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O casal Antônio Marca Júnior, 31 anos, e Graziela da Silva Marca, 26 anos, reservou os meses de agosto e setembro para um programa a dois: procurar uma escola para a filha Giovana, que em 2007 deve ingressar no 1.º ano do ciclo fundamental. Gica, como é chamada, tem 6 anos, nasceu prematura e é portadora de necessidades especiais – ela não anda, mas fica em pé sozinha e com a ajuda de um adulto pode se locomover. Por recomendação médica não deve usar cadeira de rodas ou andadores, sob pena de botar a perder os avanços alcançados até agora, à custa de muita fisioterapia, natação, equoterapia e aplicação de botox. "Ela precisa ser estimulada. Nada melhor do que a convivência com outras crianças", afirma Antônio. Daí a determinação de procurar a rede particular de ensino, que no entender dos pais poderia oferecer melhores condições de desenvolvimento para a garota.

A maratona atrás de um colégio com programa de inclusão, contudo, frustrou os Marca. Eles visitaram cinco instituições (Sagrado Coração de Jesus, Anjo da Guarda, Palmares, Colégio Marista Paranaense, Tistu) e, embora bem recebidos, em apenas uma não encontraram restrições técnicas à presença de Giovana (Tistu). A menina já foi iniciada nas letras, é comunicativa, está a anos-luz dos quadros de deficiência ditos complicados, mas para entrar em uma classe com outras crianças precisa de alguém que a conduza, pela mão, ao banheiro, ao pátio, à cantina ou a algum laboratório da escola. Giovana precisa de uma mãozinha, só. Eis a questão!

Pedagogos e psicólogos que receberam o casal nas visitas listaram os perigos a que Giovana estaria sujeita. O tratamento seria usual, mas causou espanto aos pais. Em alguns lugares, falou-se da dificuldade em nomear um cuidador, já que em muitas turmas há um único professor. Em dois colégios se chegou a pedir que a garota viesse às aulas com acompanhante.

As cinco instituições são conhecidas em Curitiba e estranharam a reação dos pais. Luci Serricchio, 61 anos, diretora pedagógica do Anjo da Guarda, contabiliza 40 anos de política de inclusão, tem 38 alunos com necessidades especiais entre os 1.056 do colégio, e diz que o nome de Giovana está na lista da escola, cujas matrículas fecham em novembro. "A conversa com a mãe não foi finalizada." Como o terreno da escola é acidentado, haveria necessidade de um acompanhante – o que acarretaria desconto para a família. "Somos particulares, mas trabalhamos na ponta do lápis. Acho uma pena que os pais não tenham entendido isso." A educadora Vitória Denck, responsável pelo setor de comunicação do Colégio Sagrado Coração de Jesus, lembra que ali são 30 incluídos em meio a 1,3 mil alunos e vê o episódio como um mal-entendido: a instituição dispõe de estagiárias para ajudar as crianças que necessitam e costuma ser apontada como referência no ramo.

O vice-diretor do Colégio Marista, Elemar Menegati, 47 anos, lembra que a escola tem 21 incluídos em 1.850 alunos e que faz parte dos procedimentos destacar as barreiras arquitetônicas. Uma ala do prédio é antiga, mas a ala nova está equipada para cadeirantes e afins. Essas variantes levaram a pedir que a família se responsabilizasse em deixar a menina na sala, antes das aulas. "Recebemos dentro das nossas limitações. Temos de jogar limpo com os pais." A coordenadora pedagógica do Palmares, Regina Rocha Villas Bôas, 51 anos, lembra que a escola tem apenas 3 mil metros quadrados e que há um aluno com necessidades especiais por turma, contabilizando oito crianças em 140 educandos. "Os casos são os mais diferentes. Vemos para o qual nos sentimos aptos. Somos francos. Só aceitamos a criança quando podemos dar uma contribuição", diz Regina. Giovana foi aceita no Palmares, mas precisaria de um acompanhante.

Antônio e Graziela confirmam que a menina foi formalmente aceita em todas as portas em que bateram, mas entendem que as exigências lhes pareceram uma prova de que não seria bem recebida de fato. O pai, que é católico engajado, chegou a escrever uma carta ao arcebispo de Curitiba e à CNBB, lembrando a campanha da fraternidade de 2006 – um libelo à inclusão. Das seis escolas de sua listinha, três são dirigidas por congregações religiosas. O passo seguinte foi procurar o jornal e levantar um debate que existe de fato.

Faíscas

A reportagem procurou representantes dos setores de educação do município e do estado e representantes sindicais. A conversa faz sair faíscas. Para a professora Naura Nanci Muniz Santos, da diretoria do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe) – órgão que congrega 1, 8 mil instituições no estado –, a inclusão não se resume a receber a criança na escola. "É um movimento sem volta. Quem não inclui vai ficar para trás. Mas é preciso garantir que a criança vai ser atendida. Nem sempre a instituição se sente preparada", diz.

Para a bióloga Iaskara Maria Abrão, 48 anos, coordenadora de Atendimento às Necessidades Especiais da prefeitura de Curitiba (PMC), a resposta está na ponta da língua: "Não é a criança que tem de se adaptar à escola, mas a escola à criança." A educadora Carmen Lúcia Gabardo Pellanda, 47 anos, da gerência de Apoio à Inclusão, da PMC, reforça. "Virou frase feita dizer que não se está preparado. Alguma mãe vai dizer para o filho diferente que espere, pois ela vai se especializar para ser mãe dele mais tarde?", pergunta. Para a turma da inclusão já, qualquer educador pode se dispor a trabalhar com a criança especial. Depende de a escola querer.

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