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A falta de médicos nos postos de saúde de Londrina provoca superlotação no Pronto-Atendimento Municipal: contratação de cooperativa gaúcha não resolveu problema | Fotos:Gilberto Abelha/Gazeta do Povo
A falta de médicos nos postos de saúde de Londrina provoca superlotação no Pronto-Atendimento Municipal: contratação de cooperativa gaúcha não resolveu problema| Foto: Fotos:Gilberto Abelha/Gazeta do Povo

Usuários

Demora no atendimento é a maior queixa

Amanda de Santa, do Jornal de Londrina

A principal reclamação de quem depende do serviço público de saúde em Londrina, no Norte do Paraná, é a demora no atendimento. Na opinião de usuários, o atendimento no Pronto-Atendimento Municipal (PAM), no centro da cidade, é satisfatório, mas faltam médicos na maioria dos postos de saúde, o que superlota os pronto-atendimentos.

É o que diz a representante de atendimento Rosângela Maria Lemes, 39 anos. Ela procurou o posto no bairro onde mora, a Vila Brasil, mas não havia médicos. Então, decidiu ir ao PAM para ser atendida por um clínico-geral. "A demora é grande", reclama. A dona de casa Laura José dos Santos Alberto, 62 anos, precisou cruzar a cidade pelo mesmo motivo: não encontrou médico no posto de saúde do Jardim Maracanã, na zona oeste de Londrina. Com dores no calcanhar, pegou um ônibus e foi até o centro para conseguir uma consulta.

Com a filha de dez meses no colo, a auxiliar administrativa Érika Bersalim, de 36 anos, diz que também faltam profissionais no PAM. "Da última vez que vim aqui fui atendida por um médico do Samu", diz. No final de semana, quando há prevalência dos médicos da cooperativa, a situação é ainda pior.

Serviço ruim

O secretário de Saúde em Exercício de Londrina, Márcio Nishida, admite que o serviço prestado pela Cooperativa Próativa, de Porto Alegre, não é satisfatório. "Não deixa de ser uma solução interessante, mas, como a cooperativa é de fora, tem dificuldade em conseguir profissionais", afirma. Recentemente, a cooperativa teve dificuldades para cumprir integralmente as escalas. Cerca de 50% dos plantões em pediatria e 30% de clínica-geral não estavam sendo cumpridos.

A Próativa foi procurada pela reportagem, mas, pelo fato de os proprietários estarem em viagem, ninguém comentou o assunto.

A contratação de médicos por meio de cooperativas se tornou alternativa buscada por municípios que pretendem reduzir custos ou contornar a necessidade de concursos para contratar e repor profissionais. Vista com preocupação pelo Sindicato dos Médicos do Paraná, Ministério Público e Ministério Público do Trabalho, a prática pode ganhar fôlego com a aprovação de um projeto de lei que pretende regulamentar a atividade. De autoria do deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), a iniciativa objetiva dar mais segurança jurídica a profissionais atuantes sobre o regime.O projeto, que aguarda o parecer de três comissões da Câmara, deve superar ao menos dois temas polêmicos: (1) a inexistência de vínculo empregatício entre médicos e cooperativas e (2) o fato de as contratações serem encaradas pela Justiça do Trabalho como terceirização da saúde, um serviço essencial e que deve ser fornecido pelo Estado. "O poder público não pode terceirizar atividades integralmente para o setor privado. É autorizada a complementação da oferta de serviço", explica Marco Antônio Teixeira, procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio das Promo­­torias de Proteção à Saúde Pública.

Presidente da Cooperativa Paranaense de Medicina (Copamed) – a maior do Paraná com 930 profissionais cadastrados –, Rached Hajar Traya diz que participar da associação aumenta as oportunidades de trabalho para o profissional e se torna solução viável para os gestores. "Se abrir concurso, não vai conseguir contratar a mão de obra necessária", afirma. Traya relata outros dois fatores que pesam para os médicos entrarem em cooperativas: o profissional é o gestor do próprio negócio e a força da categoria nas discussões salariais.

