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Dia desses, andando pela rua, a musicista Laís Groff, 82 anos, gelou. Um estranho parou na sua frente e lhe deu um abraço. O susto só passou diante da palavrinha mágica "professora". Alívio. Era um "pedroca", título dado por dona Laís aos alunos do Colégio Estadual Pedro Macedo, no Portão, onde lecionou de 1965 a 1988. A titular da cadeira de Educação Artística marcou época por conta do Hino Nacional, do apito no recreio, do Fusca 66 e, claro, pelas aulas.

Sob a batuta de Laís, executava-se o hino com tamanho capricho que, certa vez, um comandante em visita à escola lhe disse que nem os policiais cantavam daquele jeito. "Lembro que eu subia numa escadinha", conta, repetindo o gesto de regente e o ar compenetrado, emoldurado pelos olhos muito azuis. O apito, inclemente, era usado na hora do recreio, acabando com qualquer sombra de arruaça. Já o Fusca 66, cinza, a professora tem até hoje, com um risquinho de nada no pára-lama. E avisa: "não vendo por nada." Até ex-aluno já andou atrás dela implorando de joelhos para comprar a relíquia.

Lendas à parte, o melhor de Laís eram mesmo as aulas. Filha do cineasta e pintor João Baptista Groff, conviveu desde menina com a nata da cultura paranaense, como Kurt Freysleben, que pintou seu primeiro retrato. Adulta, correu mundo, e tudo isso desembarcava de Concorde na única aula de Artes da semana, quando a Praça de São Pedro e a Torre Eiffel pareciam tão próximas quanto a Igreja do Portão. "Esses dias, um aluno me disse que eu era culpada dele gostar tanto de música erudita. Não é uma delícia ouvir isso?"

Dia de Maria

Maria de Lourdes Bacanof, 72 anos, 40 de magistério, foi por duas décadas diretora da Escola Municipal Benedicto João Cordeiro, no Sítio Cercado. À maneira de Joaquina Von Lasperg e de Laís Groff, "escuta vozes" onde quer que vá. "Estamos com saudades", teria gritado um ex-aluno, de cima de uma moto, dia desses, ao cruzar com ela. Maria não estranha a popularidade – inclusive porque faz o gênero personagem de ficção. Tudo nela é original: as jóias, a pintura e o apelido: Maria do Facão.

O título veio para ficar no dia em que um rapaz "extrovertido pra caramba" entrou como veio ao mundo numa sala de meninas. "Eu era muito doida. Quando soube, só disse ‘pera’ lá", lembra. Sobre a mesa de Maria havia um facão que deveria servir para ensaiar uma dança típica gaúcha, mas acabou botando para correr o tal extrovertido.

A história se espalhou pelo Sítio Cercado e redondezas, desembarcou na redação dos jornais, até que o facão entrou em cena de novo, sem que Maria soubesse da presença de um repórter da TV Paranaense no meio dos alunos. A diretora, já coroada "Maria do Facão", puxou a "adaga" e saiu voando, disposta a apartar uma briga de gangues. Apareceu na TV e, desde então, a professora, formada em Ciências Sociais pela UFPR, é venerada nas ruas, ouvindo aqui e ali o slogan "Maria, eu também sou facão".

Depois de ter de ir para casa de camburão, quando uma gangue de torcida avisou que ia arrancar sua cabeça, a mestra decidiu pendurar o facão e apelar para a conversa. Chamou policiais e a moçada do barulho para reuniões e liberou as paredes da escola para grafitagem. Durante uma festa de escola, pegou o microfone, disse que ali era lugar de gente civilizada, que não tinha gangue nenhuma e que os meninos estavam ali em missão de paz. É seu orgulho. Há cinco anos, mesmo depois de se aposentar, no Sítio Cercado é sempre dia de Maria.

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