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 | Rodolfo Bührer/ Gazeta do Povo
| Foto: Rodolfo Bührer/ Gazeta do Povo

Dedicação aos Direitos Humanos

Olympio de Sá Sotto Maior Neto tem 56 anos e é natural de Curitiba. Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1975, ingressou no Ministério Público do Paraná em 1977. É procurador-geral de Justiça pela terceira vez (1994-1996, 1996-1998, 2008-2010). Tem atuação destacada nas questões ligadas aos direitos humanos, sobretudo à infância e à juventude – colaborou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O procurador-geral de Justiça do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, foi empossado ontem, em Curitiba, na presidência do Con­­­­­selho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) – hoje ocorre a primeira reunião do Conselho sob sua gestão. O CNPG é uma associação nacional, sem fins lucrativos, que reúne os chefes dos Ministérios Públicos (MP) de todo o país – federal, estaduais, do trabalho e militar – com o objetivo de defender os princípios, as prerrogativas e as funções do MP. Nesta entrevista, o novo presidente do Conselho defende a concessão de honorários para o MP em ações judiciais e conclama uma mobilização da sociedade contra a possível restrição ao poder investigatório do MP, questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Qual será a sua principal bandeira à frente do CNPG? Quais são as grandes lutas do Mi­­nistério Público neste momento?

Além das atividades cotidianas na busca de efetivação das promessas de cidadania já contempladas no nosso ordenamento jurídico, bem como no combate à criminalidade, especialmente aquela organizada e do "colarinho-branco", tenho para mim que a principal luta do MP neste momento deva ser a de defesa das regras jurídicas que apresentam conteúdo genuinamente democrático, vinculadas ao comando constitucional de construção de uma sociedade melhor e mais justa. São inúmeras as propostas legislativas que objetivam a retirada de direitos sociais significativos do ordenamento, ocasionando um retrocesso inaceitável na perspectiva de verdadeiro Estado de Direito Democrático. A principal bandeira seria, então, de salvaguarda das leis que interessam à população.

Levantamento do fim do ano passado indicou que as comarcas com maior déficit de representação do MP do Paraná estavam na região metropolitana de Curitiba (RMC). O que já foi feito para melhorar a situação na RMC e nas outras cidades deficitárias – já que em 24% dos municípios paranaenses o número de promotores era então considerado insuficiente?

Tradicionalmente, costuma-se aferir o déficit de promotores de Justiça por sua defasagem em relação ao quadro de juízes. Nesse particular, o déficit é de 57 cargos, já que houve significativo au­­­mento do número de juízes, sem que o MP-PR tenha podido acompanhar esse crescimento. Além dessa defasagem com o Judiciário, a relação "promotor por número de habitantes" é outro relevante critério para aferir as potencialidades e carências do MP. De abril de 2008 até hoje, foram providos 14 novos cargos de promotor de Justiça, sendo quatro para a regiãometro­­­politana de Curitiba, reduzindo o déficit. A situação está ainda longe do ideal, mas houve me­­­­­lhoria concreta. A criação dos novos cargos fez reduzir de 24% para 17% o porcentual de comarcas paranaenses onde o número de promotores é considerado insatisfatório – à luz do parâmetro "promotor por habitante". No entanto, le­­vando-se em conta que a criação de novos cargos de promotores de Justiça nem sempre é possível, diante de sérias contingências orçamentárias e financeiras, o MP-PR tem buscado a criação e provimento de novos cargos para servidores de apoio às atividades das promotorias. Cem novos cargos de assessor de promotor foram criados (dos quais 37 já providos, 24 nas comarcas consideradas prioritárias), estando em vias de ser publicado edital de concurso público para ingresso de 49 novos servidores efetivos.

Dados levantados pela Ga­­zeta do Povo em abril deste ano indicaram que o MP-PR é o segundo que me­­­­­­­­­­­­nos re­­­­cebe recursos or­­­­­­­­çamentários em relação à sua população, comparado com os ou­­­tros estados das re­­giões Sul e Sudeste – os recursos destinados ao MP do Paraná em 2009 somam R$ 345 milhões, correspondentes a 3,9% da receita corrente líquida arrecadada em todo o estado (gasto com o MP de R$ 33,55 por paranaense). Quanto seria necessário para uma boa manutenção do MP-PR?

