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Adelaide Lino, que administra um lar para idosos em São José dos Pinhais: instituições filantrópicas, que dependem basicamente de doações, são 65% das ILPI no país | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
Adelaide Lino, que administra um lar para idosos em São José dos Pinhais: instituições filantrópicas, que dependem basicamente de doações, são 65% das ILPI no país| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

PERFIL DO ATENDIMENTO

Estudo do Ipea traçou o perfil das instituições de longa permanência de idosos no Brasil. Cenário ainda é preocupante:

No Brasil

- Há 3.548 instituições desse tipo

- Nelas moram 83.870 idosos

- 65,2% são filantrópicas, 6,6% são públicas e 28,2% são privadas

- 63,5% estão concentradas na Região Sudeste

- 30,7% localizam-se em cidades com mais de meio milhão de habitantes

- Cada idoso gasta, em média, R$ 717,91 reais por mês

- Elas estão presentes em apenas 29% dos municípios

- 36,6% dos quartos possuem um leito, e 5,9% possuem 5 leitos ou mais

- Em 34% não há médicos

- 62,6% dos gastos das ILPI são com funcionários

No Paraná*

- Há 229 instituições desse tipo

- 9, ou 3,9%, são públicas

- Nelas moram 6.499 idosos

- 51 ou 22%, estão ligadas a igrejas

- 60% não recebem visita da família

- Cada idoso gasta, em média, R$ 564,58 por mês

- 48% do total de gastos são com funcionários

- 61% da renda vêm de contribuições de residentes ou familiares

*Dados compilados pelo Ipardes

Infraestrutura

71% das cidades não têm ILPI

A omissão do Estado em relação às instituições de longa permanência para idosos (ILPI) pode ser notada por outro número divulgado pelo IPEA: atualmente, 71% dos municípios não possuem uma ILPI, seja ela pública, privada, mista ou filantrópica, o que, segundo especialistas, pode gerar situações graves para os idosos. Nesse caso, eles são abrigados em hospitais (muitos filantrópicos, o que gera custos altos para a saúde – um idoso numa ILPI custa em média R$ 700 por mês, contra R$ 1,4 mil no hospital), ou vão para as ruas.

A promotora de Justiça do Ministério Público Estadual Rosana Bevervanço, responsável pela área de defesa dos direitos do idoso, lembra que a ausência de ILPI nos municípios é mais grave do que parece e pode levar ao isolamento e à morte do idoso. "Isso significa que uma pessoa que nasceu, se criou e morou a vida inteira em um lugar de repente é exportada para outro, totalmente estranho. Ela simplesmente perde a sua identidade afetiva e seus laços familiares".

O estudo afirma que as ILPI são "parte da infraestrutura básica de qualquer cidade", tanto as pequenas quanto as médias e grandes, mas o desafio ainda é grande, principalmente nos pequenos municípios, como os com menos de 5 mil habitantes, onde estão localizadas apenas 3% das instituições brasileiras.

Regiões

O levantamento também apontou que há enormes discrepâncias entre as regiões no que se refere ao número de ILPI. Na Região Sudeste, que concentra 51% da população idosa do país, estão 63% das instituições, enquanto que no Nordeste, onde estão 24% dos idosos brasileiros, elas são apenas 8,5% do total. O sul do país, que abriga 14% dos idosos brasileiros, vem em segundo lugar no ranking das regiões com maior número de ILPI: 19,5% do total.

Em um país com 20 milhões de pessoas acima dos 60 anos, a presença do Estado que cuida e ampara o idoso que não tem a quem recorrer ainda é ínfima. A constatação é de um estudo publicado na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) sobre o perfil das instituições de longa permanência para idosos (as ILPI, como são chamados os antigos asilos) no Brasil: hoje, apenas 6,6% desses espaços são mantidos total ou parcialmente com recursos públicos.O resultado da falta de políticas públicas na área é conhecido: o idoso que não tem família nem autonomia precisa recorrer às instituições filantrópicas, que já correspondem a 65,2% do total de ILPI. Embora tradicionais e reconhecidas pela assistência social que prestam à terceira idade, tais instituições, leigas ou religiosas, passam por dificuldades cada vez maiores, e também não são muito lembradas pelo Estado: apenas 20% de sua verba vêm dos cofres públicos.

O governo federal reconhece a deficiência, mas afirma que a prioridade é investir em formas alternativas de abrigamento, como os centros-dia (quando o idoso passa o dia na instituição e volta para casa à noite), além de conscientizar a população sobre a importância da convivência familiar. O estudo, no entanto, é mais realista, e explica que as mudanças demográficas ocorridas nas últimas cinco décadas tornam o cenário mais complexo.

