ouvi muito essa história quando cheguei aqui alguns anos atrás. Ninguém tinha visto acontecer, é claro, mas o humor negro da lenda urbana revelava um orgulho perverso de sobrevivência. Então a fumaça grossa começou a sumir. O governo fechou uma grande refinaria de petróleo e tirou a indústria pesada da cidade. Regras retiraram o chumbo da gasolina e criaram incentivos para as pessoas comprarem carros novos mais limpos. E o canto dos pássaros voltou. Até agora. A cidade registrou somente 20 dias “limpos” neste ano. Em todos os outros dias, o nível de material particulado e de ozônio ficou acima dos limites estabelecidos. O que explica o retrocesso? Um dos principais motivos é que o público simplesmente perdeu o interesse pela poluição.

“Desde que as pessoas não reclamem e não tenha grande visibilidade, o governo não dá grande atenção ao fato”, diz Mario J. Molina, ganhador do Nobel de Química e diretor do instituto de pesquisa da Cidade do México que leva seu nome. Ele orienta as autoridades sobre os próximos passos a serem tomados.

Sem a sensação de urgência, as medidas antipoluição que poderiam ter feito a diferença anos atrás não foram adotadas. O governo federal, por exemplo, não elevou o padrão de emissões para os novos veículos. Embora a região tenha conseguido reduzir os níveis dos principais poluentes na década passada, o ozônio e o material particulado permaneceram teimosamente elevados nos últimos anos e até mesmo chegaram a crescer.

Em abril, a comissão regional ambiental pressionou e reduziu drasticamente o nível no qual a emergência é declarada. De repente, só se fala em poluição. Estações de rádio informam de hora em hora à medida que o nível de ozônio cresce à tarde, observando como a cidade está próxima de outra emergência. Os jornais cobrem as capas com fotografias de amplas paisagens urbanas envoltas em fumaça cinza amarelada. No Twitter, os motoristas publicam fotos de veículos soltando fumaça preta. A velha atitude sossegada em relação às atividades ao ar livre deu lugar ao hábito ansioso de conferir o mapa de poluição da cidade.

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Havia boatos de que o governo estava importando gasolina suja da China, rapidamente negado pelas autoridades. A realidade enfumaçada levou as autoridades a reagir. Medidas de emergência estarão em vigor até o final de junho, quando começa a temporada de chuvas de verão.

Todo dia, quase 20% dos automóveis da região ficam desligados, observando o rodízio municipal. O índice de ozônio e de material particulado subiu tanto que a comissão ambiental declarou oito emergências devidas à poluição desde março, impondo regras especiais que incluem tirar 40% dos carros das ruas.

Já os motoristas à espera em um posto de fiscalização afirmam que estão levando toda a culpa. “Deixar os carros em casa não resolve absolutamente nada. Deviam provar que isso ajuda”, diz Óscar Rojas Ayala, 50 anos, advogado criminalista que usa seu veículo utilitário esportivo Mitsubishi 2009 para visitar os clientes nas cadeias distantes da capital.

“O governo só faz isso para ganhar mais dinheiro. Tiraram dois milhões de carros da rua e a poluição continua”, afirma Armando Cortés de la Rosa, 58 anos, que não mora na cidade, mas precisa do adesivo da inspeção para visitar os parentes. “Qual é a estratégia?”, indagou Elsa Pliego, 46 anos. Algumas medidas antipoluição simplesmente criam mais trânsito, assegura ela, como as ciclovias que restringem os veículos a uma faixa só. “Hoje eles fazem uma coisa, amanhã, outra.”

Os pobres sofrem mais, mas toda a população, de forma geral, enfrenta deslocamentos muito longos entre a casa e o trabalho todos os dias.Adriana Zebhbrauskas/NYT

Moradia e deslocamento

Para entender por que é tão importante ter um carro aqui, avalie o deslocamento diário para o trabalho de Iris Venegas Maldonado. Ela sai da casa dos pais às 6h15, no subúrbio de Tlalnepantla, zona norte, e pega dois micro-ônibus antes de chegar ao metrô. Ela toma trens do metrô “exageradamente lotados” antes de voltar à rua, onda toma outro ônibus para chegar ao emprego de médica assistente às 9h. “É frustrante porque passo boa parte do dia no transporte”, conta Iris, 26 anos, recém-formada em Medicina. Em um dia recente, uma manifestação afetou o trânsito e ela ficou sete horas no transporte público. “Eu poderia estar fazendo outra coisa”, declarou, em uma espécie de eufemismo.

No centro do problema existe a questão de como esta megalópole de mais de 20 milhões de pessoas cresceu. Quase 8,5 milhões de pessoas residem na Cidade do México, e o resto mora em um esparramar-se sem-fim de casas, envolvendo de tudo, de condomínios fechados a favelas de concreto. Mas os moradores, tanto dos bairros ricos quanto dos pobres, costumam estar longe dos empregos. Assim que uma família é capaz de comprar um carro, ela compra.O Centro Mario Molina estima que agora existam mais de cinco milhões de automóveis na área metropolitana.

O prefeito da Cidade do México, Miguel Ángel Mancera, afirma que as regras antigas inibiram a construção de habitações de baixa renda dentro dos limites do município. “As pessoas que querem morar aqui não podem. A cidade tem de ficar mais compacta para as pessoas não precisarem fazer essas viagens loucas”, declarou ele durante entrevista.

Para Leonardo Martínez Flores, urbanista que coordenou o plano atmosférico regional 2011-20, o problema era mais do que apenas a questão habitacional – a cidade inteira precisa ser reconcebida.

“Se você não atacar o problema da estrutura urbana, não importa o quanto se investe em transporte público. Isso não resolve a questão subjacente”, alerta Martínez, que também orienta a cidade nas medidas de emergência para a poluição.

O caminho de menor resistência significa que a cidade se adaptou aos carros. As construtoras constroem arranha-céus com uma dúzia de andares para estacionamento. O Instituto Mexicano para a Competitividade, um centro de estudos, estima que 42 por cento do espaço dos prédios construídos entre 2009 e 2013 foram destinados a estacionamento. “Estamos construindo habitações para carros”, diz Gabriela Alarcón, especialista em planejamento urbano da entidade.

Veículos “sujos”

Há quem culpe os novos limites de velocidade pela poluição. Levando em consideração que a velocidade média durante a hora do rush fica entre cinco e 11 quilômetros por hora, o Centro Mario Molina observou secamente que as novas regras “não exigem atenção prioritária”.

Há poucos dias, os governos local e federal anunciaram novas regras para inspeção de poluentes que, pela primeira vez, valem para caminhões e ônibus. Os carros não ficarão automaticamente no rodízio, mas os níveis de emissão serão mais rígidos e as inspeções mais severas para impedir a corrupção disseminada.

A cidade prometeu instalar novos sensores para detectar veículos “sujos”, que seriam parados e rebocados pela polícia. Mancera prometeu que as novas regras para ônibus e caminhões sujos, entre outras medidas, representariam um “antes e um depois” para a cidade. Ele também propôs reprimir as emissões industriais e programas para táxis e veículos de entrega mais limpos, e iniciou negociações para limitar o transporte de cargas à noite.

Enquanto isso no centro de inspeção de poluentes, os motoristas debatiam de quem era a culpa. Gerardo Sánchez, 40 anos, que vende saladas a funcionários de escritório na traseira de seu Volkswagen Pointer 2007 e perde renda quando é dia de rodízio, apontou um culpado favorito. “Os políticos têm dois ou três carros com guarda-costas atrás deles. Quanto eles poluem?”

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