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Invasão de prédio por grupo de esquerda impede Cohab de implementar moradias populares
Prédio de 14 andares no bairro Bela Vista, em São Paulo, foi invadido em 2016 pelo MSTC e permanece irregularmente sob o comando do grupo| Foto: Reprodução Google Street View

Há pouco mais de cinco anos, um prédio de 14 andares no bairro Bela Vista, região central de São Paulo, foi invadido por membros do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). Desde então, o imóvel, que passou a ser chamado “Ocupação 9 de Julho”, tornou-se um polo de inúmeros eventos políticos e encontros de ativistas de esquerda.

Cerca de 120 famílias moram no local mediante o pagamento mensal de taxas ao MSTC, o que já levou lideranças do movimento a serem presos por extorsão e associação criminosa. Mas além do pagamento e da obediência às regras do grupo, uma das condições para os moradores terem direito a uma vaga no prédio invadido é se envolver no ativismo político. A ocupação é mantida em parceria com ONGs e movimentos sociais – um deles é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O imóvel, que já abrigou o INSS, ficou vazio por alguns anos e foi alvo de diversas tentativas de invasão, até que em 2016 o MSTC, que possui sólido assessoramento jurídico, conseguiu se instalar no local. Em um longo processo judicial, o INSS tentou, sem sucesso, a reintegração de posse. Em abril de 2019, o edifício passou a ser propriedade do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo (Iprem) a título de quitação de débitos do órgão federal.

Como previsto na lei municipal que autorizou a cessão, atualmente o imóvel está em fase de transferência para a Prefeitura da capital paulista e será usado pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) para a criação de unidades habitacionais de interesse social (HIS) destinadas a famílias de baixa renda.

No entanto, como informado pela Prefeitura de São Paulo à Gazeta do Povo, a ocupação irregular tem atrasado esse processo e inviabilizado a pronta destinação do edifício para moradia popular. Decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, de exigir que os despejos de propriedades invadidas sejam negociados com os invasores, dificulta ainda mais as possibilidades de reintegração de posse do edifício.

Na prática, apesar de os líderes do movimento costumarem enfatizar um caráter social em suas atividades, a insistência em manter a invasão está impedindo que mais famílias de baixa renda tenham acesso a imóveis regularizados em seus nomes e sem assédio ideológico. Vale destacar que, caso a Cohab assuma o edifício, o MSTC não poderá mais usar o local como núcleo político, o que pode explicar a discordância em deixar o prédio.

Com apoio de ativistas de renome, prédio invadido é frequentado pela elite paulista

Desde a entrada, as paredes do prédio contam com faixas e inscrições de movimentos sociais e partidos e líderes políticos. Nestas eleições, aliás, a Ocupação 9 de Julho tornou-se um polo de encontro de apoiadores do candidato Lula (PT), e a cúpula do movimento, que mantém relacionamento próximo com o petista, engajou-se com unhas e dentes na campanha do presidente eleito.

Semanalmente o local recebe debates, mostras artísticas e exposições de filmes e documentários, quase que integralmente voltados à temática política, além de apresentações de cantores e grupos musicais também em maioria dedicados ao ativismo. Outros eventos, como a Feira Esquerda Livre, também já foram realizados no edifício invadido e atraem milhares de participantes.

Apesar de ser irregular, a ocupação conta com o apoio de nomes de peso da esquerda, como Paolla Carosella, Gregorio Duvivier e João Gordo. Em 2019, o ex-senador Eduardo Suplicy, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, comemorou seu aniversário no local.

Mas além de dispor gratuitamente de um amplo espaço para manifestações ideológicas no centro de São Paulo, a ocupação também é uma boa fonte de receita para o movimento. Grande parte do público que frequenta os eventos integra as classes média e alta. Todos os domingos há um almoço sob o mote “comida para alimentar a luta” no qual são comercializadas até mil refeições ao custo de R$ 40 cada. Na hipótese de todas serem vendidas, o faturamento semanal seria de R$ 40 mil apenas com as refeições.

