Guia do Povo

Jornal polonês Lud sofreu perseguições, ameaça de fusões, mas resistiu até os anos 1990, quando não encontrava mais leitores.

1863 – O polonês Jerônimo Durski se muda com a família para a Lapa, no Paraná.

1871 – Início da imigração polonesa no estado, com a fixação de 32 famílias no hoje bairro do Pilarzinho.

1890 – Fundação da primeira organização polonesa de Curitiba, a Sociedade Tadeu Kosciuszko.

1892 – Karol Szulc funda a Gazeta Polska w Brazylii.

1905 – Jornal progressista e anticlerical Polak w Brazylii surge com edições semanais.

1920 – O Polak w Brazylii é assumido pelos missionários vicentinos e ressurge, em 2 de outubro, com o nome Lud (povo). Na ocasião, o Paraná teria 60 mil poloneses. Nova linha editorial é contrária ao Polak, e afirma independência ideológica.

1929 – Início da publicação do semanário católico Polska Prawda w Brazylii (a verdade polonesa no Brasil). Circula até 1941.

1930 – Lud passa a ser publicado duas vezes por semana, e assim prossegue até 1940. Tiragem chega a 4 mil exemplares, 25 mil leitores.

1933 – Começa a circular o Kalendarz Ludu (Almanaque do Lud) – à maneira dos demais almanaques brasileiros, com curiosidades, humor, fases da lua, orações, informações ligeiras. A publicação vai até 1973.

1940-1946 – Os redatores padre João Palka e Henrique Zerek são chamados à Delegacia de Ordem Política e Social. Perseguição do governo Vargas a grupos de imigração, iniciada em 1938, leva direção do Lud a interromper circulação.

1947 – Lud reinicia suas atividades, em novo formato gráfico e bilíngue. Jornal chega a ter 3,6 mil assinantes.

1989 – Lud ganha nova reformulação, passando a se chamar Nowy Lud, sob direção do padre Jorge Morkis, Miecislau Surek e Paulo Filipak.

1999 – Novamente com o nome Lud, jornal deixa de circular. De acordo com o editor, padre Jorge Morkis, o trabalho perdeu o interesse entre os vicentinos, havia poucos leitores jovens, apesar da comunidade polonesa ter próximo de 850 mil pessoas no Paraná. Em paralelo, processo movido por um político citado no jornal teria inviabilizado sua continuidade.

Fonte: Site da revista Polonicus. Anuário Vicentino de 1978.

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Folheando

Páginas do Lud dão acesso a intimidade da comunidade polonesa

As edições do jornal Lud têm um anjo da guarda. Chama-se padre Lourenço Biernaski, 84 anos. Desde a década de 1980, o missionário vicentino cuida do acervo, assim como das fotografias, livros e objetos de museu que formam um imenso arquivo da imigração polonesa, dividido em três salas do convento da Rua Jaime Reis, 531.

Além da coleção, chama atenção a galeria de retratos, com homenagens aos editores do Lud. Estão ali fotos dos padres José Góral (1920-1921), Estanislau Piasecki (1921-1928); João Palka (1929-1940; 1946-1953), Sigismundo Piotrowski (1954-1955), Adalberto Sojka (1956-1957), Zenon Jezierski (1957-1960). Eram sacerdotes de saber notável – a exemplo de Góral, autor do primeiro dicionário polono-portuguès –, atestando que os vicentinos escolhiam os diretores do jornal nos seus melhores quadros.

Folhear os primeiros números do Lud, a partir da década de 1920, é se deparar com a intimidade da comunidade polonesa. Tinha quatro páginas, era então quinzenal, e trazia classificados do médico Miroslaw Szelgowski e anúncios da "Fabrika Obuwia" e da "Alfaiataria Jana Faucza", entre tantos. A publicidade mostra que a imigração – iniciada nos anos 1860 – já tinha formado uma geração de comerciantes eslavos bem-sucedidos. Seus filhos e os dos demais leitores do Lud ainda falavam polonês, prática que entra em declínio a partir de 1938, quando a ditadura Vargas proíbe o uso da língua estrangeira em escolas e em publicações. Mesmo tendo se tornado bilíngue, o jornal teve ali seu destino selado. (JCF)

Padre Biernaski no arquivo onde está o Lud: mais pesquisadores poloneses do que brasileiros
Ulisses Iarochinski, pesquisador
Foto com os leitores do Lud, numa das colônias da região

O convento dos missionários vicentinos – no Alto São Francisco – guarda um tesouro em vias de ser descoberto. Numa das salas aos quais os padres chamam de "arquivo polônico" repousam, com raras visitas, as 4.423 edições do Lud – "povo", em polonês – jornal que por 73 anos (1920-1940; 1946- 1999) circulou na comunidade eslava de Curitiba e região.

