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Em 2013, clínicas tinham mais de 38 mil embriões congelados | Bigstock
Em 2013, clínicas tinham mais de 38 mil embriões congelados| Foto: Bigstock

Descarte não é prática comum

O descarte dos embriões também é complexo. De acordo com a resolução 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina, os embriões criopreservados há mais de cinco anos podem ser realmente descartados (eliminados), desde que com autorização dos pacientes. Entretanto, a resolução não tem respaldo legal. "Não descartamos embriões porque ainda existem obscuridades legais. Há ainda a questão ética, o embrião é considerado um ser vivo potencial", diz Ricardo Beck, diretor responsável pelo Centro de Reprodução Humana Curitiba.

O Centro Paranaense de Fertilidade também não descarta e procura utilizar técnicas que resultem em um menor número de embriões excedentes. "Também não descartamos, por princípios éticos", explica Karam Abou Saab, diretor da clínica. No ano passado, o CPF congelou 126 embriões e não realizou nenhuma doação.

Números

A Anvisa não soube explicar a razão de as estatísticas de doação variarem tanto de um ano para outro. Em 2010, o número de embriões doados no país foi de 748. No ano seguinte, aumentou para 1.322. Em 2012, caiu para 315. E agora aumentou para 1.231.

Segundo a especialista em vigilância sanitária Renata Parca, responsável pelo relatório, a Anvisa apenas compila os dados que lhe são enviados pelas clínicas, e cabe às vigilâncias sanitárias locais fazer a verificação dos dados com esses serviços.

Uma hipótese preocupante seria a possibilidade de clínicas de fertilidade reportarem como doados embriões que, na verdade, foram descartados. "Pode até ser que isso aconteça por má fé, mas as vigilâncias locais podem detectar facilmente esse tipo de problema", avalia Renata.

Maioria dos estudos usa células adultas

Agência Estado

A maioria das pesquisas com células-tronco no Brasil é feita com células adultas – obtidas, por exemplo, da medula óssea ou de tecido adiposo – ou com células de pluripotência induzida (iPS), geneticamente reprogramadas para se comportarem como células embrionárias.

São alternativas que evitam as complicações éticas de trabalhar com células de embriões humanos, cuja demanda foi bastante reduzida nos últimos sete anos, após a invenção das iPS. "Não trabalho com células embrionárias. Já me ofereceram embriões várias vezes, mas no momento não estou fazendo nada com elas", diz a geneticista Mayana Zatz, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Instituto Nacional de Células-tronco em Doenças Genéticas Humanas, que trabalha principalmente com células-tronco adultas.

O carioca Stevens Rehen, pesquisador da UFRJ e coordenador da Rede Nacional de Terapia Celular do Ministério da Saúde, também disse não trabalhar com células embrionárias humanas.

As células-tronco de embriões humanos continuam sendo de grande interesse para a ciência, principalmente para pesquisas básicas sobre diferenciação celular e desenvolvimento embrionário. Elas ainda são consideradas as células "padrão ouro", usadas como referência para pesquisas com iPS e outros tipos de células pluripotentes. Muitos projetos utilizam linhagens já estabelecidas, o que reduz a demanda por novos embriões. Para fins de aplicação em terapia celular, porém, as iPS são as mais promissoras ­­atualmente.

Mais de 5 mil embriões humanos foram doados por clínicas de fertilidade para pesquisa com células-tronco embrionárias (CTEs) no Brasil nos últimos sete anos, segundo um relatório divulgado nessa semana pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Só no ano passado foram 1.231 embriões doados, a maior parte nos estados de São Paulo (913), Rio Grande do Sul (91) e Rio de Janeiro (87). O Paraná registrou apenas 24 doações e 1.524 embriões congelados.

Os números constam do sétimo relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), compilado anualmente pela Anvisa com base em informações fornecidas por 93 clínicas de reprodução humana. Embora importante, o relatório suscitou questionamentos sobre o destino dado ao material – a própria Anvisa não soube dizer com certeza para onde foram todos esses embriões ou o que foi feito deles.

Incorreto

Desde 2007, segundo esse acompanhamento, 5.131 embriões teriam sido doados. Um número muito maior do que seria esperado com base no volume de pesquisas com células-tronco embrionárias humanas realizadas no Brasil, que é extremamente pequeno. "Seguramente, esses números do SisEmbrio não são corretos", avalia Edson Borges, médico da clínica Fertility e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. "É um relatório importante, mas que precisa ser melhorado".

De acordo com Ricardo Beck, diretor responsável pelo Centro de Reprodução Humana Curitiba, a doação de embriões excedentes viáveis é comum, o problema é o destino. Há duas opções de doação: para pesquisa científica ou para outro casal. O doador deve assinar um termo de autorização e definir a finalidade daquela doação. A partir daí, os laboratórios enfrentam dois problemas distintos: a baixa procura por embriões humanos para pesquisa e a falta de interesse de outros casais por embriões doados.

"Não existem pesquisas com células-tronco embrionárias no Paraná e instituições de outros locais não buscam o material. No caso das doações para outros casais, é muito raro que aceitem embriões doados. O laboratório então fica como fiel-depositário e mantém o embrião congelado", explica Beck. Ou seja, apesar de a doação ser notificada à Anvisa, o embrião não é realmente encaminhado para pesquisas.

Essa seria uma explicação possível para os números apontados pela Anvisa, resultante de uma falha de comunicação entre a agência e os serviços de reprodução humana. Enquanto o relatório apresenta os números como referentes a embriões "que já foram utilizados em pesquisa", na verdade são embriões cujos donos assinaram o termo de consentimento de doação – mas o material não foi doado na prática.

"Os casais assinam a doação e nós informamos a Anvisa, mas isso não quer dizer que os embriões saíram da clínica. Na prática, eles continuam congelados", diz o médico Eduardo Motta, da Huntington Medicina Reprodutiva, em São Paulo. A demanda de embriões humanos para pesquisa no Brasil, segundo ele, é "ínfima".

Questionamentos

Pesquisa com células-tronco embrionárias suscita dilema ético

Há ainda o dilema ético que envolve a doação e o descarte de embriões. De acordo com o coordenador do programa de mestrado em Bioética da PUCPR, Mário Sanches, o encaminhamento de embriões viáveis para pesquisa não é doação, mas descarte via pesquisa. "É legal, mas não ético", diz.

Contrário ao processo de descarte para pesquisa nos termos em que é feito hoje, Sanches credita o excedente de embriões à ausência de regulamentação da criopreservação. "A Lei da Biodiversidade não questiona a legalidade do congelamento. Hoje, permitimos o descarte, mas não proibimos o congelamento, com isso criou-se precedente para o descarte contínuo. Congelar visando a pesquisa é inaceitável", avalia.

A solução apontada por Sanches seria a proibição da criopreservação através de uma lei que atribuísse aos pais a responsabilidade sobre o estoque de embriões e o compromisso em transferi-los para outros casais. Nesse cenário, os embriões já congelados poderiam ser encaminhados para pesquisa. "Seria uma alternativa razoável porque os embriões não teriam mais outra função", diz.

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