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Internada há mais de um mês, Alessandra Cordeiro é examinada pelo médico José Luís Takaki. Ela sofreu queimaduras em mais de 60% do corpo | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Internada há mais de um mês, Alessandra Cordeiro é examinada pelo médico José Luís Takaki. Ela sofreu queimaduras em mais de 60% do corpo| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

Atendimento

Parte dos pacientes é medicada no ambulatório

O pronto-socorro é também a porta de entrada do Serviço de Queimados do Evangélico. Em cadeiras pretas, aguardam atendimento pacientes que podem ser clinicados no ambulatório, sem necessidade de internamento, ou aqueles que já receberam atendimento mas que têm de voltar a cada dois ou três dias para trocar os curativos.

O corre-corre aumenta quando chega um recém-queimado. É o caso do funileiro Marcelo Zaner, de 33 anos. Ele soldava uma parte do motor de um carro, quando a peça explodiu, emanando uma labareda que o atingiu no rosto e nos braços. Contrariando orientações, ele havia passado uma pomada epidérmica sobre as feridas. "Eu não estava aguentando. É uma dor enorme. Parece que você está sendo ralado vivo", descreveu Zaner, enquanto o cirurgião José Luiz Takaki e a enfermeira Maristela Baechtolde Campos colocavam as ataduras. Ao longo do ano, mais de 20 mil curativos são trocados no setor de queimados. Nove em cada dez novos pacientes podem ser submetidos apenas ao tratamento ambulatorial.

"Milagrosos"

Enquanto passa orientações aos pacientes, Takaki mantém a fala pausada, como se comentasse algo corriqueiro. Parece querer conferir menor gravidade ao ferimento. De vez em quando reclama, porque as pessoas insistem em passar pomadas ou receitas caseiras – os chamados "milagrosos" – antes de buscar atendimento. "Já vi de tudo. Gente que enrolou um bife cru na queimadura ou que passou bosta de vaca. A dor é tanta que eles passam qualquer coisa."

Banco de pele

Desde junho do ano passado, o Serviço de Queimados do HUEC mantém um recurso especial no tratamento dos pacientes: o hospital passou a contar com um Banco de Pele – o quarto do país. As lâminas são transplantadas em pacientes que sofreram queimaduras graves, funcionando como um curativo biológico. Ficam de 14 a 20 junto ao doente, até serem expelidas pelo corpo. Quando isso acontece, a queimadura já está em fase de cicatrização.

"É um elemento que pode ser determinante entre a vida e a morte do paciente", explicou Maristela Baechtolde Campos, enfermeira coordenadora do Serviço de Queimados.

Desde a inauguração, o Banco de Pele do Evangélico já coletou material de 37 doadores e destinou lâminas para 33 receptores. A pele é retirada de doadores que foram diagnosticados com morte cerebral. Uma equipe do banco extrai finas lâminas, que passam a ser acondicionas em vidros de glicerol, postos em geladeiras. Após os exames, as lâminas são processadas e conservadas em envelopes (de cada doador, são retirados o equivalente a até 12 envelopes). Todo o processo é regulado pelo Sistema Nacional de Transplantes.

Gravidade

As queimaduras são classificadas pelos médicos conforme a gravidade:

Primeiro grau

Queimaduras leves, caracterizadas por vermelhidão, seguida de inchaço.

Segundo grau

Caracterizadas pelo aparecimento de bolhas e/ou desprendimento da pele. Em geral, deixam cicatrizes e manchas.

Terceiro grau

Destrói todas as camadas da pele, chegando a danificar terminações nervosas. Eventualmente, há carbonização do ponto afetado. Sempre deixam cicatrizes e, em geral, requerem tratamento cirúrgico posterior para remover lesões e aderências que afetem os movimentos.

98% dos atendimentos do setor de queimados do Evangélico são atendidos via SUS; outros 1,5% são atendidos por convênio médico; e 0,5% são pacientes particulares.

  • Os casos mais graves são encaminhados a uma das UTIs do hospital
  • Criança vítima de queimadura grave: 80% dos acidentes domésticos ocorrem na cozinha, por descuido dos pais
  • Após aplicarem curativos, o médico José Takaki e a enfermeira Maristela Campos recebem os cumprimentos de Marcelo Zaner, queimado em acidente de trabalho
  • Na ala pediátrica do setor de queimados, há oito leitos para internamento de crianças. Elas recebem supervisão médica constante
  • Queimada em um acidente doméstico, Maria Eugênia precisará passar por cirurgias reparadoras para reconstituir orelha, nariz e para soltar articulações das mãos
  • Com experiência de 25 anos em tratamento de queimados, o médico Luiz Takaki procura tranquilizar paciente no ambulatório
  • Na pediatria, as mães podem acompanhar os filhos em tempo integral. Cansaço e angústia pelo sofrimento das crianças. Na foto, Simone Antunes e Luiz Gustavo
  • Atendimento emergencial: nove de cada dez novos pacientes são vítimas de queimaduras menos graves e não precisam de internamento
  • Brian Vítor receberia alta no dia que a reportagem visitou o hospital. Escaldado por água quente, o menino se encantou com a câmera fotográfica
  • Após a alta hospitalar, as vítimas de queimadura enfrentam uma nova luta, para minimizar as sequelas deixadas pelo acidente. Na foto, Everaldo Aguiar
  • Em recuperação, Everaldo Aguiar já passou por oito cirurgias para reparar as marcas deixadas em seu rosto. Nesta semana, passará por operação nas mãos
  • Alessandra Cordeiro se recupera de queimaduras provocadas por um choque de três mil volts
  • A enfermeira Maristela Baechtolde Campos exime lâminas de pele. Hospital Evangélico tem o quarto Banco de Pele do país

Pelos corredores longos de paredes ocres e friamente iluminados do quinto andar do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC), médicos e enfermeiros de semblantes graves andam a passos apressados. Não é para menos. Os pacientes da ala exigem cuidados diários especiais. São pessoas que tiveram a vida e o próprio corpo marcados por dolorosos acidentes, envolvendo fogo, choques elétricos ou queimaduras químicas.

