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James Ghisi Cabral e o filho Yan Gabriel, de 2 meses: “Já sei diferenciar os significados dos chorinhos dele. Consigo saber quando é fome ou uma cólica, que é normal o bebê ter até o terceiro mês” | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
James Ghisi Cabral e o filho Yan Gabriel, de 2 meses: “Já sei diferenciar os significados dos chorinhos dele. Consigo saber quando é fome ou uma cólica, que é normal o bebê ter até o terceiro mês”| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Benefícios

Aumento do vínculo e da intimidade

Nessa divisão de responsabilidades entre homem e mulher, a professora e mestre em Psicologia da Infância e da Adolescência da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Patrícia Guillon Ribeiro diz que a criança ganha mais proximidade com o pai e também aprende a conhecer melhor a figura masculina na família. "Esse convívio pode ajudar a reescrever essa história de que homem não chora e também faz com que o papel da mãe seja mais valorizado."

Mas, por mais que os papéis de pai e mãe se cruzem ou mesmo que um venha a assumir quase que totalmente as funções do outro, Patrícia alerta que ainda assim haverá tarefas próprias de cada um. "Em algum momento o pai ou a mãe ausente vai fazer falta à criança, por mais que a figura que está presente tente compensar isso de todas as maneiras. É inevitável."

Nas escolas, essas novas configurações familiares não exigem, necessariamente, nenhuma intervenção ou cuidado especial. "Antigamente se pensava que a criança de pais separados seria um problema, mas hoje sabemos que não é assim. Tem pais separados que são até mais participativos da vida escolar dos filhos que alguns homens que estão juntos das esposas", avalia a coordenadora do Ensino Fundamental I do Colégio Positivo, Sandra Hoffmann.

Para a coordenadora pedagógica do Novo Ateneu, Eneide Cordeiro Moreira, a maior dificuldade da escola está em lidar com crianças que enfrentam diferenças de linguagens em casa. "Se pai e mãe, mesmo separados, souberem impor os limites em conjunto, conseguirão uma criança muito mais estruturada emocionalmente."

  • Mariano e Mariana:

A família brasileira está mudando e comportando novas configurações. O Retrato das Desi­­gual­­­dades de Gênero e Raça, de 2009, do Instituto de Pesquisa Eco­­nômica Aplicada (Ipea) mostra que a proporção de famílias monoparentais masculinas (sem a presença física da mãe) aumentou de 2,1% em 1993 para 3% em 2007, dentre as 40,3 milhões de casas chefiadas por homens. Embora tímido, o dado retrata uma tendência de mudança na divisão de papéis dentro da família, com o homem assumindo também a tarefa de cuidador e não apenas de provedor dos filhos.O argentino Mariano Espi­­­noza, 37 anos, assumiu a função "pãe" (pai com funções, até então, exclusivas da mãe) há cerca de um ano, quando se separou da esposa, que é brasileira. Mariana, de 5 anos, mora com ele desde então. O pai conta que mudou a rotina por causa da permanência da filha com ele. "Procuro ir a programas que ela também possa, como um aniversário ou um churrasco com amigos, e não vejo isso como um peso. É apenas um momento em que ela tem de ser a prioridade." Mariana estuda em período integral e tem horários regrados. "A separação já foi uma mudança grande na vida dela, então faço questão de manter a rotina sempre, para dar segurança a ela." A mãe fica com ela a cada 15 dias, em média, em fins de semana.

Ele conta que tem passado por algumas saias-justas com a filha, que está na idade de diferenciar menino de menina e tem uma "tirada" melhor que a outra. "Mas é tranquilo. Os problemas acontecem em questões mais práticas, como a ida ao sanitário em restaurantes. A maior parte dos locais não tem um para a família, só masculino e feminino. Aí ou fico esperando na porta ou tenho de pedir para alguma mulher que trabalhe no local para acompanhá-la", reclama, deixando um recado aos empresários do setor.

