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O Ibama de São Paulo solicitou nesta sexta-feira (1) a retirada dos urubus que fazem parte da instalação do artista Nuno Ramos, em exibição na 29ª Bienal. Em comunicado, o órgão informa que enviou notificação "aos responsáveis pelos 'três urubus-de-cabeça-amarela' (Cathartes burrovianus)" pedindo "a retirada dos animais" por considerar que "as instalações estão inadequadas para a manutenção das aves".

Há um prazo de cinco dias para que os animais sejam devolvidos ao Parque dos Falcões, em Sergipe, de onde foram cedidos. O prazo, ainda segundo o Ibama, visa atender "uma logística para que eles retornem com segurança ao seu habitat".

A presença das aves na instalação "Bandeira branca", espécie de viveiro que ocupa o vão central no interior do prédio da Bienal, havia sido autorizada pelo Ibama de Sergipe. Em entrevista ao G1 na noite desta sexta-feira, a bióloga do órgão que liberou o transporte e uso dos urubus afirmou que falhou em sua avaliação inicial.

"Admitimos que a licença foi emitida de forma precária", disse à reportagem por telefone Gláucia Maria Lima Bispo, coordenadora do Núcleo de Fauna do Ibama de Sergipe. "Recebemos o plano [da obra do artista] com antecedência, mas dado o volume de documentos e de coisas que a gente tem que ver, eu não atentei que seria uma situação em um ambiente assim, confinado. Ao emitir uma autorização para expor os animais no parque Ibirapuera, a impressão que tivemos é que [as aves] estariam numa área verde", explicou.

Segundo Bispo, a licença de "transporte e manejo" dos animais foi cedida mediante análise de fotos em preto-e-branco de uma obra semelhante, montada pelo artista em uma exposição em Brasília, em 2008, com as mesmas aves. "Não temos problemas em reconhecer possíveis falhas que possam ser cometidas por nós", disse a bióloga. "Nossa preocupação, em primeiro lugar, tem de ser o bem-estar do animal. Em se verificando problemas na forma como animal está sendo exposto, não há nenhum problema em voltar atrás."

William dos Anjos, veterinário do Parque dos Falcões responsável pelas aves usadas na instalação da Bienal, nega que os urubus estejam sendo vítimas de maus tratos. "Não existe mau trato nenhum ali. A gente já fez esse trabalho dois anos atrás. O pessoal [do Ibama] de Brasília verificou e autorizou", afirmou.

Para Dos Anjos, a decisão de cancelar a permissão de uso das aves na obra "é totalmente política". "Essas aves não precisam de luz solar, só de luz. Tanto que em granjas, se usa luz artificial. Outra exigência é que haja limpeza onde as aves pousam. O pessoal não tem conhecimento e quer opinar. Estão fazendo uma coisa como se fosse qualquer tipo de ave", defende ele, que há oito anos trabalha com aves de rapina no Parque dos Falcões.

O veterinário, que permaneceu em São Paulo entre 17 e 23 de setembro acompanhando o processo de adaptação das aves, disse que aguarda decisão da Bienal "para saber o que fazer", mas diz que virá resgatar os animais quando preciso. "Quero tranquilidade e paz. Nossa questão é totalmente ambiental, de preservação. Não quero o nome da gente ligado a questão de mau trato dos animais. Para a gente, isso é incabível."

Instalações inadequadasO G1 teve acesso a um parecer realizado pelo Ibama de São Paulo, datado de 30 de setembro, que considerou "as instalações e o manejo inadequados para a manutenção das aves pela duração prevista para a exposição, de aproximadamente três meses".

Segundo o documento, que é assinado pelo veterinário Claudio Massao Kawata, pela bióloga Rossana Borioni, e pelo agente de fiscalização Ivan Paulo Ortiz Pereira, "o local de cativeiro jamais recebe insolação direta ou ventos", e não oferece "isolamento de segurança" com o público. O parecer questiona ainda a inexistência de um veterinário responsável no local.

O documento indica um prazo provisório de 15 dias para "adequação das instalações" atendendo a uma lista de nove exigências que incluem o acesso à luz solar, a remoção dos alto-falantes e a melhoria física no espaço da obra "dando alternativa aos animais de escolha". Após esse prazo, uma nova vistoria seria feita e a autorização, renovada a cada duas semanas, sempre com o parecer de um veterinário local.

Até a publicação desta reportagem, o G1 não conseguiu entrar em contato com os signatários do parecer. Não está claro se a autorização de 15 dias para readequação do local continua válida após o envio do comunicado que pede a retirada das aves em cinco dias.

Procurado por telefone, Ramos disse que não se pronunciaria sobre o pedido do Ibama e afirmou que o caso seria resolvido pela Bienal.

Em nota, os organizadores da mostra afirmam que a instituição está analisando o pedido do Ibama, mas não esclarece se os animais serão retirados ou mantidos na obra.

"A Fundação Bienal recebeu na data de hoje um comunicado do Ibama SP, que já está em análise pelo departamento jurídico e pela liderança da Instituição, no sentido de buscar uma solução que atenda as novas demandas dos órgãos ambientais e possa, dentro da lei, conciliá-las com os valores de liberdade de expressão do artista e de independência curatorial, na tentativa de preservar a integridade da exposição", diz o comunicado.

Abaixo-assinado e pichação

A presença dos urubus na instalação "Bandeira branca", de Ramos, vem causando polêmica desde antes da abertura oficial da 29ª Bienal, que ocorreu no último sábado (25). Cientes da obra, internautas e grupo de defensores dos direitos dos animais chegaram a criar um abaixo-assinado contra a exibição da obra do artista na mostra.

Na ocasião, tanto Ramos quanto os organizadores da Bienal declararam que a presença dos animais estava "dentro da legislação" e que "o autor da obra possui todas as licenças exigidas pelos órgãos de preservação ambiental para o uso desses animais".

"É importante deixar claro que não tiramos os animais da natureza", disse Ramos ao G1 na ocasião. "Os urubus pertencem ao Parque dos Falcões [em Sergipe], onde vivem em cativeiro. Só tirei de uma gaiola e pus em outra 30 vezes maior."

Ainda segundo o artista, o tratador das aves e o veterinário foram trazidos para São Paulo para verificar as condições de segurança e adaptação dos animais ao ambiente da Bienal. "Ao menor sinal [de problema], a gente vai atuar", afirmou Ramos na semana passada.

No último sábado, durante a abertura da Bienal para o público, houve protestos contra a exibição das aves e, ao final do dia, um grupo cortou a grade de proteção da obra de Nuno Ramos e pichou os dizeres "Liberte os urubu" (sic).

A instalação de Ramos é composta por três grandes esculturas em formas geométricas, que lembram grandes túmulos. As peças, colocadas no vão central do prédio, são cercadas por uma tela de proteção que acompanha, de alto a baixo, a rampa e as curvas do edifício de Oscar Niemeyer. No alto de cada uma delas, há caixas de som, que tocam trechos das músicas "Bandeira branca", "Carcará" e "Acalanto", além de poleiros que se parecem com chaminés, de onde as aves raramente saem.

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