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Francisco Oliveira, juiz auxiliar: “metas foram bem recebidas, mas cumprimento é dificultado pelo déficit de estrutura” | Walter Alves/Gazeta do Povo
Francisco Oliveira, juiz auxiliar: “metas foram bem recebidas, mas cumprimento é dificultado pelo déficit de estrutura”| Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo

Dificuldades

Ausência de defensoria compromete objetivo

Prevista na Constituição de 1988 e até agora incipiente no estado, a Defensoria Pública é essencial para que o Paraná consiga cumprir as metas propostas pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), em especial a que prevê o julgamento urgente de processos abertos até 2007.

"Atualmente, mais de 80% dos acusados em processos por homicídio doloso não têm advogados constituídos e necessitam de um defensor, mas esses profissionais são poucos. Isso prejudica o andamento da Justiça e usurpa o direito das pessoas mais pobres à ampla defesa ", diz a advogada Priscilla Placha Sá.

Sem defesa

Nos casos em que a pessoa não pode pagar por um advogado, cabe ao juiz nomear um defensor, mas a inexistência de uma defensoria atuante e bem estruturada atrasa esse processo. Faltam advogados e, por isso, os suspeitos podem passar meses e até anos em delegacias –- ou então serem postos em liberdade por excesso de prazo.

Embora o órgão tenha sido criado por projeto de lei em 2010, e já esteja em funcionamento com 10 defensores, ainda não foi sequer aberto edital para a realização de concurso e contratação de outros 197. O número não chega à metade do considerado ideal, que hoje é de 500 servidores.

De todas as ações de homicídio doloso (com intenção de matar) pendentes no Brasil até o ano de 2007 – foram 35.805 casos –, apenas 6,47% chegaram a ser julgadas. Os números, revelados em um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de dados de tribunais de Justiça de todo o país, indicam que, na imensa maioria dos casos, as famílias das vítimas aguardam até hoje por um posicionamento da Justiça.

Com tais índices, os tribunais não conseguiram cumprir a chamada Meta 4, estabelecida pelo CNJ junto aos órgãos de segurança pública – polícias, Ministério Público e tribunais – para zerar o número de processos que ainda não foram a julgamento. A meta foi lançada em maio do ano passado e faz parte da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) para frear a impunidade em casos de crime contra a vida. O prazo vai até junho deste ano, mas há pouca esperança de que o objetivo seja cumprido.Outra meta que não foi alcançada é a de número 3, cuja finalidade é fazer com que os processos abertos até 2008 alcancem ou superem a fase de pronúncia – quando o juiz está com os autos e determina se o acusado será ou não julgado pelo Tribunal do Júri (pela sociedade, não por um juiz sozinho) por ter havido crime doloso contra a vida. Das 79.471 ações desse tipo, apenas 6,43% foram pronunciadas.

No Paraná, a situação é semelhante. O Tribunal de Justiça do estado (TJ-PR) conseguiu levar a julgamento popular apenas 103 de 2.044 ações que estavam pendentes em dezembro de 2007, apresentando um índice de cumprimento da Meta 4 de apenas 5%, um pouco abaixo da média nacional. Em relação à Meta 3, a taxa de cumprimento foi praticamente inexpressiva: 75 das 1.908 ações abertas até 2008, ou 3,93%, chegaram às mãos dos juízes.

Recursos humanos

Numa tentativa de explicar o fracasso no cumprimento das metas e propor soluções para aumentar a efetividade da Justiça, os órgãos esbarram sempre no mesmo obstáculo: a falta de recursos humanos, que acomete tanto a polícia – na área investigativa ou científica – quanto o Ministério Público e o Judiciário.

"A população cresceu e o número de crimes aumentou. Por outro lado, há um déficit policial de quase 10 mil homens no estado. O número de juízes não aumenta há 20 anos e não há defensoria pública", critica a professora de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Priscilla Placha Sá, membro da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR).

Sem investimento, não é razoável culpar os órgãos pela demora, considera o professor e advogado criminalista Daniel Laufer. "O Judiciário está totalmente desaparelhado. Estabelecer metas é importante, mas é preciso haver condições para que sejam cumpridas".

Com a demora na conclusão dos processos, que devem se somar aos dos anos seguintes, o receio é de que a sensação de impunidade ajude a aumentar ainda mais o resultado dessa conta. "Homicídios não são os crimes que mais ocorrem, como furto e roubo, mas a repercussão é maior, assim como o sentimento de revolta quando não há prestação de contas à família das vítimas", diz Priscilla. "E se o autor vê que sairá impune, ele cometerá o crime novamente".

Tribunal de Justiça fará mutirão do júri

Numa tentativa de aumentar os índices inexpressivos de cumprimento da Meta 4, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) deve realizar uma Semana de Mutirão do Júri entre os dias 23 e 27 de abril deste ano em todas as comarcas do estado. Com isso, o órgão pretende zerar as 1.941 ações abertas até 2007 que ainda aguardam julgamento pelo Tribunal do Júri.

De acordo com o juiz auxiliar Francisco Cardozo Oliveira, a explicação para o baixo cumprimento das metas se deve ao pouco tempo que os tribunais tiveram para colocar as estratégias em prática. Ele afirma que de maio de 2011 (quando as metas foram lançadas) a novembro o tribunal concentrou esforços na proposta de criação do mutirão, e, somente depois desse período, nas metas propriamente ditas.

O juiz afirma que as metas foram bem recebidas pelos juízes, mas que há dificuldades em cumpri-las por causa do déficit de estrutura física e de pessoal por que passam tribunais de todo o país. "Em algumas cidades faltam juízes, ou então não há locais para a realização do júri, e temos de contar com a ajuda de escolas e universidades, por exemplo. Também faltam computadores e estrutura de informática".

Esperança

Após o mutirão, Oliveira acredita que o estado conseguirá zerar os processos não julgados e cumprirá a meta no prazo estabelecido, junho de 2012. Ele afirma, no entanto, que é preciso observar com cautela a imposição de metas, para que o clamor por maior rapidez não prejudique o direito dos acusados à ampla defesa. "Os juízes têm feito um exame crítico e estão cientes de sua responsabilidade, mas é preciso cautela", diz.

Mais do que focar na produtividade, o magistrado afirma que a campanha deve servir para sensibilizar o Judiciário e a sociedade a respeito da valorização da vida e da importância de prevenir novos crimes por meio do combate à impunidade. "Mais importante do que cumprir as metas e chegar ao objetivo é o que se aprendeu durante o processo e a mensagem passada", avalia.

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