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Na PUCPR, 2,3 mil estudantes de graduação utilizam o financiamento federal | Henry Miléo / Gazeta do Povo
Na PUCPR, 2,3 mil estudantes de graduação utilizam o financiamento federal| Foto: Henry Miléo / Gazeta do Povo

Depoimento

"Impiedoso Fies"

Jônatas Dias Lima, repórter da Gazeta do Povo

Como ocorre em muitos financiamentos, minha relação com o Fies é de amor e ódio. No início, depois de enfrentar várias etapas burocráticas, evidentemente há uma enorme satisfação quando se obtém a aprovação do empréstimo. Afinal, seria aquele dinheiro, e não apenas minha nota no vestibular, o que me permitiria cursar Jornalismo na instituição em que eu desejava me formar. A revolta veio quando recebi o boleto da primeira prestação, quase um ano depois da formatura. Como consegui um financiamento de 70%, durante todo o tempo de faculdade paguei um valor relativamente baixo. A gen­­­­te acaba se acostumando com a fa­­­­ci­­­li­­­­dade e é fácil esquecer-se de que o Fies não é uma bolsa, e que a hora de pagar chegará. E, quando chegou, veio cara. A prestação era quase o do­­­­­bro daquilo que eu havia pago por mês enquanto estudava. É difícil fa­­­­lar do Fies sem cair no clichê do mal necessário. Meu contrato foi assinado em 2004 e pagarei pela minha faculdade até 2019. Agora vejo como um tempo assustador, mas quando era um calouro sem muito dinheiro, esse prazo é o que me dava alívio imediato e esperança de que poderia pagar no futuro.

Regras

Veja abaixo como funciona o Fundo de Financiamento Estudantil:

Cursos

Podem aderir ao Fies instituições privadas com cursos que tenham recebido avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Inscrição

Podem participar estudantes regularmente matriculados nos cursos e que tenham feito o Enem (para aqueles que concluíram o ensino médio a partir de 2010). A inscrição pode ser feita em qualquer período do ano, pelo site do Fies. Alunos que conseguiram uma bolsa parcial pelo ProUni também podem tentar financiar o restante.

Auxílio

O estudante pode financiar de 50% a 100% do valor da mensalidade, com taxas de 3,4% ao ano. Durante o período do curso, o aluno paga apenas o valor máximo de R$ 50 a cada três meses, referentes aos juros.

Pagamento

Após se formar, o aluno tem ainda 18 meses de carência em que continuará pagando R$ 50 a cada três meses. Encerrado esse período, o saldo devedor pode ser quitado em até três vezes o período financiado do curso, acrescido de 12 meses.

Cálculo

O estudante que financiou todo o curso de quatro anos, por exemplo, poderá pagar, ao fim da carência, o saldo devedor em até 13 anos: 3 x 4 anos (período financiado do curso) + 12 meses

Fundo Garantidor

Alunos matriculados em cursos de licenciatura, aqueles com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio ou bolsistas do ProUni podem optar no Fies pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo, em que não há a necessidade de apresentar fiador. A instituição de ensino, no entanto, tem de ter aderido ao fundo garantidor.

Mais informações: http://sisfiesportal.mec.gov.br

Crédito para manter a tradição de família

Aluno do curso de Medicina da Universidade Positivo, em Curitiba, Tiago Ruani aproveita as últimas semanas antes do início das aulas na companhia da família, em Ponta Grossa. O período de descanso, porém, não o livra de esquecer os estudos e agruras da futura profissão: o pai do rapaz é médico e, a irmã, estudante de Medicina.

Não é difícil imaginar o rumo que as conversas dentro de casa, volta e meia, tomam. O fato de a irmã compartilhar o sonho de ser médica exigiu a busca por alternativas pela família – afinal, os dois estudam em universidades particulares, justamente em uma área em que, independentemente da instituição, as mensalidades são altas. Tiago, que ingressou nos estudos depois da irmã, no começo de 2011, conseguiu aliviar os gastos contratando o financiamento do governo federal, o Fies. Foram dois meses para preparar toda a papelada e aguardar a análise do pedido, mas, ao fim, a permanência na universidade estava garantida.

Precaução

Apesar de ainda ser cedo para pensar no pagamento das mensalidades – como o curso tem duração de seis anos, o prazo de financiamento, sem levar em consideração o período de um ano e seis meses de carência depois da formatura, pode se estender por até 19 anos –, Tiago já garante que faz as contas para, enfim, assumir as dívidas de vez, sem a ajuda da família. "O que sobra no fim do mês, meu pai aplica em uma poupança, para garantir. Mas já conto em sair da faculdade empregado. Pra quem se esforça, não é tão difícil", prevê o futuro médico.

