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Curitiba – O fenômeno do lulismo ainda está sendo digerido pelos pesquisadores, políticos e até por parte da população. Entender como tantos escândalos seguidos não reduziram a pó a candidatura à reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva não é simples. Para o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Costa de Oliveira, as origens pobres do presidente, a estabilidade econômica e os programas sociais da gestão do petista deram uma "blindagem social" a Lula. O professor afirma que Lula é o maior líder popular brasileiro depois de Getúlio Vargas, suplantando outros políticos famosos pela aproximação com a população mais pobre, como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e Leonel Brizola.

Gazeta do Povo – Apesar da crise política prolongada, Lula mantém um alto índice de aprovação e deve vencer as eleições no primeiro turno. Como explicar o fenômeno Lula?

Ricardo Costa de Oliveira – Um estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, divulgado esta semana, apontou que durante o governo Lula houve uma queda na pobreza em quase 20%. É um dos melhores resultados das últimas décadas. Há uma base social no país que está vinculada a estes conjuntos de interesses. Em função das políticas do seu governo, Lula apresenta esta blindagem social. Programas como o Bolsa-Família, o aumento real do salário mínimo e a expansão da Previdência contribuíram para esta blindagem. Temos que lembrar que cerca de 50 milhões de brasileiros têm como referência o salário mínimo. Como o salário teve um aumento real e a inflação está controlada, houve um ganho na capacidade aquisitiva num segmento expressivo da população brasileira. O povo está comendo mais. Pode ser medido no consumo de produtos populares: alimentos, higiene e construção civil. A avaliação positiva do governo pelo segmento considerado popular (classes C, D e E) é um fenômeno claramente perceptivo e racional.

A estabilidade econômica seria uma conquista de Lula para a população mais pobre?

Sim. A manutenção da estabilidade econômica e o ganho real na faixa do salário mínimo, com aumento de renda superior a 12% faz os mais pobres fazerem esta ligação com o governo Lula. Quem ganha salário mínimo teve uma taxa de crescimento chinesa (em referência ao crescimento de quase 10% ao ano pela China nos últimos anos). Está ocorrendo um crescimento econômico moderado no Brasil, mas o crescimento do salário de quem ganha um mínimo foi um crescimento chinês. Soma-se a isto o controle da inflação, as políticas sociais e as políticas ligadas ao crédito popular. Este segmento da população tem uma percepção econômica direta, por isso, o presidente Lula é extremamente bem avaliado nas regiões mais pobres e carentes. Seja nos grandes centros urbanos, nas áreas metropolitanas, como nos estados do Nordeste.

A imagem de Lula está desvinculada do PT e das denúncias contra o partido?

Lula está com uma raia de expressão própria. O segmento mais popular da população não tem acesso à imprensa. Não tem acesso à internet. A maior preocupação dos mais pobres é a percepção da sua vida econômica. Está comendo mais e teve ganhos em termos de capacidade de consumo. Para as classes mais pobres, a percepção é que a grande política é como uma arena na qual há grandes interesses, corrupção e muita luta por interesses. Eles não separam em termos de atores. De certa maneira eles têm razão. Quando a gente vê os grandes acontecimentos. O fenômeno Marcos Valério começou com o senador Eduardo Azeredo, do PSDB, e depois foi utilizado pelo PT. Agora aparece esse escândalo do dossiê contra José Serra. Na verdade é uma tentativa de compra de um documento para acusar um outro candidato. Na percepção popular é a mesma coisa. Não diferenciam. Não dá pra esquecer o mito e o carisma do presidente Lula. Vale lembrar que desde Getúlio Vargas, ele é o maior líder popular brasileiro. Ele já tem uma aura. Ele é um mito, não apenas um político.

As metáforas sobre futebol, os discursos de improviso e a linguagem mais coloquial ajudaram a criar este mito?

Um dos motivos é que ele sabe falar a linguagem do povo. Para reforçar esta comparação com Getúlio, vale lembrar os episódios de agosto de 1954. A crise política que culminou com o suicídio de Vargas foi o atentando contra Carlos Lacerda (jornalista, deputado e principal opositor de Getúlio). Setores próximos a Vargas, liderados por Gregório Fortunato, à revelia do presidente, tentaram matar Lacerda. Getúlio ficou isolado, mas com sua morte teve um grande apoio popular. O povo estava com Getúlio. Lula tem origens populares, sindicais. Uma pessoa que passou por tudo, foi engraxate. Ele é a cara do povo brasileiro. É o migrante nordestino que vai pra São Paulo tentar um emprego, sobreviver. Ele fez a transição do mundo rural para a grande cidade. Foi presidente de um grande sindicato (dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo). É um dos símbolos da redemocratização do Brasil. Lula também apresenta um número de adversários igual a Getúlio, mas Vargas não era um homem de negociação. Lula é um homem de diálogo. Sempre foi um homem de negociação, de resultados. Ele começou no sindicalismo durante a ditadura militar, depois optou pela via partidária, criou o PT e evoluiu.

Por que a oposição não consegue derrubar a mítica de Lula?

Na política tudo tem o seu tempo. E agora é o tempo do Lula. Mesmo com todas essas crises. É difícil para a oposição conseguir uma vitória, uma vez que Lula apresenta resultados econômicos e sociais bastante expressivos. O principal candidato da oposição não tem carisma. É muito associado a São Paulo. É visto como o candidato dos ricos. O Alckmin está tentando popularizar a sua imagem. No Rio de Janeiro até colocou a camisa do Flamengo, andou na barca Rio-Niterói e subiu na favela, mas ele não tem apoio. Alckmin está tentando transformar sua imagem. A rejeição ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contamina a campanha de Alckmin. (RMM)

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