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Marcha da maconha em São Paulo, no último fim de semana: juristas avaliam que uma manifestação que pede alteração legislativa não fere a dignidade humana | Mario Palhares/AE
Marcha da maconha em São Paulo, no último fim de semana: juristas avaliam que uma manifestação que pede alteração legislativa não fere a dignidade humana| Foto: Mario Palhares/AE

Troca de nome

Por liberdade, manifestantes deixaram a maconha de lado

Três dias depois do Supremo Tribunal Federal (STF) liberar a marcha da maconha, a manifestação aconteceu em 41 cidades, de 24 estados brasileiros, no dia 18 de junho. O evento, porém, foi chamado de Marcha da Liberdade, inspirado na manifestação realizada em São Paulo, em maio, quando os organizadores trocaram o nome da manifestação após a Justiça ter proibido a manifestação pela descriminalização da maconha.

Em Curitiba, os manifestantes se reuniram na Praça Rui Barbosa. Cerca de 1,8 mil pessoas haviam confirmado a participação pela rede social Facebook e a expectativa da comissão organizadora era da participação de 2,5 mil pessoas. Compareceram, no entanto, cerca de 500 manifestantes.

A Marcha da Liberdade, em todo o país, acabou se tornando um movimento que defende o princípio constitucional da liberdade de expressão e o direito à livre manifestação. Durante quatro anos, a macha da maconha foi censurada pela Justiça. A Marcha da Liberdade, então, acabou surgindo dessa repressão, cresceu e ampliou para diversos movimentos que defendem de alguma forma a liberdade de expressão.

Polêmica

Especialistas divergem quanto à opinião sobre direitos de gays

Os juristas divergem quando o assunto é liberdade para discordar de direitos dos homossexuais. De acordo com o jurista René Ariel Dotti, uma manifestação que pedisse a restrição dos direitos de homossexuais é ilícita. "Nossa Constituição não admite discriminação", afirma. O doutor em Direito das Relações Sociais e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Eduardo Arruda Alvim tem opinião semelhante. "A livre expressão do pensamento não pode ser usada como argumento para liberar marchas que defendam homofobia, racismo, nazismo ou restrição de direitos a homossexuais", diz.

Já o presidente da comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) e professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo entende que uma manifestação pacífica que discutisse restrição dos direitos homossexuais ainda estaria na amplitude da liberdade de expressão. "Ser contra o casamento gay, por exemplo, não implica em impossibilidade de convivência com homossexuais. O racismo é diferente, pois leva o outro a uma condição sub-humana", opina.

A decisão unânime dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em meados de junho, de liberar a realização da Marcha da Maconha, que defende a legalização da droga, levantou a discussão sobre os limites da liberdade de expressão. Os direitos constitucionais de reunião e livre expressão do pensamento foram justamente os argumentos usados pelos ministros do Supremo para autorizar a manifestação. O ministro Ayres Britto chegou a afirmar que "a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade." Até que ponto, porém, pode ser levada a liberdade de expressão? Qualquer tipo de marcha, que defenda qualquer tipo de ideia, é lícita? De acordo com especialistas, a liberdade de expressão experimenta limites quando entra em choque com outros direitos constitucionais. É esse limite que faz com que manifestações que defendam, por exemplo, o nazismo, o racismo e outros preconceitos, sejam consideradas ilícitas. Há uma grande diferença entre defender uma mudança na lei de drogas e pedir alterações que atinjam a dignidade das pessoas.

Para o doutor em Direito das Relações Sociais e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Eduardo Arruda Alvim, a liberdade de expressão é um direito consagrado na Constituição Federal, mas é importante que cautelas sejam tomadas para que não ocorram abusos. "A liberdade de expressão não é um direito absoluto. Ela encontra limites, dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais."

Segundo Alvim, permitir manifestações racistas, seria, em última análise, "atritar com direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, que garantem o direito à igualdade entre todos e repele expressamente o racismo, a tortura." De acordo com Alvim, cabe ao Judiciário ponderar qual princípio deve prevalecer quando eles colidirem entre si. "Quando colidirem os princípios da liberdade de expressão, de um lado, e o direito à igualdade de outro [do qual decorre a proibição do racismo, por exemplo], parece que o Judiciário deverá dar prevalência a este último em detrimento daquele primeiro", diz.

O jurista René Ariel Dotti tem uma opinião semelhante. "O fascismo e o nazismo atentam contra a própria democracia, que é um regime que não aceita totalitarismos. Qualquer tipo de apologia ao crime atenta contra o Estado Democrático de Direito. É diferente de um movimento que pede uma alteração legislativa para tirar o caráter criminoso da maconha", afirma. Segundo Dotti, qualquer movimento queseja favorável a preconceitos ou a regimes totalitários atentam contra a democracia e têm caráter ilícito. "Um movimento racista constituiria um atentado contra a igualdade de todos", exemplifica.

De acordo com o presidente da comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) e professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rodrigo Xavier Leonardo, a liberdade de expressão deve ser a regra. "Só há vedação quando um princípio aniquila o outro. Aí deve haver uma proporção entre os princípios constitucionais", afirma. Manifestações em prol de preconceitos e do nazismo, defende Xavier, tratam o outro com uma condição sub-humana. "O limite da liberdade de expressão é quando [esta opinião] reduz a condição humana de determinado grupo, a dignidade da pessoa humana ou se descumpre alguma lei."

Aumento das garantias

Para o cientista político e um dos organizadores da marcha da maconha, Marcos Magri, o evento liberado pelo STF pressupõe o aumento de garantias e direitos. "Já essas contramarchas [que defenderiam preconceitos] restringem direitos. Elas são destinadas à restrição do comportamento do outro", opina.

Xavier avalia que a marcha da maconha está amparada pela liberdade de expressão. "É absolutamente reconhecida a manifestação por uma alteração legislativa. O poder emana do povo e uma manifestação para alteração é diferente de uma manifestação para o descumprimento de lei", diz.

Alvim, aliás, lembra que isso faz toda a diferença. "No julgamento, o STF ressaltou a importância de que não haja, na marcha da maconha, incitação ou estímulo ao consumo de entorpecentes."

O princípio máximo do estado democrático

A dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, que constitui o princípio máximo do estado democrático de direito. Entende-se que não há valor algum que supere ao da pessoa humana. Segundo a formulação clássica do filósofo Immanuel Kant (1724-1804), as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos). O coletivo não poderia nunca sacrificar e ferir o valor da pessoa. O Estado existiria em função de todas as pessoas, e não elas em função do Estado. O princípio da dignidade da pessoa humana está elencado no rol de direitos fundamentais da Cons­tituição Brasileira de 1988. Considera-se a dignidade da pessoa humana o núcleo essencial dos direitos fundamentais e um princípio absoluto, o que significa que deve sempre prevalecer sobre qualquer outro valor ou princípio.

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Interatividade

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