De fato, os recursos orçamentários destinados ao MP-PR ainda são insuficientes para fazer frente à vasta missão que a Constituição de 1988 outorgou à instituição. Sobretudo em relação a recursos humanos, mas também para recursos materiais, como, por exemplo, tecnologia da informação. Poderíamos estimar em 5% da receita corrente líquida (que é o destinado ao Legislativo, aí incluído o destinado ao Tribunal de Contas) um porcentual necessário para que o MP-PR possa cumprir, com maior eficiência e eficácia, sua missão constitucional, nas 180 comarcas em que atua.

Em julgados deste mês do Su­­perior Tribunal de Justiça (STJ) – um deles do Paraná – foi decidido que o MP não faz jus a honorários quando vencedor em ações civis públicas. O senhor é a favor ou contra o recebimento de honorários pelo MP?

Sou favorável. É preciso ressaltar que tais ações são propostas após a realização de investigações e, se possível, dependendo da matéria, é dada oportunidade para que as questões sejam resolvidas sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário, mediante a celebração de transações ou termos de ajustamento de conduta. Entretanto, não sendo isso possível, resta a via judicial, a qual, uma vez utilizada, justifica a imposição de honorários advocatícios. É conveniente registrar que, quando devidos, esses honorários não são destinados ao pagamento dos promotores ou procuradores de Justiça que atuaram no processo. As verbas, por força de autorização constante da Constituição Estadual, são destinadas ao Fundo Especial do Ministério Público, criado por lei estadual, tendo por finalidade angariar recursos financeiros necessários para fazer frente a despesas com imóveis, equipamentos e material, serviços de informática, dentre outras voltadas a programas e projetos de atuação.

Duas Ações Direitas de In­­­constitucionalidade (ADI) – n.º 4.271 e n.º 4.305 – tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), movidas por associações de delegados de polícia, questionando o controle externo das polícias por parte do MP, assim como a atuação investigatória do órgão. Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) foi no sentido de que o MP não tem poderes para realizar investigações criminais – assinado pelo então advogado-geral José Antonio Dias Toffoli, que será empossado ministro do STF na semana que vem. O que o Senhor pensa a respeito?

Com a Constituição de 1988 foi atribuída ao MP a função de exercer o controle externo da atividade policial. Para tanto, é imprescindível contar com a possibilidade investigatória em procedimento próprio do MP, pois sem essa ferramenta legal o controle externo da atividade policial ficaria restrito a uma análise burocrática e formal do trâmite dos inquéritos policiais, o que seria insuficiente porque ficaria afastado justamente dos casos mais graves. Quanto à possibilidade constitucional de o Ministério Público investigar em procedimento próprio não há mais o que ser questionado no plano jurídico, haja vista que a Constituição assim permite, pela adoção da teoria dos poderes implícitos – ou seja, quem é o titular exclusivo para a propositura das ações penais públicas, pode e deve investigar em situações especiais. Essa posição, aliás, é absolutamente dominante nos Tribunais Estaduais, Federais e no Superior Tribunal de Justiça. O próprio Supremo, em decisão recente de sua 2.ª Turma (Habeas Corpus n.º 91.661), já deixou clara essa possibilidade. De resto, o parecer assinado pelo então advogado geral da União é, com o devido respeito, frágil sob o prisma jurídico, já que não enfrenta o essencial, que são os dispositivos constitucionais destacados. A discussão hoje é estritamente política, considerado o fato de que o MP é a única instituição no país que tem absoluta autonomia funcional em sua atuação investigativa. Afinal, o Brasil quer continuar mantendo um órgão independente de investigação, notadamente para atuar na investigação de crimes graves da polícia, do colarinho-branco e da criminalidade organizada, ou estamos satisfeitos com o trabalho investigativo das polícias nesses setores e podemos retornar à situação anterior ao texto constitucional de 1988, quando somente se trabalhava com o que as polícias produziam e nos casos que não afetavam politicamente os detentores do poder? A resposta definitiva será dada pelo STF, mas nada impede que a população, desde já, externe o que pensa e, se for o caso, se mobilize para evitar o que considero ser uma grave ameaça às liberdades públicas e um perigoso retrocesso, caso vença a tese no sentido de que o MP não pode investigar.

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