Carroças, densa floresta de pinheiros, estradas de terra precárias, vida simples e de muito trabalho. O tempo parou no interior de Irati, Região Centro-Sul do Paraná. Na véspera de completar 100 anos de emancipação política, a cidade ainda guarda distritos que parecem viver como antigamente, época dos primeiros colonizadores e desbravadores. Terras marcadas pela pequena propriedade, onde os camponeses estão abandonando outras culturas, em busca da sobrevivência nas árduas plantações de fumo.

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De Irati até o distrito de Itapará são 40 quilômetros de estrada ruim e terreno acidentado. Encostado na Serra da Esperança, o pacato vilarejo de 150 habitantes esconde bonitas paisagens junto a retratos do cotidiano rural. Na casa de Bernadete Gaioca, 40 anos, a arquitetura antiga de madeira e o indispensável fogão a lenha fazem parte desse cenário do século passado. Enquanto Bernadete ajuda sua irmã na feitura do sabão caseiro, os outros irmãos passam o dia na roça colhendo fumo. "Para limpar a roupa da lavoura, sabão comprado não adianta. Tem que fazer sabão bom!", diz ela.

A região de Irati é a maior produtora de fumo do estado. A cultura tem se tornado uma nova opção para o pequeno agricultor, desanimado com o baixo valor de mercado de produtos tradicionais como soja, milho e feijão. As agroindústrias fumageiras são responsáveis pelo fornecimento dos insumos utilizados na produção e pela assistência técnica ao produtor, além de darem crédito para a construção das estufas de secagem. O fumo é um dos poucos produtos agrícolas que tem seu preço negociável entre plantadores e indústria, não sendo refém das famosas commodities e seu preços atrelados à bolsa de valores. "Estão pagando R$ 5,81 pelo quilo da folha seca", conta Joanim Berger, que trabalha na colheita do fumo junto com sua esposa, próximo a vila de Gonçalves Júnior, a 15 quilômetros de Irati.

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Apesar das vantagens para o pequeno proprietário, o cultivo do tabaco exige muita mão-de-obra, onde é comum ver famílias inteiras e até crianças trabalhando na época da colheita. "Minha filha parou de ajudar na roça porque começaram as aulas na escola", conta Joanim. O maior problema dessa cultura é o uso abusivo de agrotóxicos que freqüentemente causam graves danos à saúde dos plantadores, ocorrendo muitas vezes suicídios por depressão. "Os venenos são fornecidos pelas empresas que compram o fumo. Antigamente passávamos o produto a cada oito dias. Muita gente ficava doente. Agora aplicamos apenas na raiz da planta", explica o lavrador, ajudando sua mulher a carregar os fardos colhidos até a carroça.

A maioria dos produtores vende o fumo seco artificialmente em estufas para as grandes indústrias de cigarro ou para empresas de exportação. Aqueles que trabalham com secagem natural, em galpões abertos, destinam as folhas para a feitura do fumo-de-corda, conhecido também como fumo-de-rolo, ingrediente fundamental para o caipiríssimo cigarro-de-palha. "Gosto do palheiro porque posso apagar a qualquer hora e assim acabo fumando menos", conta o produtor Marco Aurélio Jacob. No interior de Cruz Machado, Roberto Dalma produz o fumo-de-corda de maneira totalmente artesanal. "Seleciono as folhas de acordo com o tamanho, textura e corte. Coloco-as sob varas de bambu e deixo secando por até 20 dias no sol. Depois elas passam pelo processo de destala, onde retiro a nervura principal das folhas. Agrupadas de três em três, formam as bonecas que são enroladas unidas compondo a corda", explica. A cura da corda pode demorar até 90 dias, antes de ser picada com canivete e carinhosamente enrolada na palha de milho.

Carroça de sinistros

Essencial para o transporte do tabaco, a carroça é o veículo oficial dos moradores da região rural de Irati. Numa cabana à margem da BR-277, o carpinteiro Pedro Pires sabe que seu trabalho tem um futuro no mínimo incerto. Ele só conserta carroças! "O problema mais comum é a roda quebrada. Cobro 40 reais para arrumar". Por causa da dificuldade em conseguir madeira de lei, seu Pires reclama da falta de serviço e da pouca estrutura de sua oficina. "Gostaria de construir uma carroça inteira, mas não tenho condições". Além de carpinteiro, Pedro Pires trabalha como pedreiro e lavrador na roça de casa. "Planto feijão, milho, cebola. Tenho 56 anos e quando volto da roça, fico muito cansado. Queria investir mais no conserto de carroças. Aqui pelo menos trabalho na sombra".

Mesmo com todas as dificuldades já conhecidas para quem trabalha no campo, o ano que passou foi de terror para os agricultores da Região Centro-Sul do estado. Um fenômeno natural chamado de "seca da taquara", propiciou um aumento fora do normal da população de ratos silvestres. A "ratada" ocorre, em média, a cada 30 anos e é causada pela seca e conseqüente florescer da taquara-lixa (uma espécie de bambu), que serve de alimento para os roedores. Como se proliferam de forma rápida, o sumiço do alimento em poucos meses faz com que os ratos invadam casas e plantações, além de transmitirem doenças como a hantavirose. "Foi terrível. Perdi praticamente boa parte do plantio de milho. Os ratos chegaram a atacar até os gansos aqui de casa", conta Mario Leuch, da colônia Cadiadinho, em Irati.

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Entre vilarejos perdidos no tempo, marcados pelas plantações de fumo e invasões de ratos silvestres, surge uma mansão abandonada de aparência fantasmagórica, perto da divisa de Irati com Fernandes Pinheiro. Construído totalmente em madeira, o casarão foge completamente dos modelos usuais no Paraná, assemelhando-se às mansões anglo-americanas do início do século XX. São dois pavimentos com arquitetura baseada num rigor simétrico de composição, empregando colunas jônicas no imponente pórtico, em meio a uma ampla área ajardinada. Atualmente propriedade do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), o imóvel se encontra abandonado, a mercê do tempo que aos poucos vai corroendo suas características tão peculiares. "A mansão pertenceu por muito tempo à família de Alberico Xavier de Miranda. O Iapar acabou comprando-a mais tarde, transformando na residência oficial do chefe do Instituto. Quando ele morreu, ninguém mais quis assumir a residência. Ficou com fama de amaldiçoada", conta o vizinho do imóvel Daniel Zambão.

Abandonada e condenada, a casa simboliza um passado paralisado, latente no interior de Irati, mas vivo e presente como nunca na vida de seus habitantes. Paraná de um tempo difícil de se encontrar e que não volta nunca mais.