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 | Marcos de Mello
| Foto: Marcos de Mello

Prestação de serviço

Carga elevada significa mau atendimento ou trabalho de menos

As incongruências apontadas pelo CNES refletem diretamente no atendimento à população. Um médico que cumpre uma carga horária muito elevada corre o risco de não atender corretamente os pacientes ou então trabalhar menos do que deveria em uma unidade de saúde. "Se um médico trabalha menos do que deveria em um posto, ele, além de desrespeitar a lei, deixa de atender as pessoas. E se trabalha demais compromete a qualidade do atendimento, já que está cansado e sobrecarregado", afirma o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, especialista em Administração Pública.

População perde

Para evitar essa situação, Matias-Pereira acredita que é necessário implementar políticas públicas para que o médico não atue sobrecarregado. "Se permanecer como está ninguém sai ganhando. Muito menos a população", diz.

A presidente do Conselho Estadual de Saúde, Joelma Carvalho, ressalta que o mau atendimento no sistema público de saúde está ligado à jornada excessiva de trabalho dos profissionais. "Como o sistema não consegue monitorar bem a situação, quem acaba pagando o preço dessas distorções é o povo", diz.

130 horas

Em janeiro deste ano, a Gazeta do Povo publicou uma reportagem intitulada "Cadastro permite fraude na Saúde", na qual denunciou médicos do Programa Saúde da Família que burlavam o sistema e tinham registros no CNES em mais de dois estabelecimentos de saúde, com cargas horárias superiores a 90 horas semanais. Na oportunidade foram encontrados médicos que na teoria trabalhavam 130 horas na semana, mas que na prática não cumpriam nem metade das oito horas semanais da jornada de trabalho nos postos de saúde.

Influência

A sobrecarga horária dos médicos atrapalha o atendimento? Por quê?

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O Ministério da Saúde investiga o registro de médicos de aproximadamente 14,5 mil hospitais, clínicas e consultórios de todo o país por infringirem regras federais. No Paraná, cerca de 1,3 mil estabelecimentos são suspeitos de abrigar médicos com mais de dois empregos públicos e registro em duas equipes do Programa Saúde da Família (PSF), além de profissionais que atuam em mais de cinco estabelecimentos privados. Em todos os casos são desrespeitadas as normas da Portaria 314, de 2011, do ministério.

Em Curitiba, pelo menos seis profissionais receberam advertência por terem mais de dois empregos públicos no registro do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES). Um deles possui vínculo em sete estabelecimentos públicos e um privado, o que totalizaria 124 horas semanais de trabalho (quase 18 horas diárias), enquanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estipula que a jornada máxima é de 44 horas semanais.Ainda há um profissional que tem dez empregos públicos e que se divide na prestação de serviços em Ponta Grossa, Curitiba e Foz do Iguaçu.

Outro profissional em Curitiba acumula nove empregos privados, com total de 89 horas semanais. A lei limita a prática em cinco estabelecimentos particulares. Além disso, há profissionais com registros em mais de duas equipes do PSF. Em Maringá, existe um médico que possui vínculo em duas equipes do programa e outro na rede privada.

Os profissionais e estabelecimentos que desrespeitam as normas podem sofrer processos administrativos e terem de optar por um número de empregos que não infrinja a legislação. O repasse dos recursos pelo Ministério da Saúde referentes ao custeio da equipe do PSF também pode ser suspenso caso haja irregularidade.

Falha cadastral

Por trás da incoerência das cargas horárias declaradas no CNES há indícios de fraudes no sistema público de saúde: médicos empregados pela rede pública que trabalham menos do que o declarado ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou prefeituras que mantêm médicos que já deixaram de atuar na cidade em seus registros.

"Há casos em que a prefeitura não dá baixa no vínculo e isso só vai ser observado mediante auditoria", explica o superintendente de gestão da Secretaria Estadual de Saúde, Paulo Almeida. Ele revela também que é comum a prática de profissionais que agem de má-fé. "No interior, geralmente, é mais comum o médico trabalhar menos tempo do que deveria em determinado estabelecimento e se dirigir para outro posto de saúde", afirma.

Isso "explicaria" o fato de o registro computar profissionais que totalizam mais de 100 horas semanais de serviço e em mais de dois estabelecimentos públicos. "Nessas situações o próprio órgão contratante pode ser responsabilizado. O médico deve fazer a opção de vínculo dentro do que diz a lei", ressalta Almeida.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, especialista em Ad­ministração Pública, considera ser necessário adotar um mecanismo que aperfeiçoe o cadastro. Atualmente, os cadastros devem ser atualizados a cada 30 dias. "É necessário um sistema que permita atualização em tempo real e que gere dados mais consistentes e verdadeiros", salienta.

Dado duplicado pode ser causa, diz Secretaria da Saúde

Alguns registros no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) podem estar com dados duplicados. Segundo a superintendente de gestão da Secretaria da Saúde de Curitiba, Anna Paula Penteado, pode acontecer de um profissional ter o contrato com o município via Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde (Feaes) e prestar serviços em diferentes Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUMs).

"Dessa forma, o registro dele aparece em vários CMUMs, mas esse profissional possui apenas um contrato de trabalho. É um vínculo com várias distribuições", explica a superintendente.

Em relação aos profissionais que aparecem com mais de dois registros no Saúde da Família, Anna Paula afirma que isso pode acontecer em virtude do próprio sistema. "Se um médico atendeu até 31 de julho em uma equipe do PSF e depois mudou para outra, é possível que no faturamento realizado em agosto apareça o vínculo nas duas equipes", esclarece.

Dois empregos

Segundo o Ministério da Saúde é proibido o registro no CNES de profissionais da saúde em mais de dois empregos públicos. Porém, o governo também abre exceções. A jornada de trabalho semanal pode ser fracionada em mais de um estabelecimento público de saúde do órgão a que o profissional esteja vinculado, desde que com justificativa.

"Além disso, o mercado médico é muito ativo. Em um período inferior a 30 dias um mesmo médico pode mudar de emprego. Por isso, quando são realizadas as auditorias é necessário que o ministério tenha conhecimento da realidade de cada região", diz Anna Paula.

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