Chega ao fim a agonia do pastor dos excluídos. Aos 64 anos, toda a vida dedicada à missão tão inglória - a proteção ao pessoal da rua -, padre Júlio Renato Lancellotti resgata a paz que roga aos outros e agora se vê livre das ameaças morais que escreveram uma página infeliz de sua história.

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Na semana passada saiu publicado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo mantendo sentença contra seu algoz, Anderson Marcos Batista - condenado a 7 anos, 3 meses e 3 dias por crime de extorsão, pena também aplicada à companheira dele, Conceição Eletério.

Foi o segundo golpe na honra do padre, em 11 de janeiro de 2011. Naquela manhã, eram 6h30, ele saía de casa, no Belém, quando Anderson o abordou. O rapaz não estava armado e não agrediu fisicamente o religioso, mas intimidou-o e dele exigiu dinheiro. "Vou te matar", avisou. Só se afastou quando padre Lancellotti embarcou em um táxi rumo à Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca.

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Nesse tempo, quase dois anos entre o ataque sofrido e a sentença judicial definitiva, ele manteve em segredo o seu drama. Temia a volta daquele inferno de maledicências e deboches, como na primeira provação, aqui e ali as histórias do missionário da fé que acolheu Anderson com outras intenções e até o sustentou por livre e espontânea vontade. Não fora exatamente assim em 2007, quando o acusado o extorquiu pela primeira vez e a Justiça o inocentou por falta de provas?

Assustado com o novo cerco, este de 2011, Lancellotti recorre ao amigo e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. "Vamos à polícia", orienta o causídico. Amargurado demais com os resultados da primeira investigação, que levou à absolvição de Anderson, o padre relutou. "Fui muito humilhado na delegacia."

Greenhalgh muda a estratégia e leva a demanda à mesa de Antonio Ferreira Pinto, então secretário da Segurança Pública do Estado. Sensibilizado, o chefe da polícia aciona o DHPP, sigla do famoso Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, reduto dos tiras experientes.

Joaquim Dias Alves, delegado perspicaz, foi escalado para conduzir o inquérito. Seu primeiro ato foi uma visita à Rua Irmã Carolina, onde mora o padre. Logo, percebeu que em um prédio próximo havia uma câmera de TV, dessas que registram os movimentos do entorno. As imagens confirmam o relato da vítima - Anderson aborda Lancellotti, faz gestos ameaçadores, a mão direita simula uma arma de fogo.

A investigação revela que os réus eram conhecidos da vítima em razão dos trabalhos de cunho social da Lancellotti. Segundo a polícia, antes da abordagem daquela manhã, Conceição ligou diversas vezes para o padre, solicitando uma "ajuda".

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Foi requerida, e a Justiça ordenou, a prisão preventiva de Anderson, que acabou detido ocasionalmente, em uma briga em um ônibus. A primeira instância forense, 25.ª Vara Criminal da Capital, impôs a Anderson e a sua companheira a pena superior a 7 anos, em regime fechado.

A defesa apelou, pela absolvição, alegando ao Tribunal de Justiça "insuficiência e fragilidade probatórias". Sustentou que não havia indícios das ameaças, como de gravações telefônicas. O Ministério Público recorreu, pleiteando "afastamento da continuidade delitiva e fixação da sanção base acima do limite legal", pelo menos acima de 8 anos de reclusão. Greenhalgh, como assistente da acusação, requereu a condenação de Anderson também por tortura psicológica.

Fim da linha

A corte não atendeu nenhuma parte, mas a condenação acabou mantida nos termos iniciais. "Claras e irrefutáveis a autoria e a materialidade delitivas", assevera o desembargador Antonio Manssur, relator, acompanhado em seu voto por Guilherme Strenger e Maria Tereza do Amaral.

Destacou Manssur: "As negativas de autorias ofertadas pelos réus acabaram isoladas e dissociadas, nos autos, visto que as declarações da vítima e o depoimento da testemunha de acusação Joaquim Dias Alves, delegado de polícia que presidiu as investigações, são coerentes e harmônicos, descrevendo, de forma segura e convincente, sem deixar margem a dúvidas, como ocorreram os fatos, afastada a tese defensiva de absolvição".

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É com alívio que o pregador tomou conhecimento do acórdão. Agora pode retomar com serenidade e sem sobressaltos a jornada na Pastoral de Rua e no Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Na terça-feira (25), às 17 horas, o vigário episcopal para o Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo estará no Arsenal da Esperança, que abriga 1.200 desassistidos. Ele e o cardeal d. Odilo Scherer vão celebrar a missa de Natal para o rebanho sem teto. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.