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“Desde 1834, havia algumas famílias saxônicas morando onde hoje é o Jardim Schaffer. Estavam ali os Wolf, os Müller. Os primeiros caboclos polacos são colocados no Pilarzinho e se veem confinados num território alemão e português.” | Priscila Forone/Gazeta do Povo
“Desde 1834, havia algumas famílias saxônicas morando onde hoje é o Jardim Schaffer. Estavam ali os Wolf, os Müller. Os primeiros caboclos polacos são colocados no Pilarzinho e se veem confinados num território alemão e português.”| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Ulisses Iarochinski, pesquisador da cultura polonesa.

O jornalista e historiador Ulisses Iarochinski, 51 anos, era um homem feito quando se deu conta do peso de seu sobrenome. Foi na década de 1980, durante uma série de reportagens para o Jornal do Estado sobre o polonês Lech Walesa, o líder do sindicato Solidariedade.

A tarefa provocou o encontro de UIisses com o médico Edvino Tempski, um estudioso da cultura polônica ligado ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. O repórter e editor achava que seria um encontro protocolar, um entrevistado como tantos, mas se enganou. A seu modo, Tempski mostrou que havia mais da Polônia em Curitiba do que se podia imaginar.

Natural de Monte Alegre, Ulisses sempre se sentiu filho de uma casa mineira, por parte de mãe, apesar do nome europeu, por parte de pai. O encontro com Tempski mexeu com essas crenças. E como. Tempos depois, em 2000, o jornalista escreveria o polêmico Saga dos polacos – que lhe renderia solenes dores de cabeça.

"Um descendente chegou a me esmurrar num lançamento", conta, aos risos. O motivo: ter usado "polaco" em vez de "polonês". "É o correto, defende. Polaco significa "do contra, aquele que não se entrega", informa. O próprio Ulisses se tornou um deles. Dis­­ posto a saber mais sobre sua gente, mandou-se para Cracóvia, onde passou oito anos de estudos.

Não deu outra. Do jornalista fã de Lech Walesa se tornou uma referência em imigração polonesa no Paraná. Nem sempre é recebido com pratadas de pierogi. É do contra. Tem convicção que o espírito turrão atribuído aos filhos de Polska é merecedor de elogios, pois sinal de uma gente que tem o que dizer.

Ulisses Iarochinski está à frente do Instituto Curitiba de Arte e Cultura (Icac), órgão da Fundação Cultural. Em paralelo à programação cultural da Capela Santa Maria, ocupa-se de desvendar o país que está na sua cara e no seu nome. E provoca a fazer o mesmo. "Você sabia que o sonho – aquele, de nata – é polonês? Pois é..." Confira trechos da entrevista.

O polaco tinha uma imagem bem particular em Curitiba. Por que isso se dava?

Certa vez, no início do século, ninguém menos do que Hugo Simas assinou um artigo num jornal criticando duas moças polacas que queriam entrar na faculdade. Na opinião dele, elas mal falavam português. O pai daquelas que seriam das primeiras médicas e dentistas de Curitiba vai em busca do articulista, tirar satisfação. O diretor do jornal atende o homem e leva um murro do cara. Como isso repercute na sociedade local? "Ah, o polaco é um grosso, um ignorante, um vira-casacas".

Como explicar a fama de haver baixa escolaridade na comunidade?

Os poloneses eram camponeses, mas nunca sem instrução. Ao chegar, a primeira coisa que faziam era criar uma escola. Foi assim em Tomás Coelho e no Pilarzinho... Pense na Colônia de Santa Cândida. No período da manhã havia aulas de todas as disciplinas em idioma polaco. Na parte da tarde, as mesmas disciplinas, em português. De 1900 a 1910, há mais publicações em Curitiba em língua polaca do que em português. Para quem era vendido tudo isso? Para analfabetos? Por que o jornal se chama Gazeta do Povo? Porque havia antes a Gazeta Polska. Como as outras etnias não falavam polonês, era muito mais fácil dizer que se tratava de um povo sem instrução. Mas há muitos argumentos que indicam ao contrário.