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Era editado em polaco. Tinha anúncios. Assinantes, inclusive em países como os Estados Unidos e Argentina. Estava longe de ser um periódico paroquiano, embora também se dedicasse à piedade. Tratava de agricultura, política internacional, cultura. Mantinha correspondentes. Nos melhores tempos, teria atingido 25 mil leitores – quase que a metade do seu público alvo – influenciando a rotina das colônias rurais polonesas, como o Pilarzinho, para citar uma.

Detalhe

Pode-se argumentar que o Lud se resume a um entre tantos jornais da época escritos para estrangeiros, a chamada "imprensa de imigração". A diferença é que durou mais, pois foi bancado por uma congregação religiosa, imune às tormentas do livro-caixa. Ainda não há um levantamento confiável, mas entre meados do século 19 e os anos 1930, teriam chegado a circular no Paraná 60 jornais em polonês, três deles com diablik (diabo) no nome, o que sugere algum humor de pasquim. Some-se à lista periódicos alemães, como o Illustriertes Unterhaltensblatt e Deutsche Post, e italianos feito o Il Corriere d’Italia.

Rotular o Lud de "mais um" é meia verdade. Tal e qual os demais, o jornal cumpria a tarefa de manter viva a língua materna, informava a comunidade sobre o país de origem e colaborava na formação da nova identidade em terra estranha. Não fosse um detalhe: nas primeiras décadas, o periódico traduzia de alguma forma as tensões internas da comunidade polonesa, às voltas com o movimento que queria fazer do Paraná uma "Nova Polônia", como se dizia. Passada essa fase, sofreu perseguição na era Vargas e ficou seis anos sem circular. Perto de sair de cena, deu voz a Lech Walesa e a João Paulo II. Se o Lud não é documento, nada mais é.

Entraves

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Causa surpresa que com todos esses ingredientes, o veículo não tenha sido investigado com afinco. Os vicentinos e estudiosos de cultura polonesa, como o jornalista Ulisses Iarochinski e o tradutor Mariano Kawka – culpam esse anonimato à dificuldade de acesso ao jornal. Graças aos religiosos, a coleção não está em frangalhos. Mas o acervo é privado, mantido às próprias expensas. Seria preciso um projeto para digitalizar as 35 mil páginas, boa parte em formato standard, tornando-a pública.

Outra condicionante diz respeito à língua: é uma loteria encontrar um brasileiro que domine o polonês, que tenha formação específica e que ao mesmo tempo esteja disposto aos rigores que o estudo de jornais impõe, editoria por editoria. Esse milagre ainda não aconteceu.

Por enquanto, a tarefa tem ficado a cargo de docentes de instituições da Polônia, que vez ou outra pingam nos lambrequins curitibanos. Krzysztof Smolana, da Universidade de Varsóvia, organizou toda a correspondência do Lud, dividindo-a numa dezena de pastas. Kazimierz Waschalowski fez visita de estudos em 2012. Este ano, é a vez de Jerzy Mazurek, autoridade em jornais editados por imigrantes poloneses nos quatro cantos do mundo.

Exército

A presença desses visitantes confirma o interesse que o Lud desperta fora daqui. Resta a contrapartida. Motivos não faltam. "É uma questão de tempo", aposta o tradutor Mariano Kawka. Ulisses Iarochinski – que fez estudos avançados na Universidade Jagiellonski, em Cracóvia – vai mais longe: entende a imprensa de imigração como parte de um movimento internacional em prol do letramento dos poloneses dispersos. É uma tese explosiva.

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"Todas as colônias tinham um padre e uma escola, muitas em horário integral. O conteúdo era repetido em polaco e em português. Era uma gente que foi parar no Santa Cândida com a roupa do corpo. Os intelectuais poloneses, na Europa, se preocupavam com a situação de seus patrícios. Havia um interesse em informá-los e ganhá-los para a questão da Polônia", explica, sobre o país que ficou ocupado de 1795 a 1918.

A fala de Ulisses confirma a estranheza que o Lud provoca. O impresso prova que os imigrantes não tinham instrução tão baixa, como se propala: publicava artigos elaborados ao lado de dicas de plantio; não estava desvinculado dos dilemas da atribulada Polônia; reproduzia as contradições da própria comunidade, dividida entre seguir o clero ou apoiar o Junak, uma espécie de exército secreto de imigrantes em terras brasileiras.

O jornal era apaziguador. Nasceu, inclusive, da compra das oficinas do Polak w Brazylii, periódico de cunho anticlerical, ligado aos imigrantes que sonhavam um território polonês na América do Sul. De preferência na região de Curitiba. Controvérsias não faltam. "Onde tem dois polacos tem três partidos políticos", brinca Iarochinski, no repeteco da velha piada de salão, boa o bastante para desmontar os retratos ingênuos sobre os tempos da colônia.