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O pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, diz que não se importaria em cruzar a fronteira para trabalhar, mas demora na revalidação do diploma é empecilho | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
O pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, diz que não se importaria em cruzar a fronteira para trabalhar, mas demora na revalidação do diploma é empecilho| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Reação

Conselho desaprova decisão judicial

O Conselho Federal de Medicina (CFM) rechaça a possibilidade de médicos atuarem no Brasil sem a revalidação do diploma. O conselheiro Cláudio Franzen considera um disparate a intenção dos municípios de recorrer à Justiça e atropelar os trâmites normais. "As prefeituras querem pagar pouco aos médicos e pegar mão de obra mais barata", dispara.

Franzen diz que nenhum médico pode trabalhar no Brasil sem supervisão e fiscalização. Por isso, se o profissional não tem registro no conselho, não há fiscalização. "Se o médico cometer um desatino qualquer quem vai julgá-lo? Ele vai ser julgado na Argentina?", indaga.

O CFM acionou a Justiça para impedir a contratação de médicos em cidades fronteiriças do Rio Grande do Sul. Franzen afirma que as autoridades públicas brasileiras precisam criar atrativos para profissionais não só para a fronteira, como também para as demais cidades do interior. E isso passa por plano de carreira e pelo pagamento de melhores salários.

Ministério testa programa piloto para fronteira

O Ministério da Saúde não permite a contratação de médicos sem a revalidação do diploma. Como alternativa para resolver a falta de profissionais nas cidades fronteiriças existe um programa-piloto prestes a ser implantado em seis cidades do Rio Grande do Sul situadas na fronteira com o Uruguai. O programa prevê que municípios gêmeos contratem serviços médicos de outro. Desta forma, uma cidade que tem uma retaguarda melhor em um serviço de saúde atenderia a demanda da outra. Neste caso, brasileiros cruzariam a fronteira para serem atendidos por médicos uruguaios em uma determinada especialidade, ou vice-versa. A iniciativa é respaldada pelo Decreto 7.239, de 2010.

Distância

Tanto brasileiros quanto uruguaios precisam se deslocar vários quilômetros para receber um atendimento disponível no município vizinho. Um exemplo são os moradores de Rivera, no Uruguai, que precisam ir até a capital Montevidéu, distante 500 quilômetros, para fazer exames de mamografia e ressonância, um serviço disponível em cidades brasileiras.

Prova do MEC é ainda mais difícil

O Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde lançaram ano passado o Programa Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras, o Revalida. O programa é uma alternativa à revalidação tradicional do diploma, na qual o profissional precisa procurar uma universidade pública brasileira e às vezes cursar algumas disciplinas em um processo que pode demorar em média dois anos.

O Revalida prevê que o candidato faça uma prova teórica e prática. Caso seja aprovado em ambas, ele já obtém o diploma revalidado. No entanto, o índice de aprovação é baixíssimo, evidenciando o rigor do concurso. Na primeira prova, em 2010, dos 628 candidatos inscritos, só dois foram aprovados.

Neste ano, 677 médicos se inscreveram e apenas 96 passaram na primeira fase, no exame teórico. A prova prática ainda não foi realizada. Entre os inscritos em 2011, 320 foram graduados na Bolívia, 156 em Cuba e 58 na Argentina. O exame ainda atraiu médicos da Espanha (17), Ale­­manha (7), Rússia (4) e Estados Unidos (2).

Caso o candidato não seja aprovado, ele tem a opção de passar pelo trâmite tradicional de revalidação do diploma e procurar uma universidade pública brasileira.

Com dificuldade para atrair médicos brasileiros, cidades situadas na fronteira resolveram apelar à Justiça para "importar" especialistas de países vizinhos, como Argentina, Uruguai e Paraguai. A contratação não é proibida, mas médicos formados fora do Brasil precisam ter o diploma revalidado por uma universidade pública brasileira, cumprindo uma burocracia que pode demorar até dois anos. Outra alternativa é a prova do programa Revalida, implantado no ano passado e oferecido uma vez ao ano pelo Ministério da Educação (MEC). O problema é que o índice de aprovação é baixíssimo e como a necessidade dos municípios fronteiriços é imediata, a única saída foi recorrer aos tribunais. A falta de médicos na fronteira é um problema recorrente, principalmente em áreas como pediatria e cirurgia, e no Progra­­ma Saúde da Família (PSF). A inexistência de um plano de carreira e a preferência por grandes centros do país são apontados como entraves que afastam os profissionais brasileiros.