SLIDESHOW: Confira imagens da ala de queimados do Evangélico

Com mais de 4,8 mil pacientes atendidos por ano, o Serviço de Queimados do Evangélico é referência nesse tipo de especialidade no país. "[A queimadura] é o maior trauma que o corpo humano é capaz de suportar. Desafia os médicos porque altera drasticamente toda a fisiologia do paciente. [O médico] tem que ser altamente especializado", resume o cirurgião José Luiz Takaki, que há 25 anos integra o setor de queimados do hospital.

Em média, 400 novos pacientes dão entrada na ala a cada mês. Cerca de 40 deles chegam com "grandes queimaduras", as mais sérias. Nesses casos, o setor dispõe de ao menos 30 leitos para internação e acompanhamento intenso. Cada paciente em estado grave permanece internado por um período médio de 50 dias. Cinco médicos e 40 enfermeiros e auxiliares compõem as equipes que se revezam no atendimento.

Três mil volts

Entre os internados estão pessoas como Alessandra Santos Cordeiro, de 26 anos, moradora de Guaraqueçaba, no Litoral. Internada no HUEC há mais de um mês, ela sofreu uma descarga elétrica de três mil volts, enquanto segurava uma antena que tocou na rede elétrica. "Na hora eu apaguei. Acordei na ambulância e não sentia as pernas. Eu morri e vivi de novo", define.

As roupas que Alessandra usava torraram na hora. Ela sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus em 60% do corpo. Teve ainda amputados um anelar e o dedinho do pé esquerdo. Durante a internação, sofreu infecção e uma parada cardíaca. Recuperou-se bem e agora está prestes a receber alta. Os ferimentos, no entanto, ainda doem. "A vida é o mais importante, e agradeço por isso."

Nem todos, porém, têm a mesma sorte. A cada mês, em média, quatro pacientes do setor acabam não resistindo ao trauma e morrem – índice que está dentro dos parâmetros internacionais. "Os casos nos surpreendem. Tanto que, antes do 15.º dia [de internação], não há um prognóstico preciso de sobrevida dos pacientes que chegam em estado grave", explica Takaki. "A vida do paciente queimado é como uma vela. Você nunca sabe até quando vai iluminar", completa.

Desafio é retomar a rotina após o trauma

Everaldo Aguiar, de 53 anos, traz no rosto e nas mãos as marcas do acidente que o vitimou. A caldeira da fábrica de asfalto em que trabalhava explodiu, queimando 70% do seu corpo. Ficou mais de três meses internado, sendo 24 dias na UTI, mas sobreviveu. Após a alta médica, aposentou-se. Hoje divide os dias entre a tranquilidade do sítio em que mora, em São José dos Pinhais, e o tratamento para minimizar as sequelas. Já foram oito cirurgias reparadoras no rosto. "Eu acho que aconteceu porque tinha que acontecer. A gente sempre tem que ter cuidado, mas quando é pra ser, não dá pra escapar", conclui. Ele deve ser submetido a uma nova cirurgia para tentar recuperar o movimento das mãos.

Álcool

Na Lapa, Maria Eugênia Goll Terézio, de 57 anos, também tenta reconstruir a vida após as queimaduras. Acidentou-se quando limpava a casa, com álcool líquido. Não se recorda de nada. "Para mim, era uma obsessão tentar lembrar. Tirei isso da cabeça com ajuda da psicóloga", conta. "Antes, não me olhava no espelho de jeito nenhum. Agora até olho."

Maria Eugênia parece não se importar com as cicatrizes. Ela terá que passar por cirurgias para reconstituir uma das orelhas e o nariz e para "soltar" tendões das articulações. Usou luvas e máscaras de malha por um período, mas nada disso a incomodou. A única coisa que a perturba é a reação dos vizinhos. "Meus amigos nem apareceram para perguntar se eu tinha morrido ou não. Desviavam o olhar na rua. Coisa de cidade pequena, né?", lamenta.

Pais e filhos unidos na recuperação

Os personagens de histórias em quadrinhos e bichinhos pintados na parede tentam suavizar a atmosfera do local. Em oito leitos, crianças enfaixadas tentam se recuperar de queimaduras na ala pediátrica do Serviço de Queimados do HUEC. Junto aos leitos, mães aflitas cuidam de seus filhos. "Para nós é muito cansaço e sofrimento essa situação. Não dá nem para explicar o quanto é difícil", lamenta Simone Antunes Ferreira, de 27 anos.

Quando a reportagem visitou o hospital, o filho dela, Luiz Gustavo, de 2 anos, estava internado havia 21 dias. A mãe foi atear fogo em sacolas de lixo, no sítio da família em Guaramiranga (a 200 km de Curitiba), mas o galão de gasolina explodiu, atingindo o menino e provocando queimaduras de segundo e terceiro graus no rosto, mão e nas pernas dele. "Da roupa, não sobrou nada. Precisa ver o quanto ele foi forte. Graças a Deus não aconteceu o pior", desabafou Simone.

Do outro lado da divisória estava Brian Victor, de 1 ano e 1 mês. Ele se queimou em um típico acidente doméstico: virou sobre si uma xícara de água fervente. Receberia alta naquele dia. Apesar dos curativos, o menino sorria e brincava. "Eu ainda me culpo bastante [pelo acidente]. Agora é ir embora e levar a vida adiante", confessou Fabiana Aline, de 21 anos, mãe do garoto.

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