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A inclusão de crianças com necessidades especiais na rede regular de ensino ainda precisa de ajustes. É lei há dez anos no país, mas as escolas não estão preparadas para receber os portadores de necessidades especiais. A constatação é do professor universitário, psicólogo e pesquisador José Raimundo Facion. Organizador do livro Inclusão Escolar e suas implicações, da Editora Ibpex, lançado na semana passada, em Curitiba, Facion lembra que os 10% da população mundial com algum tipo de deficiência ainda são segregados pela sociedade.

O psicólogo morou 15 anos na Alemanha, onde fez dois pós-doutorados, um na área de Neuropediatria, na Universidade de Münster, e outro no Instituto de Pesquisa sobre autismo. Ele não concorda com os que defendem a inclusão, sem limitação, dos portadores de necessidades especiais nas escolas. "Se nós formos fazer a qualquer custo, vamos ter de transformar algumas escolas em hospitais", diz. A Gazeta do Povo conversou com o psicólogo e pesquisador sobre a polêmica que mobiliza educadores em todo o país.

Qual é o impasse nas discussões sobre inclusão de portadores de necessidades especiais no ensino regular?

A educação inclusiva não é simplesmente pegar crianças especiais e colocá-las em sala de aula. Entendemos que isso pode causar uma exclusão muito pior que a já existente. A inclusão é uma via de mão-dupla. Não há mais como segregar as pessoas porque elas são diferentes. Não há como mais aceitar que essas pessoas vivam em guetos, em escolas especiais, sendo que elas podem ser sim muito bem atendidas nas escolas regulares. No entanto, para que haja uma inclusão democrática, humana, atenciosa, competente e eficaz é necessário também que a escola tenha o seu devido preparo.

Como fazer esse preparo?

Tem de dotar a escola de infra-estrutura suficiente, tem de capacitar o seu pessoal, para que o professor pelo menos tenha noções básicas sobre uma criança com uma determinada deficiência. Para que vá para a sua sala e saiba como lidar com essa criança no dia-a-dia. Temos de fazer um preparo para que quando essa criança especial chegar na escola, pelo menos as pessoas que ali estão não a segreguem também.

As escolas brasileiras estão promovendo essa inclusão?

Não estão. São poucas, ainda, as instituições que estão praticando a inclusão. Muitos professores até querem e desejam também participar do processo inclusivo, mas falta preparo e sobra insegurança. Esse professor, que geralmente atua em salas superlotadas e já tem problemas com alguns de seus alunos, recebe mais um menino especial dentro da sala. Não tem respaldo, orientação, nem um corpo técnico, um staff dentro da escola que possa atender as especificidades dessa criança.

Como resolver isso?

Primeiro, é importante frisar que o governo federal tem dinheiro para esses projetos. Basta que as escolas e os municípios tomem o conhecimento de quais são os caminhos para buscar a verba necessária. O movimento é muito forte e os governos estão empenhados na inclusão. Essas escolas precisam ter o seu pessoal, uma equipe especializada para atender algumas necessidades específicas, para supervisionar as salas de aula e orientar o professorado para dar a atenção devida àquelas crianças.

O senhor não acha que essa capacitação depende também da vontade do professor?

É um pouco do medo do desconhecido. A inclusão não é boa só para os coitados dos meninos que são deficientes. Faz muito bem para as pessoas comuns, normais. Porque é através da convivência e da divergência que se melhora o comportamento de tolerância, de paciência, de aceitação e uma vida prática mais democrática. Quando luto pelo processo inclusivo não é só por causa das pobres coitadas das crianças especiais. Isso é muito pouco. A inclusão é importante também para as pessoas chamadas normais.

Não se criou um discurso da inclusão, um modismo, sem preparo para isso?

Criou-se um modismo, mas ele tem um lado muito bom. Por meio de campanhas e da preocupação da mídia há uma conscientização. Isso pode refletir para que nos próximos tempos haja uma intensificação do processo inclusivo. O que não é bom nesses modismos são os exageros.

Alguns autores defendem que não há limitação para que as crianças com necessidades especiais entrem no ensino regular. O senhor concorda com isso?

Não. Por exemplo, não tenho como juntar meninos autistas com graves autolesões, com comportamentos traumáticos, dentro da sala de aula junto com outras crianças. Pode trazer conseqüências negativas. Para estes casos mais graves nós temos de continuar com as escolas especiais, para um cuidado bem mais intensivo. Pelo menos até quando nós, pesquisadores, encontrarmos uma fórmula de minimizar todos esses problemas. Para que essas pessoas também possam estar incluídas nas escolas. Se nós formos fazer a inclusão a qualquer custo, vamos ter de transformar algumas escolas em hospitais. Se a gente levou milhões de anos dentro de uma sociedade exclusivista, não é com um decreto-lei e de uma hora para a outra que se faz uma reviravolta.

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