No Rio Grande do Sul, a Fun­­dação Hospitalar de Quaraí, que presta serviços para a prefeitura, obteve na Justiça autorização para contratar quatro médicos uruguaios: um cirurgião, um anestesista e dois plantonistas para emergência. A cidade fica na fronteira com o Uruguai. Vizinha a Quaraí, San­­tana do Livramento também recebeu o aval judicial, mas conseguiu atrair ginecologistas brasileiros antes de se ver obrigada a trazer médicos de fora.

Disposição

Com mais de 30 anos de atividade profissional, o pediatra argentino Ricardo Helmfelt, 57 anos, não se importaria em cruzar a fronteira todos os dias para trabalhar em Foz do Iguaçu. Formado por uma universidade de Córdoba, ele fala bem o português e diz gostar do Brasil, mas deixa claro que a revalidação do diploma hoje é um limite. Helmfelt conta que vários colegas seus já tentaram trabalhar do outro lado da fronteira, mas a resistência da categoria médica brasileira torna o processo ainda mais difícil.

Em Puerto Iguazú, onde ele mora, o salário médio de um médico na rede pública que faz plantões é de 10 mil pesos, o equivalente a R$ 4,4 mil. Em Foz, um profissional ganha R$ 9,5 mil. Uma consulta no lado argentino em clínicas particulares custa R$ 44.

O médico diz já ter sido consultado pela prefeitura de Foz para trabalhar no Brasil. Para ele, o município teria de estudar uma maneira legal de fazer a contratação diante do empecilho do processo de revalidação. Puerto Iguazú, com cerca de 45 mil habitantes, tem de sete a dez pediatras, um número de profissionais maior do que o total disponível hoje em Foz.

O Conselho Federal de Medi­­cina é terminantemente contra a contratação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma no Brasil e recorre na Justiça contra a contratação dos médicos uru­guaios.

Mercosul

Uma proposta para reconhecer rapidamente o diploma de médicos formados nos países do Mercosul foi apresentada em junho de 2008 e, desde então, tramita nos países que compõem o bloco. Apenas a Argentina já aprovou o acordo. No Brasil, a ideia recebeu parecer favorável da representação brasileira no Parla­­mento do Mercosul, mas ainda precisa ser apreciada nas câmaras técnicas do Senado.

Brasileiros formados no Paraguai não podem estagiar no Brasil

Em Ponta Porã (MS), que faz divisa com a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, o problema é outro. Brasileiros formados em Medicina no país vizinho não podem trabalhar no município sul-matogrossense antes de revalidar o diploma. Com 79 mil habitantes, Ponta Porã tem 48 médicos na rede pública, mas faltam especialistas em cardiologia, pediatria e urologia.

"Aqui você atravessa uma rua e está no Paraguai, onde há três faculdades de Medicina. A maioria dos estudantes é brasileira, mas nem estagiar aqui eles podem", diz o secretário municipal de Saúde, Josué da Silva Lopes.

Recentemente, a Conferência Estadual de Saúde do Mato Grosso do Sul aprovou uma proposta para que médicos brasileiros formados nos países vizinhos trabalhem por três anos no Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção básica, com fiscalização dos conselhos municipal, estadual e federal de saúde, para posterior revalidação do diploma.

Em Foz do Iguaçu, a rede pública tem carência de pelo menos 20 médicos, nove nas unidades básicas e 11 no Pro­­grama Saúde da Família (PSF). O secretário de Saúde de Foz, Alexandre Kraemer, diz que a orientação do município é esgotar todas as possibilidades de contratar médicos brasileiros. Para isso, a prefeitura já fez uma chamada pública para credenciamento de serviços médicos, com autorização do Minis­­tério Público (MP), e anunciou a realização de um concurso em novembro.

Último recurso

Caso as medidas não surtam resultado, Kraemer diz que o município acionará a Justiça para contratar estrangeiros. "Não posso cruzar os braços tendo recurso médico do meu lado e deixar a população desassistida. A minha esperança é que o Judiciário acolha nosso pedido", diz o secretário.

Foz paga R$ 70 por plantão e um salário inicial de R$ 9,5 mil. Se o profissional fizer plantões no contraturno, os ganhos mensais podem chegar a R$ 20 mil. Hoje o município tem 201 médicos, dos quais 153 concursados. Em toda cidade há cerca de 394 médicos.

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O governo federal deve avalizar a contratação de médicos estrangeiros? Por quê?

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