Lançado em 1999 como alternativa aos alunos que não têm condições de arcar integralmente com as mensalidades das universidades privadas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) ainda sofre com a baixa adesão do público que deveria atender. Embora o Ministério da Educação (MEC) tivesse crédito disponível para assinar 400 mil novos contratos nos últimos dois anos, somente 225 mil financiamentos foram efetivamente contratados no período.

A falta de interesse resiste mesmo após facilidades implantadas recentemente, como a possibilidade de determinados alunos não apresentarem fiador e de professores da rede pública de educação básica abaterem e quitarem o financiamento com o trabalho. Além disso, em 2010, a taxa de juros baixou de 6,5% para 3,4% ao ano, com a ampliação do prazo de quitação do empréstimo. Para o MEC, as mudanças devem enfim angariar mais estudantes para o programa, mantendo o aumento no número de contratos observado nos últimos anos: em 2009, foram feitos apenas 32 mil financiamentos pelo Fies, número que subiu para 75,8 mil em 2010 (aumento de 136%) e 149 mil no ano passado.

Além dos acadêmicos, po­­­rém, o governo federal precisa convencer as instituições de ensino, que no segundo semestre do ano passado registraram atrasos constantes no recebimento dos repasses mensais do Fies – segundo a Fede­­ração Na­­­cional das Escolas Particulares (Fenep), o total de valores pendentes chegou a mais de R$ 500 milhões no fim de dezembro, em todo o país. Não bastassem as críticas quanto à demora no envio dos recursos, os valores são repassados em títulos da dívida pública, que precisam ser utilizados especificamente no pagamento de tributos ou revendidos à União.

Os entraves na utilização dos recursos tornam o "negócio" pouco atraente para parte das faculdades, dos centros universitários e das universidades. De fato, o número de mantenedoras vinculadas ao Fies diminuiu nos últimos anos: em 2005, eram 1.133, enquanto atualmente 989 instituições participam do programa.

"O Fies vem cobrir uma lacuna, ao auxiliar as pessoas que não têm a menor condição de disputar uma vaga numa universidade pública e teriam dificuldade em pagar a particular", avalia a presidente da Fenep, Amábile Pacios. "Mas esperamos que o MEC cumpra com a promessa de atualizar os repasses e evitar atrasos. Sabemos que não falta dinheiro, e sim que é um problema de gestão", completa.

Desinformação

Dos 399 municípios do Paraná, 54 apresentam instituições particulares vinculadas ao Fies, número que colocou o estado no topo do ranking dos que mais firmaram contratos nos últimos dois anos (veja infográfico). Dos 25 mil alunos de gradução da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), por exemplo, 2,3 mil pagam o curso por meio do financiamento.

O diretor de Planejamento e Gestão Financeira da instituição, Marcelo Cichacz, reconhece, no entanto, que a adesão poderia ser maior. "O grande problema é a informação, que não chega ao aluno com facilidade e quando chega não é detalhada. Eu mesmo já fiz palestras em escolas onde os estudantes nem sequer sabiam que o Fies existia", relata.

Financiamento privado surge como opção

Como alternativa ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), bancos e instituições financeiras privadas também oferecem linhas de crédito voltadas a alunos que queiram parcelar ou prorrogar o pagamento das mensalidades. Apesar dos juros, em geral, serem maiores e as opções de cursos mais restritas, a facilidade em ter acesso ao financiamento e os prazos de pagamento menores são as principais diferenças apontadas pelas instituições.

Considerado o maior programa de financiamento privado do país, o crédito universitário Pravaler atende a 263 instituições de ensino em 23 estados brasileiros, contemplando cerca de 12,5 mil cursos. Pelo programa, o universitário parcela o valor das mensalidades e tem pelo menos o dobro do tempo normal para pagá-las – o primeiro semestre da faculdade, por exemplo, é pago no decorrer do primeiro ano de estudo. Os juros variam de 0% a 1,99% ao mês, dependendo da universidade e do curso.

"Quando o aluno se forma, ele começa a ter outros tipos de dívidas. Então, se ele já possui alguma renda e consegue pagar parte da mensalidade, acaba optando por um financiamento em que amortiza a dívida no decorrer do curso, ao contrário do Fies, em que o débito fica todo acumulado para ser pago após a faculdade", afirma o diretor de relacionamento da Ideal Invest, em­­­presa gestora do Pravaler, Ra­­­fael Baddini.

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Interatividade

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