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Curitiba – O governo de coalizão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passará por um verdadeiro teste de fogo nos próximos meses. Traído no Congresso por parlamentares de sua base de apoio no primeiro mandato, o presidente pisa em ovos no início do segundo e articula nos bastidores para garantir o apoio da maioria dos parlamentares para aprovar os seus projetos.

A primeira grande batalha pela governabilidade será travada no dia 1.º de fevereiro, na eleição da presidência da Câmara dos Deputados. A tática de manter dois candidatos governistas – Aldo Rebelo (PC do B-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP) –, para vencer em qualquer hipótese, tem se mostrado perigosa por dividir os aliados. O lançamento da candidatura do tucano paranaense Gustavo Fruet, chamada de "terceira via", complicou ainda mais a situação.

Longe das câmeras, o escambo está à solta, como um verdadeiro jogo de xadrez. De um lado, Lula tem como moeda de troca a definição das pastas dos ministérios e, do outro, os partidos entram, de acordo com o calibre de cada um, com a promessa de apoio ou não ao presidente caso sejam beneficiados satisfatoriamente com cargos no governo.

Nesse contexto, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) funciona como uma espécie de balão de ensaio. Se Lula conseguir agradar a todos e o programa passar no Congresso sem grandes problemas, o presidente vai respirar aliviado. Para caminhar, o PAC – um conjunto de velhos anseios e projetos já em andamento envolvido apenas em uma nova roupagem – precisa da aprovação no Congresso de seis medidas provisórias e cinco projetos de lei. Na opinião do cientista político Leonardo Barreto, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, os resultados dessas incipientes jogadas de Lula em 2007 são decisivos para o sucesso das propostas do governo federal durante os próximos quatro anos.

Gazeta do Povo – Por quem Lula torce na eleição pela Câmara?Leonardo Barreto – Se Lula pudesse escolher, manteria a presidência da Câmara com o Aldo, até em virtude do distanciamento que hoje ele mesmo tem com o PT. Os petistas têm insistido que querem mais ministérios e, com Chinaglia, o PT terá mais recursos para barganhar com o Lula do que com o Aldo. Lula, por outro lado, precisa contentar outros partidos com cargos nos ministérios para garantir o governo de coalizão. Isso aumenta ainda mais o desgaste da relação de Lula com o PT, lembrando ainda que o presidente almeja desvincular a sua imagem com a da corrupção do mensalão. Há quem diga que a candidatura de Chinaglia saiu à revelia do Planalto, o que Lula nega. Mas aconteceu, Chinaglia nasceu e cresceu e obteve um apoio muito forte do PMDB. Isso acabou tornando a candidatura do Chinaglia muito forte, mais do que o Lula gostaria. Para tentar impedir esse racha, ele conversou bastante com o Aldo sobre a possibilidade dele desistir, só que o Aldo mostrou sua força como articulador ao conquistar o apoio do PFL. E um problema muito sério para o governo surgiu na dinâmica desse conflito. Se o Aldo vence, temos um presidente da Câmara que se diz governista, mas vai ter de abrir espaço para um partido oposicionista, porque se aliou ao PFL para vencer.

Essa confusão é uma das causas da demora pela definição dos titulares dos ministérios?Sim. Faz parte do jogo político. Um dos maiores problemas do primeiro mandato do presidente foi a relação complicada com o Legislativo, inclusive com grandes derrotas na votação de medidas provisórias importantes como aquela que criava a Super Receita. Sem contar, a traição da base aliada com a eleição do Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005, e a implantação das comissões de inquérito anti-governistas. Escaldado, Lula construiu uma base grande, mas ao mesmo tempo ainda não confia nessa base. O presidente não confia no Congresso, então, o que ele faz? Ele sabe que a distribuição de cargos e ministérios é uma coisa muito importante para os principais partidos e estabeleceu uma espécie de chantagem em relação principalmente ao PMDB, ao PTB e ao PT. É como se ele pedisse primeiro a eles que mostrem até onde vai a sua coesão interna e fidelidade para depois retribuir.

E a aprovação do PAC é um tipo de teste?O início de mandato é sempre um momento em que um candidato tem maior popularidade. Lula venceu a eleição com quase 60 milhões de votos e está aproveitando os bons ventos para lançar essas medidas dentro do Congresso. Ele espera que o Congresso tenha disponibilidade para sancionar o mais rápido possível aquilo que ele coloca em questão, numa espécie de teste para ver a legitimidade e apoio que ele tem hoje. É importante frisar que o PAC foi lançado antes do presidente ir ao Fórum Econômico de Davos, como que para dar um sinal positivo para os investidores estrangeiros.

O que foi esse litígio entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda, aplacado em Davos?É importante apontar dois aspectos sobre esse fato. O primeiro foi a inabilidade do ministro da Fazenda Guido Mantega. Mantega falou demais e cobrou publicamente do presidente do BC, Henrique Meirelles, uma redução drástica dos juros, sugestão que ele poderia ter feito apenas de forma privada. A segunda apreciação, mais importante, é o fato de Mantega ter atentado, dessa forma, contra a autonomia operacional do Banco Central. Apesar de ainda não estar na Constituição, o Brasil conquistou uma visão internacional de que o Banco Central goza de autonomia, tem decisões pautadas por critérios técnicos e não é refém de influências políticas, o que lhe dá credibilidade. Mantega, além de ser descortês com outro colega de pasta, quase colocou em risco essa conquista.

O senhor acredita em um cenário que possibilite a limitação de MPs pelo Executivo no Congresso?A única chance do Congresso recuperar de fato a autonomia é disciplinar a emissão de medidas provisórias e limitá-la muito – o que o governo não vai permitir. Não imagino que os congressistas tenham de fato poder para realizar uma coisa dessa natureza. Se o Executivo sofrer isso, essa será a pior derrota da história dos presidentes desde 1988. É abrir mão de poder demais. Na minha opinião, isso é só um discurso de campanha.

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