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Santina Elias mantêm tradições da etnia caingangue | Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Santina Elias mantêm tradições da etnia caingangue| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Costumes

Santina, a caingangue que resiste

Santina Inácio Elias fala do passado com nostalgia. É como se pudesse, por detrás dos óculos ovais, vislumbrar os tempos idos. A senhora de 60 anos é uma das últimas remanescentes, que preserva as raízes de uma forma "pura". Filha de caingangues, casou-se com um homem desta etnia. Os três filhos do casal seguiram o rumo dos pais e também se uniram com índios da mesma linhagem. Dentro de casa, só se fala em caingangue.

"Acho bom que ainda seja assim. Tinha que conservar as raízes, porque tudo está se perdendo. Naquele tempo era bom", diz a indígena, com a voz suave, que contrasta com a firmeza de suas ideias. "Caingangue tinha que casar com caingangue. Mas hoje ninguém mais respeita isso", lamenta.

Além do idioma, Santina mantém a tradição do artesanato. Aos poucos, as mãos hábeis vão dando forma a cestos, arcos e flechas, que, posteriormente, são vendidos no Centro de Curitiba. Os filhos e a neta de 13 anos também sabem fabricar as peças artesanais. "A gente foi aprendendo e passando adiante", conta.

Os únicos costumes que não consegue preservar são os de manter plantações e se alimentar de caça, como quando vivia na aldeia em que nasceu, no Rio Grande do Sul. "Tinha mandioca, arroz, milho", lembra. "Agora, só tem uns carijosinhos", diz, apontando o galinheiro do quintal.

Demora

Promessa antiga, escola indígena não saiu do papel

A construção de uma escola – a Escola Estadual Indígena Kejer Minffi – na aldeia Kakané Porã foi inclusa no Plano de Ações Articuladas de 2012, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), mas nunca saiu do papel. Pelo projeto, seriam cinco salas e dois laboratórios para aulas dos ensinos fundamental e médio. em português e idiomas indígenas.

Os trâmites estão estagnados. O MEC informou que, apesar de ter sido incluída no Plano, a execução da obra é de responsabilidade do governo estadual. A Secretaria de Estado da Educação, por sua vez, informou que aguarda liberação do recurso para o procedimento licitatório. "O nosso sonho era que nossas crianças estudassem aqui e só saíssem para ir à faculdade. Mas está esse jogo de empurra-empurra. Outras aldeias já conseguiram a escola e nós não", diz o cacique Carlos dos Santos.

Enquanto isso, os indígenas usam uma escola improvisada, no galpão central da Kakané Porã. A estrutura é precária. As poucas carteiras foram doadas pela comunidade, assim como os livros, que estão amontoados em um canto. Quando chove, a água entra pelas frestas de madeira e molha o mobiliário e o material didático. "Não tem nem lugar para guardar a merenda", desabafa Rosane Rodrigues, contratada pelo estado para dar o reforço escolar às crianças.

  • O cacique da aldeia Kakané Porã, Carlos Luiz dos Santos
  • Em frente à aldeia, o cacique Carlos e o filho Bira
  • Em aula de reforça, menina tem aulas em idioma caingangue
  • Enquanto escola prometida pelo poder público não sai do papel, moradores da aldeia têm aulas de reforço em sala improvisada
  • Sem local adequado, livros e materiais didáticos ficam amontoados sobre carteiras
  • Lisa de Oliveira abriu um salão de cabeleireiro. Maioria da clientela vem de fora
  • Detalhe de uma das casas da Kakané Porã
  • Além de dar aulas de caingangue, Fabiana também mantêm a tradição do artesanato
  • Há 12 anos, Emanuele Paleano se casou com um indígena de origem caingangue. Hoje, o casal vive na aldeia
  • Ela aprendeu a fazer cestarias com a mãe e repassou a tradição para os filhos
  • Galinha d’angola passeia pela aldeia
  • O cacique Carlos alimenta sua criação de gansos

No galpão circular de madeira, três crianças de sangue indígena se debruçam sobre os cadernos. Copiam do quadro-negro palavras em caingangue que estão ligadas a vocábulos em português. A escola improvisada está encravada no centro da Kakané Porã, a primeira aldeia urbana do Sul do país, instalada em 2008, no bairro Campo de Santana, em Curitiba. É o último suspiro dos índios urbanos para tentar manter suas raízes em meio à cultura do "homem branco".

