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História

Tortura servia para identificar culpa

Há mais de 300 anos, a tortura era tida como um meio lícito de prova. Uma prática que se perpetuou desde a Idade Média e chegou, inclusive, ao Brasil. Hoje isso não é mais válido, mas o que se praticava era a tortura do acusado para saber se ele era inocente ou não. Um exemplo: para comprovar se a mulher era adúltera, colocava-se um pedaço de ferro incandescente na língua dela. Se ela manifestasse dor, era adúltera, caso contrário não. Existiram ainda casos de pessoas colocadas em uma vala cheia de cobras. Se a cobra picasse, a pessoa era culpada. O contrário, ela seria inocente. "Brinco que se fosse culpada [no caso das cobras], o juiz nem precisaria executar a pena porque a pessoa provavelmente morreria ali mesmo. Havia muita ligação no passado entre Direito e religião. Estas provas, chamadas de juízos de Deus ou ordálias, submetiam essas pessoas a este tipo de provação física e, se sobrevivessem, acreditava-se que era por conta da vontade divina", explica o juiz aposentado Manoel Antonio Teixeira Filho.

Convencimento acontece de três formas

São as provas apresentadas durante um processo que levam o juiz a bater o martelo a favor de um ou de outro. O convencimento do magistrado, no Brasil, se dá basicamente de três formas distintas. Uma delas vem a partir do valor que a prova tem conforme a legislação. "O Código de Processo Civil diz que, para certos tipos de contratos [que superam dez salários mínimos], não é possível aceitar apenas a prova testemunhal. São necessárias outras", exemplifica o procurador Sergio Cruz Arenhart.

Há ainda aqueles episódios em que não é preciso justificar a decisão, como no Tribunal do Júri, onde os jurados dizem sim ou não e não precisam justificar o porquê da decisão. Contudo, no Brasil o tipo mais comum é a chamada persuasão racional: trata-se do sistema de valoração da prova. "O juiz tem de comprovar seu convencimento com qualquer prova do processo, mas ele tem de justificar expressamente porque foi que achou tal prova de maior valor que a outra", diz Arenhart. Uma decisão mal justificada, por exemplo, é facilmente derrubada em outras instâncias. Entre­tanto, também é errado afirmar que uma prova documental vale mais que a testemunhal, e vice-versa.

A dificuldade de reunir fatos contra o tráfico

Uma das provas mais difíceis de se obter no Direito Penal é aquela que vai contra traficantes de drogas, segundo o promotor de justiça de São Paulo José Fran­cisco Cagliari. "Não conseguimos comprovar o tráfico sem pri­são em flagrante. Ninguém aceita testemunhar contra ele [traficante] em juízo. As pessoas têm medo", diz. Para conseguir provas, a polícia tem de fazer campana para abordar o traficante quando ele estiver com provas que o incriminem.

No processo civil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi feito com técnicas que vieram suprir deficiências de prova. "O CDC trabalhou com o que é chamado de inversão do ônus da prova. Significa dizer que quem precisa provar que o produto não tinha defeito é o fornecedor e não o consumidor", explica o procurador Sergio Cruz Arenhart.

Entretanto, há ainda no Di­­reito alguns casos que dispensam provas, como os fatos notórios (que são de conhecimento de todo mundo) e os processos que não discutem a questão do fato, mas o Direito. Já a palavra da vítima, principalmente no Direito Penal, é a que mais vale e pode ser a única prova do processo.

Em tempos de revolução tecnológica e digital, o Judiciário não pode mais fechar os olhos para provas hoje constituídas a partir de e-mails, gravadores, celulares e até pequenas filmadoras de alta precisão. O que é gravado por aí pode sim virar prova em um processo judicial. Depende, contudo, de como ela é feita.Há regras para que esse tipo de prova tenha licitude no Direito: ela não pode violar o direito de intimidade de uma pessoa (gravar alguém no banheiro, por exemplo) e não pode ser interceptada sem autorização judicial (um terceiro gravando a conversa entre duas pessoas). Nos demais casos, de um modo geral, a constituição de prova gravada ou filmada é válida.