De acordo com a pesquisa, com a queda na taxa de mortalidade, já é possível registrar um aumento não só da população idosa, mas da "muito idosa", acima dos 85 anos, faixa etária onde a autonomia diminui e os problemas de saúde aumentam. Ao mesmo tempo, a queda na taxa de natalidade e a inserção da mulher no mercado de trabalho geram famílias com poucos filhos e a dúvida sobre quem irá cuidar dos idosos. O estudo lembra que a figura da mulher que trabalha em casa e cuida das pessoas mais velhas da família tende a desaparecer.

"Sempre irão existir idosos totalmente dependentes, com carência de renda, que não constituíram família ou vivem uma situação familiar conflituosa, e que precisarão de abrigo e cuidados não familiares", diz a pesquisa, que aponta o preconceito em relação às ILPI, vistas como "depósitos de idosos", como o fator que impede a criação de novas unidades e que está arraigado até na legislação brasileira, que dá pouca atenção a esses espaços – caso da Constituição de 1988 e do Estatuto do Idoso, que afirmam ser o Estado o responsável pelo idoso na ausência da família, mas que ainda possuem reservas quanto às ILPI. "Essa legislação é resultado dos valores e dos preconceitos dominantes quanto ao cuidado institucional, e os reforça".

Dificuldades

Mesmo assumindo uma função que é do Estado – há 218 ILPI públicas ou mistas contra 700 instituições vicentinas no país, por exemplo –, as filantrópicas ainda não recebem a ajuda necessária do poder público – apenas 20% da verba de que dispõem vêm do Estado. No Paraná, a situação é semelhante, de acordo com estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), em parceria com o próprio Ipea: apenas nove instituições paranaenses são públicas, o que corresponde a 3,9% das 229 ILPI do estado.

"Elas estão morrendo ou à míngua, vivem à custa de doações, bingos e festas beneficentes. Já que o Estado não assume o papel de proteção, deveria ao menos ajudar quem faz isso por ele, mas não é o que acontece", diz o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (Cedi), José Araújo da Silva, que acompanha a situação das ILPI em Curitiba e região metropolitana. "As dificuldades são cada vez maiores. E se elas acabarem, quem irá receber esses idosos? O governo fala muito em crianças, em assistência à gestante. Isso é bom, mas e o outro lado? Logo haverá mais gente se tornando idosa do que nascendo, então, algo precisa ser feito".

"Eu me sinto abandonada"

A história do abrigamento de idosos no Brasil, como mostram os números e uma visita a qualquer instituição filantrópica séria, pode ser resumida da seguinte forma: na ausência do Estado, é preciso recorrer à caridade. As próprias instituições nasceram para suprir essa ausência, mas, quando foi criada a mais tradicional ILPI do estado, por exemplo – o asilo São Vicente, no Juvevê, há 85 anos –, o país vivia outra realidade demográfica e a preocupação era menor. Hoje, o país tem 20 milhões de idosos e a taxa de fecundidade é de 1,8 filho por mulher o que demanda mais atenção por parte de quem elabora políticas públicas.

Um exemplo do risco que o país corre ao não investir em novas ILPI, mantidas com recursos públicos, é a fragilidade em que vivem as instituições filantrópicas que tomaram o seu lugar. Segundo o Ipea, só 12,6% da renda dessas ILPI vem de recursos próprios. A maioria, 47%, advém de contribuições dos residentes, geralmente 70% da aposentadoria (porcentagem estabelecida pelo Estatuto do Idoso), ou de doações, que não são certas. "Todo mês é uma ginástica para pagar as contas. O governo cobra, multa se algo está fora do lugar, mas não me ajuda. Eu me sinto abandonada", diz a administradora do Lar de Idosos Adelaide, em São José dos Pinhais, Adelaide Izidro Lino.

Sem ajuda de órgãos públicos, o lar, que atende idosos com transtornos mentais, tem dificuldades para fechar as contas. Dos 45 residentes, 90% foram abandonados pela família e não têm como contribuir. Adelaide não consegue terminar re­for­­mas exigidas pela prefeitura e pela Vigilância Sani­tária. Os 17 funcionários são pagos com dinheiro de doações e as compras são feitas nos mesmos estabelecimentos, "para que eu não me perca nas contas", diz Adelaide.

Atualmente, o maior medo é ter de mandar algum idoso embora. "Como vou olhar pra eles e escolher quem vai ter de sair? E quem vai aceitá-los, se a própria família não aceitou?", questiona Adelaide. Ela espera que os governos, "todos eles", olhem os idosos com carinho. "Ninguém sabe como é difícil dormir pensando como vai ser o amanhã, trabalhando hoje para garantir a comida de hoje".

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