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Foi-se o tempo em que as cidades esperavam do estado ou do governo federal a solução para seus problemas. Na nova configuração global – como gostam de afirmar os especialistas –, espera-se muito delas, principalmente que inovem e apresentem soluções que possam ser copiadas em nível estadual, nacional e internacional. Municípios que esperam fórmulas do poder central sobre como aprimorar a educação ou garantir a sustentabilidade estão com os dias contados, de acordo com o que foi ouvido nos discursos de mais de 200 especialistas enviados por mais de 100 cidades ao redor do mundo à 2.ª Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, ocorrida na última semana em Curitiba. Para dar exemplos de inovação que surgiram em gabinetes de prefeitos, empresas, ONGs e iniciativas de cidadãos, foram apresentados projetos nas mais diversas áreas – da educação e tecnologia ao empreendedorismo e sustentabilidade. Há casos que vão desde internet de graça em vilas afastadas da Amazônia à instalação de observatórios sociais para fiscalizar o poder público e escolas sem regras. Diante dos mais de 100 projetos apresentados, a Gazeta do Povo selecionou seis iniciativas que valem ser seguidas – duas delas do Paraná.

Conexões precisam ser duradouras (foto principal)

Em um mundo onde tudo se conecta e onde todos opinam e compartilham, nada mais prejudicial do que pensar "por compartimentos". Essa foi a tônica do discurso do físico austríaco Fritjof Capra, o palestrante mais esperado da 2ª Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, em Curitiba. Autor premiado dos livros O Tao da Física, em que traça um paralelo entre a física moderna e o pensamento oriental tradicional, e Ponto de Mutação, que compara o modelo cartesiano com o pensamento moderno em diversos campos, Capra criticou a forma como os indivíduos e o poder público pensam as cidades.

Citando o pintor Leonardo da Vinci, tema de seu livro A Ciência de Leonardo da Vinci – Um mergulho profundo na mente do grande gênio, o físico afirmou que as cidades carecem de homens generalistas e citou o gênio italiano – que também era arquiteto, engenheiro, anatomista e botânico –, como um exemplo de homem que não existe mais. "A natureza, a ciência, a tecnologia e a sociedade são regidas por sistemas. Essa visão de mundo holística gerou homens como Da Vinci. Hoje, a especialização excessiva não dará espaço para que muitos homens como ele surjam."

Apesar do tom pessimista, Capra elogiou a forma como sociedade, empresas e poder público atuam no Brasil e ressaltou que a parceria entre eles é fundamental para que as cidades se tornem inovadoras e sustentáveis. "Hoje, há pessoas de ONGs no governo e empresários que realizam trabalho voluntário. Esse é um aspecto em que outros países ainda têm muito a aprender com o Brasil."

Em relação às redes, Capra afirma que o potencial de formar relações e repassar informações é enorme, mas que o sucesso dependerá da mensagem veiculada e da capacidade de cidadãos e governos de estabelecerem conexões duradouras. "As redes sociais têm a vantagem de proporcionar essa conexão, mas seu sucesso dependerá do que é comunicado. E o maior desafio será como introduzir os valores de sustentabilidade nesses espaços."

Porto: educação (foto 1)

"Para que as coisas deem certo, às vezes é preciso desaparecer." A frase dita pelo educador português José Pacheco ilustra bem o espírito de seu projeto – a famosa Escola da Ponte, na cidade do Porto, em Portugal, apresentada na conferência como o caso mais bem-sucedido de inovação em educação. O sentido de desaparecer, na concepção de Pacheco, diz respeito a tirar o professor de cena e deixar que o aluno e a comunidade assumam mais o controle da escola.

Entre as transformações feitas na Escola da Ponte, em mais de 30 anos de atuação, algumas chamam a atenção: não há salas de aula e o aluno estuda no local que desejar. Também não há turmas separadas por séries e os professores não lecionam uma disciplina específica. As regras da escola são criadas pelos alunos após muita discussão e não há diretor, o que faz com que todos possam se responsabilizar pelos rumos da instituição. "Só está preparado para viver em uma democracia o ser humano que aprende de forma democrática", diz Pacheco.

Orlando: oportunidade (foto 2)

A tônica do discurso de Orlando, nos Estados Unidos, foi uma só: aproveitar as oportunidades. Sede da Disney World e de estúdios de cinema, a cidade recebe por ano cerca de 50 milhões de turistas. Grande parte desses, no entanto, não vão à cidade apenas para aproveitar os parques e as opções de lazer. Segundo a assessora de Assuntos Internacionais e coordenadora de Divulgação de Negócios do município, Kathy DeVault, a cidade aproveitou o aporte de pessoas para investir em outros setores, além de potencializar os tradicionais.

