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A população da Vila Centenário – região do Cajuru, em Curitiba – já se acostumou com uma cena que se repete de segunda a sexta-feira, duas vezes por dia. Um grupo de profissionais da saúde sai em caravana da Unidade Trindade II, inaugurada há um ano, e atravessa o bairro a pé, fazendo cerca de cinco visitas domiciliares a pacientes que não podem se locomover. O trajeto feito por médico, dentista, enfermeiro e agentes – num total de até oito pessoas – exige manobras radicais, como atravessar as "zonas proibidas" (fronteiras de gangues inimigas, a exemplo da divisa com a vila São João Del Rey).

O projeto, intitulado Saúde da Família (PSF), começou em 1992, na Vila Pompéia, Pinheirinho, inspirado em dois modelos mundialmente conhecidos – o canadense e o cubano. Tinha à frente o angiologista Dante Romanó Júnior, um entusiasta da saúde comunitária. Dois anos depois, foi adotado também pelo Ministério da Saúde e hoje sinaliza uma saída para alguns dos dilemas crônicos do setor: a superlotação dos hospitais e a frieza escandinávia nas relações médico – paciente.

Problemas como hipertensão ou descontrole de diabete, que podem transformar os prontos-socorros numa ante-sala do juízo final, acabam sendo resolvidos a poucos metros do portão. É mais barato e mais humano. O mesmo se diga da malfadada ausência de vínculos entre os profissionais de saúde e o paciente: da porta para dentro isso é passado. Fica-se sabendo que a vítima dessa ou daquela doença está vivendo com os caraminguás contados, em condições de higiene deploráveis ou à beira de um ataque de nervos. Alcoolismo e drogadição costumam ser algumas das péssimas companhias de muitos enfermos, agravando o quadro.

O programa da Prefeitura Municipal de Curitiba, por exemplo, tem munição para cobrir 25% da população e está implantado em 45 das 108 unidades da cidade, em áreas carentes na sua maioria. Trata-se de um exército silencioso formado por 1.940 profissionais, sendo 127 médicos e 114 dentistas divididos em 122 equipes que, literalmente, vão à luta. A área de saúde da família, contudo, ainda é nova e sofre de um estigma herdado da medicina sanitária, a de ser tão romântica quanto pouco lucrativa, pelo menos em relação às especialidades que rendem status social, além de juros e dividendos. Dos 160 residentes anuais do complexo Aliança Saúde (Hospitais Cajuru, Santa Casa, Nossa Senhora da Luz e Alto Maracanã), por exemplo, apenas 5% costumam eleger a medicina da família como futura especialidade. O próprio Ministério da Saúde diminuiu as vagas para essa área no último ano – de 10 para 8.

É uma tarefa para idealistas, que calcem tênis, carreguem filtro solar no bolso e tenham disposição e sensibilidade para acompanhar uma vítima de derrame ao mesmo tempo em que orientar sobre cuidado com piolhos, gravidez adolescente ou o que fazer com um marido que bebe. "O profissional de saúde muda de atitude. Trata do seu João da Rua B, que é hipertenso, e do filho dele que usa drogas", comenta o cirurgião dentista Ademar Cezar Volpi, 39, coordenador do PSF há seis meses e egresso do campo de batalha – uma unidade de saúde na região de São Domingos.

Por tabela, o médico da família reabilita um modelo que parecia amarelado pelo tempo, o do profissional que conhece o histórico do paciente e é capaz de atender a maior parte dos desafios que encontra pela frente. É um generalista. A categoria, para muitos, é a salvação da lavoura. Soma as habilidades de clínico geral à de pediatra e ginecologista e transita numa área determinada (entre 2.400 e 4.500 pessoas) como se fosse uma paróquia, o que é muito melhor do que um grupo de "impacientes" na sala de espera, cada um com direito a seus cinco minutos de consulta.

Competências

João Bosco Strozzi, 51 anos, mestre em Saúde pública, Ph.D. em infectologia e professor do curso de Medicina da PUCPR lembra que um generalista pode tratar até 25 patologias do ambulatório e responder por até 90% dos atendimentos convencionais – incluindo pequenas cirurgias, como a vasectomia. "De cem pessoas atendidas, 15 apenas acabam sendo remetidas a um especialista. Só não se resolve mais porque a estrutura pública não tem um aparelho de eletrocardiograma, entre outros", calcula. Os próprios planos de saúde parecem estar descobrindo as vantagens de ter médicos de família em seus quadros. É pelo visto o que vem por aí.

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