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Assentada em um conjunto da Companhia de Habitação (Cohab), a Kakané Porã tem 37 casas populares de alvenaria, construídas em lotes diminutos. Ali, os cerca de 220 descendentes das etnias kaingangue, guarani e xetá vivem longe do estereótipo de uma aldeia indígena.

As ruas lembram as de uma vila comum. Amiúde, o silêncio da tarde é quebrado por uma música sertaneja ou um funk carioca, que ecoam de caixas de som, enquanto a criançada brinca com cachorros. Todas as famílias têm entes que trabalham fora, como, por exemplo, motoristas, cobradores, seguranças ou operários da construção civil. Da cultura das três etnias, pouco resta.

"Os governantes fizeram e fazem tudo para acabar com o direito dos povos indígenas. Não tem espaço pra nós. A tendência é piorar", lamentou o cacique Carlos Luiz dos Santos, um caingangue nascido em Mangueirinha.

Na avaliação dos índios, parte dos costumes está sumindo pela falta de infraestrutura e de apoio do poder público. Hoje, as 63 crianças da aldeia estudam em colégios de bairros vizinhos – e não raramente faltam vagas ou transporte. Para tentar resgatar a língua nativa é que se improvisou a escola, onde duas vezes por semana são dadas aulas de reforço, em idioma caingangue. Poucos alunos, no entanto, as frequentam.

"Vêm poucos [alunos]. Dos que vinham, muitos já pararam", contou a professora Rosane Salete Rodrigues. "Já perdemos as danças típicas, a comida, o ritual. Só ficou a língua nativa. Tenho medo de que isso se perca também", acrescentou.

O artesanato também está perdendo espaço. Apenas oito famílias fabricam adornos e cestarias, a partir de taquaras, sementes e penas. As peças são vendidas de forma independente, no Centro de Curitiba. Não existe uma política para organizar a produção e a venda dos artesanatos.

"Não temos a mínima estrutura para mantermos nossas raízes. Já completou cinco anos que estamos aqui, mas não tem o que comemorar", disse Antonio Cláudio Moraes, presidente da Associação Abeak Porã.

Aldeia com cara de vila

Não fosse a placa de madeira – em que se lê "Aldeia Kakané Porã" – afixada na entrada do conjunto habitacional, dificilmente se saberia que o lugar se trata de uma comunidade indígena. Os elementos da cultura do "homem branco" podem ser percebidos por toda parte, das casas de alvenaria padronizada, com antenas de tevê por assinatura, aos carros e motos estacionados na garagem. A fauna é composta por muitos cães e gatos, além de gansos, galos e galinhas d’angola, criados por uns e outros moradores.

"Toda semana vem escolas visitar a gente, mas eles ficam de cara. Acham que vão chegar aqui e ver todo mundo pelado ou vestindo pena. Isso não existe mais", disse o cacique Carlos dos Santos.

Em uma das primeiras casas, Lisa de Oliveira construiu um salão de cabeleireiro. A clientela é formada, principalmente, por pessoas que não moram na aldeia. "Ontem, atendi o dia inteiro. Vem muita gente de fora", disse.

Os traços indígenas não estão presentes em todas as fisionomias. Quase todas as famílias são miscigenadas, ou seja, os descendentes se casaram com "não-índios". É o caso de Emanuele Previde Paelano. Há 12 anos, ela é casada com o caingangue Luiz Carlos Paleano, com quem tem um casal de filhos. O marido é pastor evangélico. "A cultura do índio é muito diferente. Aqui, não tem muro ou cerca. Não existe quintal fechado. A tranquilidade e o ritmo de vida são outros. Aqui se dá muito valor a coisas simples. Isso se mantém", apontou Emanuele.

Aldeia Kakané Porã

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