Por exemplo?

Havia pensamento na comunidade. Intelectuais poloneses faziam expedições ao Paraná para ver em que condições estavam os seus agricultores. Desciam na Praça Eufrásio Correia e eram recebidos com banda de música. Muitos voltavam para a Polônia e publicavam trabalhos científicos. Em 1907, um polaco de Varsóvia vem aqui e anda em lombo de cavalo pelo Paraná inteiro e leva mais espécies empalhadas do que registra hoje o nosso Atlas de Ornitologia. O que faz o resto da população de Curitiba? Continuou reforçando a animosidade trazida da Europa, dizendo que os polacos eram sem bandeira, uns beberrões.

Por que a história das escolas polacas caiu no esquecimento?

Temos de levar em conta que em 1938 o presidente Getúlio Vargas baixa a lei da naturalização. Não se podia falar em idioma estrangeiro. As pessoas passam a ter medo de se identificar por sua etnia. As escolas polacas, ucranianas, italianas e alemãs são fechadas. O resto se deduz.

Mas a anulação dessa história foi maior para os poloneses...

Os primeiros polacos chegaram aqui em 1871. Mas anos antes, dois grupos de 16 famílias se instalaram em Brusque (SC). Ficaram em um meio de imigração alemã. Ou seja, os conflitos de Europa se estenderam ao Brasil. A sociedade paranaense hoje não fala desses horrores.

Curitiba não era pequena demais para refletir um conflito que acontecia lá na Europa?

Quando os poloneses chegam aqui, em 1871, a cidade é uma vilazinha perdida, mas os alemães já eram senhores por aqui. Desde 1834, havia algumas famílias saxônicas morando onde hoje é o Jardim Schaffer. Estavam ali os Wolf, os Müller. Os primeiros caboclos polacos são colocados no Pilarzinho e se veem confinados num território alemão e português. Não é difícil imaginar que as 21 famílias de polacos que chegaram aqui ouviram que "não tinham bandeira". Me perguntam: "Ulisses, onde é que você leu isso?" Digo: "Em lugar nenhum. É dedução."

Uma das estratégias de seu trabalho é destacar os grandes feitos da Polônia como forma de explicar a discriminação pela qual seu povo passou – inclusive em Curitiba. Qual o capítulo que estamos sempre pulando?

Fala-se que o império austro-húngaro invadiu a Polônia por 127 anos. A frase "país sem bandeira" nasce daí. Mas não se diz, com a mesma intensidade, que a democracia que nós vivemos no Ocidente não é originária na Revolução Francesa e que não vem na Convenção da Filadélfia em 1787. Já existia república entre os polacos antes disso. De 1453 a 1795, a Polônia foi a maior nação da Europa. Ia do Mar Báltico ao Mar Negro. Seus vizinhos eram reinos ditatoriais, o da Rússia, da Áustria, da Prússia. A Polônia era um mau exemplo. Friso esse fato, pois é por aí que a se começa a desmontar o preconceito contra os polacos.

Difícil acreditar que houvesse só virtudes?

Claro. A Polônia foi uma nação sanguinária. Havia a famosa "legião polaca", que despertou grande ódio na região, o que é bem mostrado no filme 1612, de Vladmir Khotinenko, com produção de Nikita Mikhalkov, apontado, inclusive, como um filme antipolaco. Os 127 anos de dominação, a Primeira e a Se­­gunda Guerra, 40 anos de comunismo..., bem, são respostas históricas dos vizinhos que sofreram os 400 anos da carnificina polaca. Os polacos, contudo, fazem de si um povo de martírio. Os defensores da etnia não querem citar como agia a Polônia no seu apogeu. Mas sem passar por esses episódios não há como explicar o preconceito – um preconceito que se deu aqui, em Curitiba.

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