"Não sou obrigado a avisar o outro que estou gravando uma conversa. No meu entendimento, se eu avisar este outro, a prova pode se tornar ineficaz. Imagine alguém que te liga fazendo uma ameaça e você decide gravar. Se tivesse que comunicar quem está ameaçando sobre a gravação, este crime seria impossível de provar porque provavelmente a pessoa não faria a ameaça", explica o procurador Sergio Cruz Arenhart, um dos autores do livro intitulado Prova.

Há quem entenda, segundo Arenhart, que não seria permitido fazer a gravação sem o conhecimento do outro porque violaria uma garantia de não surpresa. "Este tipo de garantia não existe no direito brasileiro, é de origem portuguesa. Por isso, a meu ver, na legislação brasileira não há algo que diga que não se possa constituir prova gravada em função da surpresa do outro", explica Arenhart.

O problema é que as gravações e filmagens para constituição de prova não são um entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tri­bunal de Justiça (STJ), o que faz com que juízes julguem os casos muitas vezes de maneira distinta no território nacional. "O Supre­mo acredita que gravar uma conversa entre duas pessoas [sem o consentimento das partes] não é algo válido judicialmente. Mas o próprio STF já começou a aceitar gravações feitas por um dos interlocutores", afirma o promotor de justiça de São Paulo José Francisco Cagliari, doutor em Direito Penal.

"Pela Constituição não é permitido fazer escuta telefônica sem autorização judicial, mas o STF admitiu esta interceptação para casos de ação de improbidade", lembra Arenhart. Para neutralizar esses desentendimentos, o juiz aposentado Manoel Antonio Teixeira Filho, autor do livro A prova no processo do trabalho, acredita que o melhor seria considerar gravações e filmagens como indícios de prova e não como prova absoluta no processo. "O juiz, durante o processo, não vai deixar de ouvir a gravação [ou ver a filmagem]. Mas, ao invés de considerar a gravação como prova absoluta, ela poderia servir de indício para se chegar a outras provas", afirma Teixeira.

Filmagens feitas em ambientes públicos, como shoppings e empresas, também são consideradas provas lícitas porque "considera-se que a pessoa que está em um ambiente como esse renuncia a sua intimidade, de modo que não poderia alegar a violação de sua privacidade como óbice para a constituição de prova", explica Arenhart.

Escuta telefônica

Já a gravação por meio de escuta telefônica (feita por um terceiro ou por gravação ambiente) só pode ocorrer após a ordem judicial. "Se houver indícios suficientes para o fato criminoso, o pedido normalmente é deferido, mas também monitorado por tempo determinado e com relatórios. A polícia, por exemplo, não pode pedir para grampear 20 números de telefone e incluir na lista, por conta própria, mais um. Tampouco o policial pode colocar um microfone em uma sala sem que as partes saibam que estão sendo gravadas [ou sem ordem judicial]. Isto é ilícito", explica Cagliari.

Outra questão importante é que sempre é viável a produção de prova, mesmo que ilícita, para se atestar a inocência do réu.

E-mails

A internet e os e-mails também são aceitáveis como prova. O problema que a Justiça enfrenta é conseguir comprovar a autenticidade deles. "Um e-mail corporativo, de uma grande empresa, que tem assinatura-padrão onde consta telefone da pessoa e departamento, é uma prova considerável. Se a pessoa vai alegar, por exemplo, assédio moral contra a empresa, pelo e-mail, pode comprovar que recebia metas impossíveis de serem cumpridas", afirma Teixeira.

Quanto mais estável a prova documental for, melhor é para o processo. Por isso, o e-mail ainda é um problema. "A perícia pode até ser feita, mas muitas vezes vai apontar apenas de onde veio o e-mail. Nem sempre é possível constatar a adulteração", afirma Arenhart. No processo civil, as provas eletrônicas acabam sendo aceitas pacificamente quando não são impugnadas pela parte contrária. "Temos alguns limites de legislação sobre este assunto. Mas não dá para esquecer que já temos um sistema de autenticação de documentos eletrônicos que recebem uma certa estabilidade e podem, assim, servir como prova", conclui Arenhart.

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