Exemplos

Por causa da dificuldade em manter profissionais da saúde nos quadros funcionais, Lon­­drina abriu licitação emergencial para contratar clínicos-gerais e pediatras para atuarem nos pronto-atendimentos. Ao todo, a cooperativa gaúcha Pró­­ativa – vencedora da licitação –, recebe R$ 477,17 por plantão de seis horas em um contrato de 12 meses com valor aproximado de R$ 3,5 milhões. O serviço, contudo, recebe má avaliação da população.

Segundo o secretário de Saúde em exercício de Londrina, Márcio Makoto Nishida, a rotatividade dos médicos em cidades de pequeno e médio porte é inimiga da gestão da saúde. "Os profissionais que entram nesses concursos acabam saindo na primeira oportunidade em razão dos salários baixos e de uma carreira pouco atraente", explica. "Como a prefeitura faz repasse direto à cooperativa, há um encargo de impostos menor, aumentando os ganhos do profissional", completa. Com isso, o gestor obtém certa flexibilidade para lidar com o problema.

Por outro lado, o presidente do Sindicato dos Médicos do Paraná, Mário Antônio Ferrari, considera as cooperativas de profissionais "uma afronta à Constituição". Na avaliação dele, a contratação de cooperativas, seja por meio de licitações ou de decretos, é um risco tanto para a população quanto para o médico cooperado. "Se houver algum erro em uma emergência, a responsabilidade civil pode recair sobre todos os profissionais filiados", alerta.

Falta de verba dificulta admissão de médicos

Parte da explicação para a dificuldade do poder público em contratar médicos advém da falta de financiamento da saúde. O não cumprimento da Emenda Cons­­titucional 29 faz com que não sejam feitos os investimentos mínimos previstos na área: 10% das receitas da União; 12% por parte dos estados; e 15% dos municípios. Como a maior parte dos estados e do governo federal descumpre a legislação – a exemplo do Paraná –, investindo o recurso em setores como saneamento, o esforço maior acaba recaindo sobre o ente mais pobre: o município.

De acordo com Marco Antônio Teixeira, coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Proteção à Saúde Pública, houve uma queda vertiginosa dos gastos do governo federal. Em 1995, de cada R$ 100 destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), R$ 70 eram oriundos da União. Em 2011, o investimento caiu para R$ 40. "Evidentemente que a União e os estados precisam cumprir a Emenda 29. Pior é que, além de não cumprir, existe uma regressão do quanto se destina à saúde. Isso explica a dificuldade de financiamento e os baixos salários dos médicos", diz.

Remuneração

Outro empecilho é o fato de a remuneração do médico – um servidor público – se submeter à Lei Orgânica Municipal, sendo impossível um profissional da saúde receber salário superior ao do prefeito. "Em municípios pequenos, os vencimentos dos prefeitos não são substanciais. Para o médico, esse salário não é atrativo", afirma. Questionado sobre a adoção dos convênios, o Ministério da Saúde diz que a responsabilidade é dos estados e das prefeituras.

PR precisa regularizar contratos trabalhistas

O Ministério Público do Trabalho (MPT) deu prazo até dezembro para que o governo do Paraná regularize a contratação de trabalhadores de entidades hospitalares mantidas pelo estado. Para o procurador Inajá Vanderlei dos Santos, a contratação de mão de obra via cooperativas, convênios ou contratos temporários por parte do estado contraria a Constituição Federal. A legislação trabalhista veda a terceirização em atividades fins, como a saúde.

A presidente da Copamed, Rached Hajar Traya, afirma que a contratação e a fiscalização das cooperativas é realizada pelo próprio poder público. "É lícito e pertinente que tenham esse tipo de preocupação com a execução e a qualidade do trabalho", afirma. A esperança de Traya é que a aprovação do projeto de lei em Brasília possa abrir brecha para uma discussão sem preconceitos: "De um lado, há uma demanda reprimida e a incapacidade do estado em prover qualidade de atendimento à população. Na outra ponta, há uma alternativa que esbarra no ponto de vista do Ministério Público do Trabalho".

Cronograma

Ainda neste mês, o governo deve apresentar ao MPT cronograma indicando como será a regularização sem acarretar prejuízo à população. O descumprimento da determinação da Justiça prevê pagamento de multa diária de R$ 5 mil por infração, com valores revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Se­­gundo a Secretaria de Estado da Saúde, os prazos estão sendo cumpridos e no dia 16 de setembro haverá reunião para discutir o assunto.

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