Apesar da alegada proposta de inclusão social, os almoços não têm a população pobre como público alvo. Uma garrafa de 600 ml de cerveja com o rótulo do MSTC não sai menos do que R$ 24, enquanto um copo de chá custa R$ 10, e as caipirinhas, R$ 20. Nos eventos também há outras fontes de arrecadação, como o comércio de roupas, artesanatos e acessórios, majoritariamente com temas políticos.

 <em>Loja do MSTC tem quadro religioso riscado e faixa de Dilma Rousseff (Reprodução)</em>
Loja do MSTC tem quadro religioso riscado e faixa de Dilma Rousseff (Reprodução)

Taxas mensais e coerção política motivaram denúncias por extorsão

Apesar das diversas fontes de arrecadação que o movimento possui ao utilizar o espaço invadido, a cobrança mensal de taxas é a mais polêmica e já levou lideranças do grupo à prisão. Todos os moradores devem pagar uma mensalidade ao MSTC para residirem na ocupação. A reportagem contatou o movimento para saber mais sobre os valores cobrados e para quais finalidades são destinados, mas não houve retorno.

Com base em reportagens publicadas nos anos de 2019 e 2020 por veículos que apoiam o grupo, as cobranças mensais seriam de R$ 220 por família. Considerando que os valores não tenham sido reajustados, ao multiplicar a taxa mensal pelo número de famílias que lá residem, haveria uma entrada de mais de, no mínimo, R$ 26 mil por mês para o grupo somente com esse tipo de arrecadação.

Segundo declarações de membros do MSTC nas reportagens mencionadas, o dinheiro é empregado na manutenção do prédio – reformas, gastos com segurança e manutenção dos espaços coletivos e culturais. Vale destacar que além desta invasão, o movimento mantém outros quatro imóveis ocupados e mantém a mesma política de cobranças mensais.

Foram essas cobranças que levaram nove militantes do MSTC a serem denunciados pelo Ministério Público pelos crimes de extorsão e associação criminosa em 2019. Segundo as denúncias, as famílias que não conseguiam pagar as mensalidades eram alvo de ameaças, agressões físicas e despejo. Também houve relatos de que moradores eram obrigados a participar de manifestações políticas em prol do Partido dos Trabalhadores.

Como mostrado recentemente pela Gazeta do Povo, há denúncias de métodos semelhantes, de represálias e de coerção para ativismo político, praticado por lideranças do MST.

Denunciados por extorsão, líderes da invasão integram gabinete do governo Lula

As denúncias alcançaram a principal líder do MSTC, Carmen Silva, e dois de seus filhos. Bastante próxima a Lula, Carmen se manteve filiada ao PT durante 22 anos e deixou o partido neste ano para ingressar no PSB a fim de disputar um cargo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Sem sucesso nas urnas, ela foi convidada a integrar o gabinete de transição do governo Lula no grupo técnico de Cidades, ao lado de Guilherme Boulos (PSOL), um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Sidney Ferreira Silva e Janice Ferreira da Silva, filhos de Carmen, também foram denunciados e chegaram a ficar presos durante três meses, sendo liberados para responderem ao processo em liberdade. Janice, que era apresentadora do “Boletim Lula Livre”, é outra a integrar o gabinete de transição de Lula, na equipe de Igualdade Racial.

Na época das prisões, os denunciados se defenderam dizendo que os valores recolhidos eram destinados à manutenção dos prédios e que as denúncias se tratavam de perseguição política e “criminalização dos movimentos sociais”.

Outro lado

A Gazeta do Povo entrou em contato com o movimento pelos e-mails disponibilizados em seus canais na internet. Foi solicitada uma entrevista e enviada uma lista de perguntas sobre os temas abordados nesta matéria para serem respondidas caso não desejassem conceder entrevista. Até o fechamento desta reportagem, o MSTC não havia retornado às tentativas de contato.

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