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"No Brasil, há a percepção equivocada de que direitos humanos e segurança pública são conflitantes." A avaliação é da advogada Maria Laura Canineu, diretora do escritório brasileiro da Human Rights Watch (HRW), organização de defesa dos direitos humanos com presença em mais de 90 países. Em julho, a HRW enviou uma carta ao Congresso Nacional e à Presidência da República denunciando a prática de tortura por policiais. A entidade apurou 64 casos de abusos cometidos por mais de 150 agentes. As torturas sofridas pelos quatro acusados pelo assassinato da adolescente Tayná Adriane da Silva, em 2013, em Colombo, foram destacadas no relatório. Confira os principais trechos da entrevista à Gazeta do Povo:

Como a HRW avalia o respeito e a violação dos direitos humanos no Brasil?

No plano doméstico, o Brasil continua a enfrentar sérios desafios. A violência policial, o uso da tortura, as execuções extrajudiciais, a superlotação carcerária e a impunidade para os crimes cometidos por agentes do Estado são temas de grande preocupação. Apesar de todos esses problemas graves, percebemos o reconhecimento social de que algo precisa ser feito. Algumas autoridades adotaram medidas importantes para enfrentar esses problemas. Para impedir falsos socorros por policiais envolvidos em execuções extrajudiciais, o estado de São Paulo, por exemplo, editou no início de 2013 uma resolução determinando que policiais envolvidos em confrontos não podem remover os corpos de vítimas das cenas de crimes sem antes acionar o serviço de emergência. Nos meses seguintes, mortes em decorrência de intervenção policial caíram 34%.

A sociedade brasileira é conservadora em relação aos direitos humanos, às violações e à impunidade?

O que temos identificado em nosso trabalho é que, no Brasil, é comum encontrar a percepção equivocada de que direitos humanos e segurança pública são prioridades conflitantes. Alguns acreditam que investigar e processar abusos cometidos por agentes do Estado enfraqueceria aqueles que implementam as leis e fortaleceria os grupos criminosos. Não entendemos assim. A plena responsabilização fortalece a segurança, valoriza a grande maioria dos profissionais e leva os policiais a cumprirem seu trabalho de maneira mais eficaz.

Sabe-se que muitos inquéritos contra policiais são arquivados e denúncias não são investigadas. Por que o número de inquéritos e de condenações é tão reduzido?

No Brasil, grande parte das prisões é efetuada em flagrante e muitos presos esperam três meses ou mais para serem conduzidos à presença de um juiz, para quem poderiam denunciar eventuais abusos sofridos, tornando a comprovação da materialidade do delito muito mais difícil. Isso porque o Código de Processo Penal prevê que somente os autos da prisão em flagrante (mas não o próprio preso) devem ser apresentados a um juiz no prazo de 24 horas. Há ainda obstáculos nas investigações.

Qual é a posição da HRW sobre a desmilitarização da polícia?

A desmilitarização da polícia não é um tema simples. Acredito que falar em desmilitarização coloca uma carga muito pesada sobre a Polícia Militar, como se ela fosse a única responsável por todas as mazelas da segurança pública no país. Existem diversas debilidades na interação entre Executivo, Judiciário e Ministério Público que, constitucionalmente, deve exercer o controle externo da atividade policial. A desmilitarização por si é um processo amplo, envolvendo inclusive uma alteração constitucional. A HRW advoga por uma polícia cidadã, responsável e responsiva em relação aos direitos fundamentais dos brasileiros.

Em julho, a ONU divulgou um informe preliminar denunciando a superlotação das prisões brasileiras. É possível reverter esse cenário?

Para reverter a superlotação carcerária, é preciso investir em um sistema de Justiça mais eficiente para garantir que o direito de julgamento célere seja respeitado. Juízes devem rever regularmente a legalidade e a necessidade da manutenção das prisões e monitorar individualmente o cumprimento das sentenças penais por parte dos presos. Para reduzir de forma imediata os níveis de superlotação, existem os mutirões carcerários. Em relação à violência no sistema prisional, as prisões devem ser geridas pelos agentes do Estado, não pelos próprios detentos. Além disso, as autoridades devem garantir a efetiva separação de presos provisórios e condenados.

As manifestações que tomaram conta do país a partir de junho de 2013 revelaram a violência policial e, por outro lado, o vandalismo cometido por manifestantes. Como a HRW avalia esse momento?

Em vários incidentes, desde o início da onda de protestos e manifestações no país, policiais usaram gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha contra manifestantes e profissionais da imprensa de forma desproporcional e indiscriminada. Prisões também foram utilizadas em muitas ocasiões de forma arbitrária. A HRW entende que manifestantes que cometeram atos de violência e vandalismo durante os protestos devem ser responsabilizados na forma da lei. Entretanto, isso também deve valer para policiais que usaram a força de forma excessiva, forjaram provas e acusaram manifestantes de crimes que sabem não terem cometido.

A liberdade de expressão ainda gera controvérsia no Brasil. O que a imprensa nos diz sobre um país?

Além da morte de seis jornalistas em 2013, também documentamos o fato de que dezenas de jornalistas que cobriram as manifestações foram feridos ou detidos pela polícia. Esses dados provavelmente contribuíram para a colocação do Brasil em 110.º lugar no índice mundial de liberdade de imprensa de 2014 da organização Repórteres Sem Fronteiras. O caminho é lembrar que a presença de jornalistas nos protestos é essencial para garantir a liberdade de expressão e informação e que a polícia deve adotar medidas efetivas para impedir que sejam feridos no exercício de sua profissão.

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