Nos EUA, empresa teve de indenizar pais cujos filhos compraram jogos sem consentimento| Foto: Gilberto Abelha / Jornal de Londrina

Melhor caminho é buscar um acordo amistoso

O coordenador da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Londrina, Pedro Garcia Lopes Júnior, explica que o pai que teve "surpresas" desse tipo deve procurar uma solução amistosa com a operadora de cartão de crédito e com a loja virtual. "Muitas vezes, explicando a situação, pode-se conseguir um acordo, a retirada da cobrança ou até mesmo o estorno do débito", diz. Uma ação judicial não seria fácil.

Se o acordo amistoso não sair, a troca de e-mails pode servir como documentação para uma ação. "Nos Estados Unidos, uma ação coletiva contra uma grande empresa de tecnologia questiona o fato de ela estar ganhando dinheiro de forma injusta, já que os aplicativos de jogos eram baixados de forma gratuita, mas, para ter acesso a determinados níveis, era preciso pagar, levando os usuários e seus filhos a fazerem dívidas monstruosas", explica.

Segundo Lopes Júnior, os usuários têm como provar que o número do cartão de crédito é exigido – e é um dos principais dados solicitados – na formatação do aparelho após a compra. "Ser obrigado a inserir não significa intenção de compra. E esse número fica gravado ali, independentemente da vontade do usuário daquele aparelho e qualquer um com o login pode acessá-lo."

Além disso, há vários casos desse tipo. "Isso tem um peso muito grande. Porque se acontece só com uma pessoa, pode-se dizer que é um acidente. Mas se milhares – como nessa ação coletiva em curso – questionam, algo está errado", afirma.

O fato de a criança ter a senha e o login do aparelho não tira a responsabilidade da empresa, garante o advogado. "Num caso desses, contra uma grande empresa, é possível pedir a inversão do ônus da prova. A empresa tem como e pode ser obrigada a mostrar o histórico de compras e até o horário em que foram feitas as compras. Se o titular estava trabalhando nesse horário, por exemplo, já fica comprovado que ele não estaria jogando."

CARREGANDO :)

Imagine abrir a fatura do cartão de crédito e se deparar com uma conta de R$ 2 mil em "vidas" para o jogo The Sims, adquiridas pela filha de 10 anos em uma loja on-line de aplicativos. Pois essa foi a surpresa da analista de sistemas Renata (nome fictício, para preservar a identidade da filha), 40 anos, ao conferir o extrato no mês passado. Em quatro dias, a menina gastou US$ 900. "Levei um choque. Só tinha inserido a senha do cartão uma vez para comprar um editor de textos para o iPad. Nunca mais usei. E simplesmente aceitaram um gasto desses sem questionar."

O filho de 7 anos do empresário Marcos (nome fictício) gastou R$ 1,5 mil em aplicativos no tablet. "Você é praticamente obrigado a cadastrar um cartão de crédito internacional quando vai configurar o tablet ou o celular. Só que não imagina que isso possa se voltar contra você mesmo", diz. O filho estava orientado a não comprar nada e só pegar jogos gratuitos. "Mas alguns jogos são grátis por tempo limitado, depois têm de ser pagos ou encerrados. E ele continuou, achando que não teria problema."

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Renata vai acionar o Procon e tentar reaver o valor da operadora do cartão de crédito. "Sempre que vou fazer uma compra com um valor um pouco maior do que estou acostumada, alguém da operadora me liga perguntando se sou eu mesma. Por que deixaram passar dessa vez?" Marcos ainda está analisando o caso. "Não sei se vale a pena. Pode ser que gaste mais com advogados."

Casos internacionais

Em 2011, uma empresa norte-americana foi condenada por um tribunal da Califórnia a indenizar pais de crianças que gastaram muito com jogos e aplicativos sem consentimento. A empresa teve de disponibilizar mais de US$ 100 milhões em vale-compras na própria loja virtual para clientes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, nos casos em que as compras não autorizadas ultrapassaram US$ 30.

Agora, reguladores da União Europeia (UE) estão pressionando empresas fornecedoras para que mudem os atuais sistemas. O grupo Cooperação para Proteção ao Consumidor decidiu que os games anunciados como "gratuitos" não podem deturpar as informações de custo aos consumidores.