Ministra Damares Alves: governo quer se dissociar da chamada agenda globalista| Foto: Divulgação / Willian Meira / MMFDH
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Dissociar a defesa dos Direitos Humanos de uma agenda considerada "globalista" é um dos objetivos do governo federal no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Duas das principais estratégias do Executivo são a retomada da "essência" da Declaração Universal de Direitos Humanos promulgada em 1948 e a revisão da Política Nacional de Direitos Humanos (PNDH) - cujo método de reavaliação tem sido questionado por parlamentares e figuras públicas (entenda abaixo).

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No dia 7 de abril, a Anistia Internacional divulgou um relatório em que critica a gestão de várias nações durante a situação pandêmica no que diz respeito às ações voltadas aos direitos humanos. As análises foram consideradas pelo ministério como "ideológicas" e metodologicamente questionáveis.

A atuação de ONGs como a Anistia, na perspectiva do governo, são voltadas para a imposição de uma pauta "violenta" em relação a uma série de direitos humanos de fato, como, por exemplo, a defesa da vida desde a concepção e a defesa da família como primeira célula da sociedade. As críticas, portanto, não são tidas como irrelevantes pelo Executivo.

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"O governo brasileiro tem lutado para se afastar disso [defesa dos Direitos Humanos sob uma "agenda globalista"] e ter um modelo mais humano, voltado para a liberdade das pessoas e à defesa dos direitos humanos da maneira como eles sempre foram reconhecidos", diz Mariana Neris, à frente da Secretaria Nacional de Proteção Global (SNPG), em entrevista à Gazeta do Povo.

A estratégia é resgatar os valores fundamentais do art. 5º da Constituição Federal e retomar a "essência" da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948. Para muitos especialistas, a Declaração tem sido pulverizada ao longo dos últimos. Segundo Mariana, um dos movimento crescentes é a tentativa de associar a defesa dos Direitos Humanos exclusivamente às chamadas "minorias". "Isso não reflete o que queremos defender no governo brasileiro", diz.

Em entrevista à Gazeta do Povo no último ano, a ministra Damares Alves defendeu que tem obrigação de cuidado e amor à parcela de população composta por travestis. "Preciso cuidar dele. Assinamos inúmeros tratados dizendo que iríamos cuidar desse segmento. A gente governa para todos", afirmou, na época.

"Estamos retomando a intencionalidade, uma cultura de paz, de liberdade, fraternidade, solidariedade, respeito mútuo a todas as diversidades. Estamos aqui para construir Direitos Humanos para todos", afirmou a secretária nacional de Proteção Global.

Além do ataque à vida desde a concepção e à defesa da família, a secretária cita o direito ao exercício de culto como um dos valores fundamentais ameaçados, em especial na pandemia. "Discordamos totalmente dessa narrativa de suposta estratégia em nome da proteção da vida", afirma ela.

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"Um dos lemas do governo é não deixar ninguém para trás. Aqui, não vamos defender alguns grupinhos menores, maiores, ou específicos, por alguma razão ideológica. Vamos proteger os Direitos Humanos de fato, como eles estão originalmente em 48 e na nossa CF. Nossa abertura para diálogo é permanente. Só não quer diálogo com o governo brasileiro quem sabe que não tem argumentos para vencer esse diálogo".

Mariana Neris, secretária nacional de Proteção Global (SNPG).

Método de revisão da Política Nacional de Direitos Humanos é questionado

Uma outra estratégia do governo para dissociar a promoção desses direitos de uma "agenda globalista" é a revisão da Política Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A reavaliação periódica de políticas públicas, de sua eficiência, custo e eficácia é determinada na Emenda Constitucional 26/17.

A metodologia de reavaliação tem sido alvo de críticas. Pelo menos 200 organizações se manifestaram em nota pública pedindo a revogação da portaria do ministério que cria um grupo de trabalho para revisitar a política, sob alegação de que ele fere o princípio constitucional de participação popular ao vetar inclusão da sociedade civil no debate. A Portaria nº 457/21 determina que o GT seja composto por 14 pessoas. Apenas integrantes do governo foram convidados para discutir a reformulação do programa.

A indignação com a portaria também chegou ao STF. O PCdoB deu entrada em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a medida do governo, também sob alegação de que o processo de revisão "viola os princípios constitucionais de participação social.

Questionado, o MMFDH disse apenas que "há outros atores que participarão, e isso está previsto na portaria [...] A política vai ainda exigir uma série de rodadas, diálogo, articulação, construção. Trata-se de uma forma de dar transparência à atividade interna do Ministério". O objetivo da revisão, ainda segundo a pasta, "é dar eficiência e tornar programas eficazes a partir de uma revisão de pautas antes consideradas prioridade". "Temos que respeitar a trajetória dos planos, como foram construídos, o que tinham como prioridade e verificar se faz sentido manter prioridade para essas ações ou não", explica Mariana.

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Também perguntada sobre quais dispositivos, metas ou objetivos devem ser revistos, a secretária citou a agenda migratória, por exemplo. "Há alguns anos, não tínhamos o volume e a frequência de imigrantes que passamos a ter desde 2016 para cá, com venezuelanos buscando refúgio no Brasil. porque estão passando por perseguição ou necessidades específicas", destaca. "É uma pauta que não está posta como prioridade, e precisamos ressignificar. É preciso olhar os fenômenos mais recentes e avançar numa política mais estruturada".

De acordo com o balanço de gestão do MMFDH, divulgado em 19 de abril, pela primeira vez, um relatório da Revisão Periódica Universal (RPU) - conhecida por ser o mecanismo de direitos humanos de maior importância no sistema multilateral - foi entregue pelo Brasil à ONU, "reforçando a transparência e comprometimento internacionais do Estado brasileiro em matéria de direitos humanos".

Anistia Internacional "não tem relevância de instituição para o governo brasileiro"

"Não há diálogo [com a Anistia Internacional]", afirma o MMFDH, que diz não ter sido consultado previamente para apresentar dados oficiais - sob a possibilidade, inclusive, de serem contestados - a respeito da promoção dos Direitos Humanos na pandemia. Para o ministério, há "extrema falta de ética" por parte da organização. "O governo está completamente aberto para dialogar", defende a secretária de Proteção Global.

"Não fomos acionados com antecedência para construir, eventualmente, algum tipo de posição ou de resposta às críticas do relatório. E nos chamou a atenção justamente a ausência de cientificidade no documento, cujos elementos não agregam valor, não são propositivos", critica Mariana Neris. "A Anistia Internacional, embora tenha atuação global, não é uma instituição para a qual o Brasil tem que prestar qualquer tipo de contas. Não reconhecemos a legitimidade deles em fazer relatórios críticos ao Brasil".

Questionada sobre a repercussão que as críticas podem ter na comunidade internacional, a secretária afirma que a pasta não espera que "a Anistia nos faça qualquer tipo de elogio" e que as alegações não ameaçam as relações diplomáticas do Brasil.

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Em contrapartida, a pasta cita organizações tidas como de "credibilidade" pelo governo, a exemplo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. "A Comissão apresenta críticas ao Brasil bastante pertinentes, e isso nos leva a reavaliações e monitoramento das nossas políticas. Mas, também, há reconhecimento de atividades e avanços", explica Mariana Neris.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]