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Após entrarem ilegalmente no Brasil através do Acre, muitos haitianos migraram para estados como Minas Gerais onde trabalham em construção civil | Pedro Silveira/Agência O Globo
Após entrarem ilegalmente no Brasil através do Acre, muitos haitianos migraram para estados como Minas Gerais onde trabalham em construção civil| Foto: Pedro Silveira/Agência O Globo

Destino

Sonho acaba na Baixada do Glicério

Para muitos haitianos, o sonho de viver bem em São Paulo acabou na Baixada do Glicério, bairro de cortiços e pensões, à beira do Rio Tamanduatei, colado ao Centro. É ali que os padres da Igreja Nossa Senhora da Paz mantêm a Casa do Migrante, acolhida para migrantes, imigrantes e refugiados de qualquer etnia, cultura ou crença. Joseph Edoard, 25 anos, chegou ao Brasil em fevereiro de 2011 por Tabatinga, no Amazonas. No Haiti, cursava o segundo ano de Contabilidade. Veio o terremoto, a faculdade desmoronou. Joseph partiu.

Ficou 10 meses em Manaus. Fez curso, trabalhou como auxiliar de logística numa indústria de plásticos e ganhava R$ 733 por mês. Juntou dinheiro e veio para São Paulo, em busca de uma vida melhor.

Chegou no dia 29 de janeiro e agora trabalha como auxiliar de pedreiro para erguer o prédio de uma faculdade na Zona Sul. Recebe R$ 910 por mês e ainda mora na Casa do Migrante. "Aqui tem muita possibilidade de cursos", diz Joseph, que acaba de se inscrever num curso de pintor do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e sonha com uma vaga de engenharia na Universidade de São Paulo, ajudado por ONGs de apoio humanitário.

Só no Sindicato pelo menos 30 já fizeram curso de especialização como pedreiro, pintor ou azulejista. "O brasileiro tira em média nota 6. O haitiano tira 9. Os haitianos são bem preparados, têm mais escolaridade", conta Atevaldo Leitão, responsável pelos cursos do sindicato. "É impressionante o interesse deles. As empresas estão gostando, dizem que são muito pontuais, assíduos e se empenham. Os haitianos precisam de emprego e São Paulo precisa de mão de obra", afirma.

Documentação

Visto humanitário tornou-se obrigatório em janeiro

A embaixada brasileira em Porto Príncipe, no Haiti, já concedeu pelo menos 37 vistos humanitários para que haitianos possam vir ao Brasil em busca de emprego. A informação é do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, e reflete a situação até 3 de março.

O número ainda está longe do limite de 1,2 mil vistos por ano fixado pelo governo. Mas o presidente do conselho, Paulo Sérgio Almeida, diz que esse número tende a aumentar, à medida que mais haitianos providenciem a documentação exigida para concessão de visto: passaporte, comprovante de residência no Haiti e atestado da ausência de antecedentes criminais. Segundo ele todos os pedidos submetidos à embaixada foram atendidos, ao mesmo tempo em que muita gente fez contato sobre como proceder para obter o visto. O chamado visto humanitário passou a ser exigido em 13 de janeiro. Antes disso, a estimativa do governo é de que 5 mil haitianos tenham cruzado a fronteira com o Acre e o Amazonas.

Haitianos vindos do Acre e do Amazonas já superlotam a Casa do Migrante, em São Paulo, mantida pelos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, na Bai­xada do Glicério, no Centro. A capacidade máxima, de 100 pessoas, está esgotada. Na semana do carnaval, com a chegada de grupos de até 15 imigrantes haitianos num único dia, a casa chegou a acomodar 130 pessoas, espalhando colchões no salão principal.

Na última sexta-feira, dos 100 abrigados na casa, 41 eram haitianos. Para ajudar a acomodar os excedentes, um padre ofereceu uma casa perto da Via Dutra, para onde foram levados outros 21. Duas haitianas, com suas malas, aguardavam sentadas na entrada da instituição para saber se seriam ou não acolhidas. Havia dúvidas. Elas falsificaram a assinatura de um padre de Manaus, que fizera uma carta recomendando um outro haitiano, há mais de um mês.

"Não é fácil. Eles chegam em peso na porta da igreja e pressionam como grupo. O sonho deles é ficar em São Paulo. Só aceitam empregos em outras cidades quando não tem outro jeito", conta o padre Paolo Panise.

A Casa do Migrante iniciou dia 1.º de fevereiro um serviço de me­­diação de empregos. Uma rede de supermercados de Londrina já levou 21 haitianos. A Eletropaulo contratou outros 35 para instalação de cabos de fibra ótica. Um dono de hotel levou quatro para trabalhar com ele. Os salários giram em torno de R$ 900. Para as mulheres, a situação é um pouco mais difícil. A maioria das ofertas é para empregada doméstica, com salários também em torno de R$ 900.

"Não quero dormir no emprego. Não consigo", diz Isesmie Bertilus, de 27 anos, que deixou dois filhos no Haiti, de 9 e 7 anos, e veio com o marido tentar a sorte no Brasil e está na Casa do Migrante há um mês.

É o mesmo tempo de permanência de Angelina Saintillus, de 28 anos, que está acompanhada do marido e do filho Isaac, um bebê de 6 meses. Em Brasileia, a família chegou a dormir no banheiro do hotel onde os haitianos eram acomodados à espera do visto. Ela não fala uma palavra em português ou espanhol. Espera apenas que o marido ganhe o sustento da família. Não é fácil. Um quarto de cortiço na Baixada do Glicério custa R$ 450 por mês. Não há cozinha, o banheiro é coletivo.

A assistente social da Casa do Migrante, Carla Aguilar, diz que já lhe alertaram que muitos outros haitianos chegarão a São Paulo nas próximas semanas. Todos em busca de melhores salários.

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