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Levar crianças ao posto de saúde já era parte do trabalho diário de Maria Doreti. Coordenadora de um projeto de contraturno para alunos de 7 a 11 anos no pequeno município de Sertaneja, ao norte de Londrina, ela convivia regularmente com reclamações de dor de cabeça e de fraqueza. Nos casos mais graves, a criançada baixava no hospital com dor de barriga e crises de vômito. Há um ano, porém, essa rotina mudou. "Agora, graças a Deus, é muito difícil isso acontecer", diz a coordenadora.

A mudança não foi percebida apenas por Maria Doreti. Funcionários do sistema de saúde do município também repararam que era cada vez menos freqüente o atendimento de crianças no hospital e no posto de saúde da cidade. Resolveram fazer uma pesquisa. Compararam os prontuários dos dois semestres de 2005 e chegaram a uma conclusão. "O que mais nos chamou a atenção foi a diminuição dos casos de desnutrição", diz a enfermeira Érica Maria Rodrigues Baraldi, responsável pelo levantamento feito no hospital.

Na primeira metade do ano, 5% das crianças que chegavam ao hospital apresentavam sintomas de desnutrição. Na segunda metade, o índice caiu para 1%. Outros números também saltaram aos olhos. Os casos de anemia nutricional foram reduzidos de 6% para 3% e as doenças parasitárias, que apareciam em 15% dos atendimentos, caíram para 11%.

A explicação para tudo isso está numa simples folha de papel: o cardápio servido às crianças de Sertaneja. Um programa do governo federal, somado à qualidade do alimento produzido pelos agricultores familiares da região, transformou a merenda dos alunos radicalmente. Ao invés de comer enlatados e comida desidratada, eles passaram a comer produtos frescos e, em boa parte dos casos, orgânicos.

"A diferença na merenda foi nítida", conta a pedagoga do Colégio Estadual Cecília Meireles, Eliane Foglia. "Antigamente, só recebíamos sopas semi-prontas, bolachas, arroz-doce, carnes desidratadas, que até na aparência são ruins", afirma. Hoje, a escola chega a ter quatro tipos de salada disponíveis no mesmo dia. E no prato principal, também se percebe a diferença: crianças que antes nem terminavam a refeição hoje fazem questão de repetir.

Quem não ia para a escola, agora passou a ir. De acordo com a diretora da escola, Anete Pinto de Andrade, a evasão dos alunos diminui 18% de 2005 para 2006. Outro efeito foi a redução nos atrasos dos estudantes do período noturno. "Alguns alunos moram ou trabalham na zona rural e se forem comer em casa se atrasam para a escola", acrescenta Anete.

O programa que permitiu a mudança nas refeições das crianças é o Compra Direta, uma das modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos, que por sua vez é parte do Fome Zero. Funciona assim: o governo investe para comprar comida de agricultores familiares. Cada produtor pode vender R$ 3,5 mil a cada ano. A comida pode ter dois destinos: produção de estoque, para ajudar a aumentar o preço em safras ruins; ou a doação simultânea. Nesse caso, a comida segue direto para escolas, creches, asilos e Apaes. De preferência, para as instituições mais próximas do local onde o alimento foi produzido.

Embora a diferença seja sentida na ponta, o programa dependeu antes de mais nada de uma medida de burocracia. "O pulo do gato foi a publicação do decreto que permitiu a compra desse alimento sem licitação", afirma Valmor Luís Bordin, gerente de operações da Conab no Paraná. Sem esse instrumento, era comum que os grandes fazendeiros, que produzem em escala, batessem os preços dos agricultores familiares, que ficavam sem ter como vender para o governo.

O decreto, publicado em 2003, fez com que a Conab corresse atrás dos produtores para comprar seus alimentos. Cinco estados e vários municípios também entraram no processo. O Paraná foi um dos que aderiram: começou a comprar a comida por meio da Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção Social.

"No começo, o difícil era convencer os agricultores de que ia dar certo", conta André Michelato, coordenador do programa dentro da Secretaria do Trabalho. Os produtores achavam que o governo faria jus à fama de mau pagador – e como dependem de pagamento imediato para sobreviver, temeram pelo resultado. "Tivemos de viajar o estado inteiro e mesmo assim só conseguimos uns 40 municípios que resolveram aderir", afirma Michelato.

Hoje, há 203 municípios paranaenses envolvidos no programa. Cada um vende o que produz em maior escala. No Vale do Ribeira, por exemplo, a venda de poncãs é a mais comum. "Entramos lá pagando mais do que eles recebiam", conta Michelato. "Como contrapartida, tínhamos um produto de primeira para entregar nas escolas da região metropolitana de Curitiba", diz. Novamente, há registros de interferência até na saúde das crianças. Numa creche do Cajuru, os responsáveis pelas crianças afirmam que nesse ano o surto de gripe não veio forte como o de costume. A suspeita é de que os cítricos de Cerro Azul tenham algo a ver com isso.

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