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Médico vira item de “importação”

Cidades de fronteira brigam na Justiça para contratar especialistas estrangeiros. Profissionais precisam revalidar o diploma em universidade do Brasil

O pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, diz que não se importaria em cruzar a fronteira para trabalhar, mas demora na revalidação do diploma é empecilho | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
O pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, diz que não se importaria em cruzar a fronteira para trabalhar, mas demora na revalidação do diploma é empecilho (Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo)

Com dificuldade para atrair médicos brasileiros, cidades situadas na fronteira resolveram apelar à Justiça para "importar" especialistas de países vizinhos, como Argentina, Uruguai e Paraguai. A contratação não é proibida, mas médicos formados fora do Brasil precisam ter o diploma revalidado por uma universidade pública brasileira, cumprindo uma burocracia que pode demorar até dois anos. Outra alternativa é a prova do programa Revalida, implantado no ano passado e oferecido uma vez ao ano pelo Ministério da Educação (MEC). O problema é que o índice de aprovação é baixíssimo e como a necessidade dos municípios fronteiriços é imediata, a única saída foi recorrer aos tribunais. A falta de médicos na fronteira é um problema recorrente, principalmente em áreas como pediatria e cirurgia, e no Progra­­ma Saúde da Família (PSF). A inexistência de um plano de carreira e a preferência por grandes centros do país são apontados como entraves que afastam os profissionais brasileiros.

No Rio Grande do Sul, a Fun­­dação Hospitalar de Quaraí, que presta serviços para a prefeitura, obteve na Justiça autorização para contratar quatro médicos uruguaios: um cirurgião, um anestesista e dois plantonistas para emergência. A cidade fica na fronteira com o Uruguai. Vizinha a Quaraí, San­­tana do Livramento também recebeu o aval judicial, mas conseguiu atrair ginecologistas brasileiros antes de se ver obrigada a trazer médicos de fora.

Disposição

Com mais de 30 anos de atividade profissional, o pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, não se importaria em cruzar a fronteira todos os dias para trabalhar em Foz do Iguaçu. Formado por uma universidade de Córdoba, ele fala bem o português e diz gostar do Brasil, mas deixa claro que a revalidação do diploma hoje é um limite. Helmfelt conta que vários colegas seus já tentaram trabalhar do outro lado da fronteira, mas a resistência da categoria médica brasileira torna o processo ainda mais difícil.

Em Puerto Iguazú, onde ele mora, o salário médio de um médico na rede pública que faz plantões é de 10 mil pesos, o equivalente a R$ 4,4 mil. Em Foz, um profissional ganha R$ 9,5 mil. Uma consulta no lado argentino em clínicas particulares custa R$ 44.

O médico diz já ter sido consultado pela prefeitura de Foz para trabalhar no Brasil. Para ele, o município teria de estudar uma maneira legal de fazer a contratação diante do empecilho do processo de revalidação. Puerto Iguazú, com cerca de 45 mil habitantes, tem de sete a dez pediatras, um número de profissionais maior do que o total disponível hoje em Foz.

O Conselho Federal de Medi­­cina é terminantemente contra a contratação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma no Brasil e recorre na Justiça contra a contratação dos médicos uru­guaios.

Mercosul

Uma proposta para reconhecer rapidamente o diploma de médicos formados nos países do Mercosul foi apresentada em junho de 2008 e, desde então, tramita nos países que compõem o bloco. Apenas a Argentina já aprovou o acordo. No Brasil, a ideia recebeu parecer favorável da representação brasileira no Parla­­mento do Mercosul, mas ainda precisa ser apreciada nas câmaras técnicas do Senado.

Brasileiros formados no Paraguai não podem estagiar no Brasil

Em Ponta Porã (MS), que faz divisa com a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, o problema é outro. Brasileiros formados em Medicina no país vizinho não podem trabalhar no município sul-matogrossense antes de revalidar o diploma. Com 79 mil habitantes, Ponta Porã tem 48 médicos na rede pública, mas faltam especialistas em cardiologia, pediatria e urologia.

"Aqui você atravessa uma rua e está no Paraguai, onde há três faculdades de Medicina. A maioria dos estudantes é brasileira, mas nem estagiar aqui eles podem", diz o secretário municipal de Saúde, Josué da Silva Lopes.

Recentemente, a Conferência Estadual de Saúde do Mato Grosso do Sul aprovou uma proposta para que médicos brasileiros formados nos países vizinhos trabalhem por três anos no Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção básica, com fiscalização dos conselhos municipal, estadual e federal de saúde, para posterior revalidação do diploma.

Em Foz do Iguaçu, a rede pública tem carência de pelo menos 20 médicos, nove nas unidades básicas e 11 no Pro­­grama Saúde da Família (PSF). O secretário de Saúde de Foz, Alexandre Kraemer, diz que a orientação do município é esgotar todas as possibilidades de contratar médicos brasileiros. Para isso, a prefeitura já fez uma chamada pública para credenciamento de serviços médicos, com autorização do Minis­­tério Público (MP), e anunciou a realização de um concurso em novembro.

Último recurso

Caso as medidas não surtam resultado, Kraemer diz que o município acionará a Justiça para contratar estrangeiros. "Não posso cruzar os braços tendo recurso médico do meu lado e deixar a população desassistida. A minha esperança é que o Judiciário acolha nosso pedido", diz o secretário.

Foz paga R$ 70 por plantão e um salário inicial de R$ 9,5 mil. Se o profissional fizer plantões no contraturno, os ganhos mensais podem chegar a R$ 20 mil. Hoje o município tem 201 médicos, dos quais 153 concursados. Em toda cidade há cerca de 394 médicos.

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Interatividade

O governo federal deve avalizar a contratação de médicos estrangeiros? Por quê?

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