Aproveitando o potencial de compra dos funcionários dos estúdios e dos parques, o centro da cidade foi revigorado e transformou-se para receber residências, algo pouco tradicional em um país onde a maioria sonha em viver nos subúrbios. "Criamos a Vila da Criatividade no coração da cidade e a transformamos em um espaço onde há tudo e de onde as pessoas não precisam sair para ir ao cinema, à escola, ao hospital", diz Kathy.

Durban: planejamento (foto 3)

A Copa não é para turistas e sim para a população. O aviso foi dado às autoridades municipais pelo coordenador de Relações Governamentais de Durban, Eric Apelgren. A cidade sul-africana, sede da Copa do Mundo de 2010, está vencendo um desafio comum aos municípios que recebem o torneio: tornar duradouros os benefícios que geralmente têm efeito de 30 dias, tempo que dura a competição. "A população tem de ser o foco das obras e melhorias. Não se deve pensar apenas em estádios, mas em transporte, emprego e obras estruturais", diz Apelgren.

Ele exemplifica que, após o fim da Copa, uma série de projetos entrou em ação para transferir os trabalhadores da construção civil para o turismo, que explodiu depois disso. Entre os exemplos a não serem seguidos, Apelgren citou o mau uso dos estádios. "A manutenção é cara. Além do custo para construí-los, o governo precisa gastar para mantê-los em pé. Talvez tenhamos de destruir alguns. É preciso pensar antes como eles poderão ser usados após o fim da Copa."

Maringá: economia (foto 4)

Exemplo de inovação no Norte do Paraná, Maringá é hoje conhecida por especialistas como um município que faz bom uso da tecnologia no setor público. Uma das áreas que mais abocanham recursos, a saúde do município economizou com a adoção de prontuários digitais, atualizados em tempo real para os médicos. "Ele permite que o médico saiba na hora se um exame que ele pediu ao paciente já foi feito e se está dentro do prazo, evitando que ele repita o procedimento desnecessariamente. O sistema também permite saber se um remédio está disponível na farmácia do hospital e se há genéricos ou similares mais baratos à disposição", diz o prefeito Silvio Barros.

Outra novidade é um sistema on-line de monitoramento que permite ao prefeito se informar sobre o andamento das obras no município e que traz dados e fotos atualizados sobre as mesmas. "Esse sistema permite um maior controle, o que evita atrasos e também que obras malfeitas por falta de fiscalização tenham de ser refeitas e gerem mais gastos."

Wageningen: sustentabilidade

Descrita como a cidade das áreas verdes e do congestionamento de bicicletas, Wageningen, na Holanda, iniciou a inovação de cima para baixo: disposto a transformar o pequeno município de pouco mais de 30 mil habitantes em sinônimo de sustentabilidade, o prefeito Alexander Hooefsloot deu o exemplo.

Na semana em que viajou para Curitiba, a frota do município foi trocada por carros movidos a gás verde – fruto da decomposição do esterco de animais. "Não só cidadãos e empresas precisam colaborar, mas também as instituições do governo. Tem de haver cooperação."

Na cidade que enfrenta invernos rigorosos, mil novas casas foram construídas com o cuidado de aumentar seus sistemas de isolamento térmico, visando a economia de até 50% de energia com calefação. As instalações esportivas e residenciais são aproveitadas para captar energia solar e a separação do lixo faz parte da cultura da cidade. "O capital ambiental tem de ser valorizado."

Pinhais: informação

A valorização das estatísticas, um dos instrumentos mais preciosos à disposição do poder público, é o que levou a cidade de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, ao posto de cidade inovadora. Desde o ano passado, o município tem parceria com o Observatório Regional de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis) e usa um software criado pela ONU para monitorar o impacto dos serviços públicos no dia a dia da população.

A iniciativa facilitou a vida dos secretários ao criar gráficos e tabelas de simples visualização que permitem comparações entre regiões da cidade e cria uma base de dados que pode ser acessada por qualquer servidor. "Antes, a tabulação levava dias e uma área não tinha acesso ao que a outra tinha compilado. Não havia comunicação", diz o técnico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável Rodrigo Lacerda Marques.

Outra novidade foi que, ao invés de centralizar o conhecimento na secretaria, servidores de outros órgãos foram treinados, especialmente da Saúde, Educação e Assistência Social, para que aprendam a fazer o uso da tecnologia. "A capacitação e a gestão são simples, só dependem de vontade política."

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