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Nascido em Curitiba, doutor Francisco tinha laços familiares e afetivos com a Lapa | Arquivo/ Gazeta do Povo
Nascido em Curitiba, doutor Francisco tinha laços familiares e afetivos com a Lapa| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo
  • Quadro de Teodoro de Bona retrata o médico João Cândido, avô do doutor Francisco, no leito de morte do General Carneiro, herói do Cerco da Lapa

A prefeitura da Lapa, na região metropolitana de Curitiba, inaugura hoje, às 10h30, o Largo Francisco Cunha Pereira Filho, em homenagem ao ex-diretor-presidente da GRPcom, do qual faz parte a Gazeta do Povo. Cunha Pereira morreu em 18 de março de 2008, aos 82 anos, e tinha familiares na cidade. O largo será equipado com uma escultura assinada pelo artista plástico Luiz Gagliastri.Francisco Cunha Pereira Filho nasceu em Curitiba – o que pelas normas da língua faz dele um curitibano. Mas sua cidade afetiva era a Lapa, o que pelas normas da cultura local faz dele um paranista. Não se trata de um mero jogo de palavras.

A família de Julinda Ferreira, mãe do doutor Francisco, como ele era conhecido, tinha raízes lapeanas e, via de regra, não as carregou como um acaso na certidão de nascimento. Ser da Lapa tinha um papel definidor para os Ferreira, assim como para tantas outras famílias oriundas do chamado Paraná Tradicional. A Lapa lavrada em cartório implicava ter ganas de democracia, espírito republicano, em defender o Paraná e cultivar a bravura e o civismo.

A esse orgulho de saber-se parte de uma estirpe se somava outro: o do cenário avassalador, pontilhado pelo casario colonial, formando uma paisagem cuja paixão os nascidos na cidade raramente conseguem disfarçar. Na soma de tudo, pode-se dizer que naquelas divisas a beleza explícita não se sobrepõe à memória dos heróis do Cerco que deram a vida no combate às tropas federalistas.

Essa equação pode parecer estranha aos paranaenses alheios à mística em torno da Lapa. Mas nada disso parecia estranho a Cunha Pereira, para quem o simbolismo da cidade era tão natural quanto aprender a cartilha escolar ou papaguear o catecismo. Não causa espanto que ao longo de seus nada menos do que 60 anos de vida pública tenha sido identificado como lapeano – ainda que nascido e criado nas rebarbas do Batel.

Neto predileto

Um dos ingredientes determinantes na formação de "Francisco lapeano" foi seu contato estreito com um dos heróis do Cerco da Lapa – o médico João Cândido Ferreira, de quem era, sem melindres para os demais parentes, o neto predileto.

João Cândido – que dá nome a uma das praças mais importantes de Curitiba, no Alto São Francisco – pode ser apontado como um prodígio das Terras dos Pinheirais no final do século 19. Formou-se em Medicina, no Rio de Janeiro, numa época de poucos recursos e imensas limitações de transporte. Jovem e idealista, aos 24 anos – diploma em punho – deixou a capital federal e voltou para a província, onde, pode-se dizer, teve seu encontro com a História.

Nos dias da Revolução Fede­­ralista, em 1894, quando revoltosos contra o Marechal Floriano massacraram os lapeanos, atendeu os feridos, dentre eles o general Gomes Carneiro. O encontro dos dois ilustres republicanos, décadas depois, foi eternizado numa tela de Theodoro De Bona. Não seria temerário dizer que Francisco encontrou no avô um de seus modelos de juventude. Quando se sentavam um ao lado do outro para dedos de prosa ao pé do rádio – com a "caixa de abelhas" sempre sintonizada na emissora Guairacá –o velho com quem falava de amenidades era o mesmo retratado por De Bona e citado nas escolas onde andou: o Rio Branco, o Santa Maria e a então Universidade do Paraná.

João Cândido morreu em 1948, aos 84 anos. A essa altura, o neto com quem dividia os chiados radiofônicos já tinha dado sinais de que não se contentaria em cultuar os mortos: Cunha Pereira ainda cursava Direito quando tomou a dianteira na Campanha Nacional Educan­­dário da Comu­nidade, que pleiteava escolas noturnas para a população trabalhadora. Um ano depois, formado, daria início à carreira de criminalista, ocupando, a seu modo, um posto notável na vida paranaense.

Havia quem o chamasse de "advogados das causas impossíveis" e há relatos de suas performances no Tribunal do Júri, nas quais a bela figura se aliava à retórica impecável. Esse período – de aparente distanciamento das "tradições lapeanas" – forma um hiato na carreira de Cunha Pereira. Tudo indica que nos 13 anos em que abraçou a advocacia – à frente de seu escritório, o Co-Jurídico, instalado no Centro da cidade – tornou-se uma figura mais cosmopolita e gestou seu próprio modelo de homem público.

Homem de imprensa

A prova disso se dá nos primeiros meses de 1962, quando, em parceria com o também advogado Edmundo Lemanski, arremata a Gazeta do Povo do professor De Plácido e Silva, e encontra um novo tribunal onde discursar: a imprensa.

O jornal, fundado em 1919, afundava em dívidas e assistia, imóvel, ao envelhecimento de seu modelo editorial. Tinha se tornado impressionista, parcial e dado a picuinhas municipais num momento em que periódicos como o Última Hora, Correio da Manhã e o Diário Carioca tinham ensinado a fazer jornalismo à moda norte-americana. Sob a batuta de Francisco, a Gazeta se alinha com o futuro. Mas não se pode dizer que tenha ficado à imagem e semelhança dos demais jornais do país.

Em meados de 1963, com os credores batendo na porta da velha empresa da Praça Carlos Gomes, inicia-se a crise do café – cujo desfecho, em uma década, seria trágico. Francisco reage como um herói da Lapa: põe os poucos recursos do jornal a serviço dos deserdados do campo e esboça, nos editoriais o que seria sua "segunda" campanha depois das escolas noturnas: questiona o modelo econômico do estado, pergunta se o Paraná vai ser eternamente agrícola, ergue a voz quando preciso. Não tem mais parada. Estima-se que daqueles idos até os anos 2000 tenha planejado e colocado em prática a soma impressionante de 30 campanhas.

Faz parte do anedotário de quem trabalha na Gazeta do Povo que reportagens sobre a Lapa exigem cuidado redobrado, sob pena de um pito dos chefes. Lapa era pauta obrigatória para doutor Francisco. De fato, a pequena cidade vizinha figura com frequência nas páginas do jornal a partir de 1962, a era Cunha Pereira. Mas seria ingênuo dizer que essa relação se resume a um capricho bairrista. A do diretor-presidente é sim afetiva e memorial, mas antes de tudo um ponto de partida para pensar o ideário do Paraná grande – na cultura e na economia. Que o largo inaugurado em sua homenagem seja a "lição da vila" para outros paranaenses, lapeanos ou não.

Serviço:

Inauguração do Largo Francisco Cunha Pereira Filho, hoje, às 10h30. Cerimonial terá início no Cine Teatro Imperial (Praça Manoel Ribas, s/nº).

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