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O corretor Gilmar dos Santos, que chegou a ser preso na frente de casa: “Acho que R$ 200 mil é pouco pelo que aconteceu comigo” | Marco André Lima/ Gazeta do Povo
O corretor Gilmar dos Santos, que chegou a ser preso na frente de casa: “Acho que R$ 200 mil é pouco pelo que aconteceu comigo”| Foto: Marco André Lima/ Gazeta do Povo

Responsabilidade do Estado

Prisões injustificadas podem gerar condenação

O governo pode ser responsabilizado judicialmente sempre que age de forma irregular e ou mesmo deixa de agir. A explicação é do advogado Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). A responsabilização é mais facilmente determinada pela Justiça quando o Estado é o autor de uma irregularidade, como nos casos de prisões injustificadas. Mas também pode ser considerado culpado, e condenado a pagar indenização, quando deixa de fiscalizar ou fornecer um serviço, como saúde pública, por exemplo.

Pansieri reconhece, por exemplo, que não há comunicação efetiva entre o que acontece nas delegacias e o Poder Judiciário. Assim, os juízes que autorizam prisões não ficam sabendo sobre os casos de documentos roubados. Também não há troca de informações entre polícias de estados diferentes – o que muitas vezes gera equívocos. Pansieri conta um caso que envolve um cliente que foi sócio de uma empresa. Dois anos depois de se desligar do controle societário, a firma faliu. O ex-sócio foi incluído na ação de recuperação judicial, mas como não foi localizado, foi expedida prisão. Quando teve o carro roubado e comunicou a polícia, acabou preso e só foi libertado 27 dias depois.

Castigo sem crime

São várias as sentenças que determinam o pagamento de indenização pelo Estado. Veja casos de decisões judiciais que foram proferidas no Tribunal de Justiça do Paraná, portanto, em segunda instância, nos últimos 12 meses.

No Paraná

- Em maio, um homem que foi preso irregularmente ganhou direito à indenização de R$ 20 mil.

- Em junho, a Justiça determinou que um homem que ficou 561 dias preso sem que fosse comprovado em ação judicial que ele havia cometido crimes deverá receber 20 salários mínimos.

- Em maio, a família de um homem morto enquanto estava preso teve o direito de receber indenização reconhecido pela Justiça.

No Brasil

- O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Estado a pagar indenização de R$ 102 mil, por danos morais, ao servente Deílson Gercino Marques da Silva, que ficou preso em regime fechado mesmo tendo direito a regime aberto.

- Acusado injustamente de ter assassinado um taxista, o ex-segurança Wagno Lúcio da Silva ficou 8 anos preso. A Justiça determinou, no ano passado, que o governo de Minas Gerais deve pagar indenização de R$ 300 mil por danos morais e mais dois salários mínimos para cada mês em que ele ficou preso.

Colaboração do advogado e professor Egon Bockmann Moreira.

A indenização para a humilhação que o corretor imobiliário Gilmar dos Santos passou ao ser quatro vezes preso injustamente foi fixada em R$ 200 mil. Ele foi detido por crimes cometidos por pessoas que estavam usando seus documentos. A sentença do juiz Roger de Camargo Oliveira, da 3.ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba, determina que o governo estadual indenize Santos pelos danos morais sofridos. Falhas governamentais que geram indenizações acabam sendo pagas por todos os contribuintes. A decisão judicial é em primeira instância e ainda cabe recurso. Santos teve os documentos pessoais furtados em setembro de 2006. Ele cumpriu a formalidade e registrou o furto em um boletim de ocorrência, imaginando que estaria livre de qualquer problema em decorrência do uso indevido da documentação. Mas, sete meses após o furto, sob a acusação de ser estelionatário, policiais o prenderam no portão de casa. Tentou, em vão, apresentar o registro da ocorrência, mas ficou uma semana preso – até conseguir um habeas corpus. Outras três prisões aconteceram nos meses seguintes, todas por golpes que foram aplicados por pessoas que se passavam por Santos – que chegou a ficar 20 dias atrás das grades.

Ele conta que precisou mudar duas vezes de emprego: foi preso enquanto trabalhava e, diante da humilhação, não conseguia mais se manter no cargo. "Eu não devo nada e não ia deixar isso impune". Santos ainda luta para se livrar de mais de uma dezena de acusações que ainda estão sendo investigadas em delegacias, além de um processo criminal a que responde. No mês que vem, por exemplo, terá de viajar 438 quilômetros de Curitiba a Pato Branco, na Região Sudo­este, para dizer que não aplicou golpe algum na cidade e que ele é que é vítima.

Reparação

No processo, Santos pediu indenização de R$ 1,2 milhão e ainda não decidiu se vai recorrer do valor fixado pela Justiça. "Acho que R$ 200 mil é pouco pelo que aconteceu comigo. Mas, independentemente de quanto seja, não vai pagar o que eu passei. Vai ressarcir parte do prejuízo que eu tive", diz. Ele ainda não tem planos para o dinheiro. Mesmo se a Justiça definir em última instância que Santos tem direito à indenização, o dinheiro pode demorar muito para chegar às mãos dele. As condenações judiciais do governo geram precatórios – pagos em ordem cronológica e que têm mais de 3 mil pessoas na fila de espera.

O advogado de Santos é também irmão dele e acompanhou de perto tudo o que o corretor passou. Vicente Paula Santos processou o Estado, alegando que a falta de um sistema integrado de comunicação sobre furto e roubo de documentos foi a principal causa dos problemas que o corretor teve. "Outras pessoas também estão sofrendo por causa de documentos que foram furtados ou roubados e ninguém faz nada", reclama. Para o advogado, ações indenizatórias têm a função de alertar o governo sobre a necessidade de tomar medidas para evitar que mais pessoas sejam prejudicadas pela mesma falha. "Esse tipo de ação é importante para que as pessoas saibam que podem acionar a Justiça quando o Estado faltar."

A Procuradoria-Geral do Estado, que concentra os advogados encarregados de defender os interesses do governo, foi procurada pela reportagem para comentar a sentença, mas não retornou os contatos até o fechamento desta edição. Contudo, os argumentos da defesa constam no processo. A alegação é de que o Estado não pode ser responsabilizado se uma pessoa fez uso indevido de documentos furtados. A defesa ainda alega que o governo apenas cumpriu a obrigação legal de investigar crimes, que Santos não reuniu provas sobre os danos morais sofridos e que ele teria tido apenas dissabores e aborrecimentos.

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