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Contorno Norte

Família Mocelin pode ser separada por rodovia

A marcação de número quatro fica em frente à casa da família da professora Edete Paula Ceccon, que mora na Colônia Faria desde 1979. Ela conta que por alguns dias as equipes ficaram olhando e medindo, até que colocaram as marcações na frente da casa e num vale, nos fundos do terreno.

Atualmente, quem mora na casa de 1949 é sua sogra. Foi justamente a família do marido que comprou aquela terra. Edete conta que no período entre guerras era comum que as pessoas enterrassem algumas posses e fizessem marcações, para encontrá-las mais tarde. Reza a lenda que o então dono daquele terreno encasquetou que havia ouro enterrado por ali. Se tinha mesmo, ninguém soube. Depois de muito escavar, o homem simplesmente vendeu tudo e foi embora, para Itália, dizem alguns.

A poucos passos dessa casa, do outro lado da rua, fica a terra da família Mocelin, que guarda uma das casas mais antigas da colônia. As marcações mostram: se o contorno passar por ali, pouco vai sobrar da história da família. A propriedade abriga a casa do patriarca, Fernandes Mocelin, o seu Nande, e de seus filhos. A família planta e cria animais na propriedade.

Uma casa pode ser destruída e a família ficaria separada por uma rodovia. Mauris Mocelin, o filho que mora na casa que já pertenceu ao bisavô, não gosta da ideia de se mudar. "Ninguém quer sair daqui. Pra onde é que a gente vai?", questiona.

      Em 1924, moradores da Colônia Faria, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, começaram a construção da igreja que é o coração da comunidade. Em consagração à padroeira Nossa Senhora da Saúde, ergueram o santuário. O campanário veio dez anos depois. As construções só reforçaram o vínculo que aqueles imigrantes – italianos, sobretudo –, construíram com a terra aonde chegaram ainda nos idos de 1886 e tomaram por lar. Agora, os descendentes desses pioneiros e moradores, que se agregaram a comunidade, lutam para manter o patrimônio vivo por mais tempo.

      Isso porque os impactos provocados pela chegada do trânsito de caminhões pesados já afetaram a estrutura da igreja. No altar, um pano azul esconde o presbitério, que passa por reformas devido às grandes rachaduras provocadas pelo tráfego. Para tentar amenizar o problema, uma lombada, que ficava na frente da igreja, foi retirada. Outras duas, antes e depois da construção, ainda causam vibrações que afetam a estrutura da quase centenária igreja.

      O urbanista André Fort, que mora na colônia há 15 anos, atenta para o fato de que se essa construção já sofre com o trânsito de caminhões, que usam a Avenida Presidente Faria para encurtar caminho até fábricas instaladas na região, a situação tende a piorar se o projeto de construção do Contorno Norte seguir adiante. Da maneira como foi proposto, o contorno dividiria a comunidade e poderia condenar a igreja. "Não dá para passar uma rodovia federal no meio de uma cidade", diz Fort.

      Assim como os pesquisadores da Embrapa, que teria pesquisas de décadas afetadas pelo contorno, a reclamação dos moradores não é pela obra, mas sim em relação a falta de diálogo com a comunidade e a ausência de opções de traçado. "Não houve audiências públicas para tomada de decisão sobre os traçados, não foi levada em conta a opinião da comunidade", diz Fort.

      Critério econômico

      Outro morador da região, o arquiteto e urbanista Pedro Paulo Feijó, tinha 27 anos quando se mudou para a colônia. Trinta e cinco anos depois, ele reconhece que muita coisa mudou: Curitiba cresceu e a própria região se desenvolveu e urbanizou. No entanto, a opção pelo traçado mais curto parece obedecer apenas um critério econômico, já que ambiental e socialmente haverá muito que perder. "O fator econômico não pode se sobrepor ao humano. Se a gente quer mudar as cidades, precisamos mudar esse paradigma", reflete.

      Enquanto não há decisão sobre essa situação, os moradores protestam como podem. Por ora, estão espalhadas pequenas placas pela comunidade: "não", escrito em caixa alta e com tinta vermelha.

      Medições são feitas à revelia dos moradores

      Algumas marcações geodésicas – piquetes que indicam por onde deve passar a estrada – já foram feitas na região, apesar de muitos moradores não autorizarem a entrada da equipe de topografia em suas propriedades. Isso aconteceu com a família da professora Sibeli Colere. Seus bisavós foram um dos primeiros moradores da Colônia e, desde então, a família continua na região. Há cerca de um mês, ela negou a entrada de uma equipe, que tentou voltar na casa dela mais tarde. Não conseguiu.

      Curioso foi o que aconteceu com o veterinário Antonio Henrique Stra­passon, nascido e criado na comunidade. Proprietário de uma caminhonete rural, ele foi procurado para ajudar a desatolar um carro que ficou preso em uma estradinha da região. A surpresa foi descobrir que o carro era dessa equipe e a estradinha ficava dentro das terras da família.

      No total, essas equipes de engenheiros e topógrafos entraram em três propriedades. Como reação, a associação de moradores entrou com uma ação na Justiça por causa da invasão. Nenhum morador autorizou a entrada das equipes.

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