O representante comercial Amauricy Krause vive situação parecida. Separou-se da esposa há dois anos, e os filhos, Letícia, de 14 anos, e Otto, de 11, optaram por morar com ele. As crianças estudam pela manhã e ficam com a avó paterna no período da tarde. "Algumas coisas já eram mesmo minhas tarefas, como levar e buscar na escola, e as tarefas de casa não são segredo, já que morei bastante tempo sozinho e também aprendi a me virar." Assim como Mariano, ele diz que procura estar 95% do tempo com os filhos e fazer programas dos quais eles também possam participar. Na prática, as maiores dificuldades são os horários. "Mas não há nada que uma boa conversa não resolva. Sempre dialogo muito com eles, sobre tudo."

Primeira viagem

O vendedor desempregado James Ghisi Cabral, 32 anos, vive uma experiência recente e, talvez, mais intensa que Mariano e Amauricy, cuidando do filho Yan Gabriel, de apenas 2 meses. Ele tirou férias na época do parto, para ajudar a esposa a cuidar do filho, mas quando ia voltar ao trabalho foi dispensado. Nesse meio tempo, a esposa voltou a trabalhar e a presença de James em casa acabou sendo uma mão na roda. "Eu acompanhei os cursos de amamentação e de ‘parto amoroso’, na maternidade Santa Brígida. O pessoal lá também deu várias dicas legais, mas boa parte das coisas a gente vai aprendendo a fazer no dia a dia, porque cada bebê é um bebê." James parece estar se saindo muito bem e diz que já consegue até diferenciar os significados dos "chorinhos" do filho. "Já consigo saber quando é fome ou uma cólica, que é normal o bebê ter até o terceiro mês. No mais, ele é muito tranquilo", elogia o pai de primeira viagem. Quanto ao trabalho, ele vê a pausa até como uma oportunidade para mudar de área, coisa que queria fazer já há bastante tempo. "Pretendo fazer um curso de 3D e trabalhar em algum escritório que precise de projetos assim."

Libertação masculina

Nos três casos relatados no primeiro texto desta reportagem, uma mudança no cotidiano familiar levou os pais a assumirem mais as tarefas domésticas das mães. Todos, no entanto, já tinham interesse pessoal na construção de um vínculo maior com os filhos. Eles são o que a cientista social e professora de Sociologia e Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Samira Kauchakje chama de "novos homens". "São homens que se libertam daquela figura tradicional e obrigatória de ‘macho alfa’ e se permitem exercer um papel mais sensível com os filhos."

Esse movimento, segundo Samira, é possível por uma série de fatores, como a entrada da mulher no mercado de trabalho e a conquista da sua independência sexual, e a divisão da responsabilidade com os filhos em diferentes arranjos (com o Estado, com a comunidade e com a família). Tudo, no entanto, com a ressalva relativista das classes sociais. "Nem sempre a entrada da mulher no mercado de trabalho vai significar maior autonomia. No caso das classes mais empobrecidas pode indicar apenas necessidade. Também é preciso lembrar que em boa parte das famílias brasileiras, o papel de cuidador dos mais novos e dos doentes idosos da casa é dividido com as crianças, principalmente meninas de 9 a 12 anos de idade, que acabam se encarregando, inadequadamente, desses cuidados."

Recortes sociais à parte, a cientista social reconhece esse movimento recente de divisão de responsabilidades entre homens e mulheres e o avalia como positivo se significar o compartilhamento dos filhos e das conquistas em geral. "Agora, se essas novas tarefas tiverem o registro do machismo, com o controle total do homem também sobre a vida doméstica e a destituição da mulher do papel que lhe pertence, então há uma perda." Samira lembra que muitas mulheres fazem isso consigo mesmas. "Aquele comportamento de dizer ‘vou contar para o seu pai’, que coloca a mulher hierarquicamente abaixo do homem dentro da família, é um exemplo disso."

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