No dia 22 de abril de 1974, a professora Ana Rosa Kucinski Silva, do Instituto de Química da USP, saiu do trabalho dizendo aos colegas que iria almoçar no centro da cidade, em companhia do marido, o físico Wilson Silva, especialista em processamento de dados. Foi o último dia em que os dois foram vistos. Eles eram militantes da organização de esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN) e hoje figuram na lista das 140 pessoas que desapareceram no País, após serem detidas por órgãos de repressão política, na ditadura militar. Suas famílias não puderam enterrá-los nem saber como morreram.
Essa trágica lista foi um dos motivos que levaram à organização da Conferência Internacional sobre o Direito à Verdade, que começa amanhã em São Paulo. O evento, organizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), ligado à USP, tem aparência e estrutura acadêmicas. Seus objetivos, porém, são políticos.
Acredita-se que possam sair dali, em dois dias de exposições e debates, as ideias para a montagem de uma comissão de verdade no Brasil. Em outros países que também passaram por regimes de exceção, como a Argentina e o Chile, com ditaduras militares, e a África do Sul, tiranizada pelo apartheid, comissões desse tipo ajudaram a esclarecer crimes como os desaparecimentos e a apontar os responsáveis.
O ministro da área de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, participará da abertura da conferência, amanhã pela manhã, na USP. Ele é um dos que esperam que ela aponte os rumos para criação da comissão de verdade. O idealizador do evento, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, membro da diretoria do NEV e relator da ONU para direitos humanos, defende a constituição da comissão.
Na opinião dele, a democracia não poderá se consolidar se não for feito um acerto de contas com a tortura, as execuções, os desaparecimentos. "A conferência não apresentará nenhum projeto, mas pode oferecer ideias, propostas para um programa de reconstrução da verdade."
A abertura do encontro será feita por Priscila Hayner, diretora do programa de Paz e Justiça do International Center for Transitional Justice, em Genebra. Autora de um livro no qual analisa as experiências de comissões de verdade em trinta países, é uma das mais respeitadas autoridades internacionais na área.
Além das conferências, o evento terá depoimentos de vítimas e de familiares de vítimas de crimes da ditadura. Um dos convidados é Ivo Herzog, que era menino quando, em 1975, seu pai, o jornalista Vladimir Herzog, foi torturado e morto numa cela da polícia política, em São Paulo.
Na opinião de Ivo, que hoje dirige o Instituto Vladimir Herzog, a comissão de verdade poderia ajudar a esclarecer o que houve na ditadura. "A história verdadeira daquele período ainda não foi escrita", diz ele.
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