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Fogo-Fatuo criticava médicos e suas estratégias para conter epidemias e cidadãos locais da cidade de Santos | Reprodução
Fogo-Fatuo criticava médicos e suas estratégias para conter epidemias e cidadãos locais da cidade de Santos| Foto: Reprodução

Industrialização favoreceu novos impressos

Logo após a Independência do Brasil e principalmente após a República houve um boom de jornais pequenos – às vezes de uma única edição – no Brasil. O advento da República, após um longo período de monarquia, havia criado uma grande expectativa na população, mas logo nos primeiros anos ficou claro que esta República não seria tão democrática assim. Isto fez com que esses jornais fossem surgindo aos montes, às vezes até como folhetos, para defender uma causa. "A ideia era fazer jornalismo de tribuna, com engajamento político e de crítica", explica o jornalista Roberto Seabra, um dos organizadores do livro Jornalismo Político: Teorias, Histórias e Técnicas (Editora Record, R$ 46).

Seabra calcula que existiram pelo menos 2 mil jornais diferentes entre a República e o início do século 20 – período também de maior industrialização e facilidade de impressão. Uma dezena deles era anarquista, contudo, existiram vários outros com posições anticlericais ou abolicionistas. "No período republicano houve também um movimento de jornais que seguiam o lema Ordem e Progresso, que ensejava levar cultura e educação ao povo", lembra Seabra. Por isso, alguns jornais traziam colunas de literatura e muitas vezes em língua estrangeira.

Era do subterrâneo do bairro Saboó, em Santos, que saíam notícias engraçadas; perversas sobre habitantes da cidade escritas por supostas almas suicidas. O nome do impresso que levava as informações das profundezas até a superfície era O Fogo-Fatuo. Com tipografia em vermelho (do sangue dos mortais e com canetas feitas a partir de ossos), o periódico foi criado em 1898. Tinha quatro páginas e textos distribuídos em três colunas.

O exemplar, raríssimo, está no Setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional e foi encontrado fortuitamente pelo historiador Marcelo Carvalho durante uma pesquisa sobre suicídio. "Ele hoje está todo esfarelado, mas consegui transcrever o texto completo", diz. Como Car­valho só teve acesso a um número, é difícil dizer qual era a tiragem do jornal e por quanto tempo ele existiu. "Até a origem do jornal era uma incógnita. Isto porque, no cabeçalho, está escrito "Cidade de Suicidópolis, 3 de julho de 1898". "Cheguei à conclusão de que era de Santos porque ele ataca as personalidades de lá e por fazer referências ao Cemitério de Paquetá e do Saboó", explica.

O jornal fazia críticas aos médicos que estavam fracassando com suas políticas de contenção das epidemias, reportava ao ciclismo (um esporte tão famoso à época quanto o futebol hoje) e recomendava ao jornalista português Armando Erse, conhecido como João Luso – certamente um dos alvos preferenciais dos editores –, que se suicidasse. "Acredito que o jornal circulou entre os intelectuais da época e era escrito por jornalistas de Santos que são citados como Colegas da Superfície", diz.

O jornal tinha diversas seções, como a Necrológico, que trazia crônicas direcionadas a supostos amigos, e a de Tiros que era assinada por S.W., supostamente uma referência à famosa marca de revólveres Smith Wesson. "Curioso ainda notar que este revólver era muito usado por suicidas", afirma.

Engajamento

Outro exemplo de imprensa nanica que proliferou no Brasil foi aquela que tinha um posicionamento ideológico claro. A defesa do ideal anarquista foi responsável pela criação de boa parte deles. A historiadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Edilene Toledo pesquisou o jornal O amigo do Povo (1902-1904), considerado o primeiro impresso anarquista de São Paulo escrito em português. "Antes, os jornais anarquistas eram essencialmente italianos. Este foi traduzido para atingir um maior número de leitores", explica Edilene.

Como havia uma boa parcela da população analfabeta no período, o jornal era feito e pensado para atingir também àqueles que não sabiam ler. "O mesmo exemplar era lido e relido por diversas pessoas. Além de divulgar a ideia anarquista, ele trazia notícias da liga operária, das greves, das reuniões dos sindicatos. Era uma alternativa de divulgar o que a grande imprensa não noticiava", explica. O Amigo do Povo teve uma tiragem de 600 exemplares e deixou de circular por dificuldades financeiras e exaustão dos militantes. Edilene lembra, porém, que existiram outros no período que defendiam a causa, bem como surgiram outros, inclusive com os mesmos militantes. Apesar da posição política e de crítica ao governo da época, Edilene lembra que os jornais anarquistas não defendiam a criação de um partido. "Eles criticavam o Estado e queriam destruí-lo para criar um Estado sem capitalismo, nem igreja, nem família."

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