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Currículo - Um gaúcho a serviço da Justiça

Athos Carneiro, 81 anos, gaúcho de São Leopoldo, tem 11 livros sobre Direito publicados. Ele começou a carreira como advogado, foi juiz, professor, desembargador e alçado à presidência do Tribunal Regional Eleitoral no Rio Grande do Sul (RS), ocupando outros cargos no Judiciário do estado. No fim da década de 80 tornou-se ministro do STJ, aposentando-se em 1993. Além disso, integrou a comissão de reforma do Código de Processo Civil.

Curitiba – A demora nas execuções judiciais não é mais um prêmio para o devedor. O assunto foi tema da palestra do ex-ministro Athos Gusmão Carneiro no evento promovido por alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para discutir as recentes mudanças ocorridas no processo civil, na última sexta-feira, em Curitiba. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o ministro abordou outros temas como o porquê de as ações judiciais se arrastam por anos a fio. Ele disse ser a favor de mudar a forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje uma atribuição do presidente da República. "A maioria dos ministros do STF deveria ser oriunda da magistratura de carreira", afirmou.

Qual é o efeito prático para a população das recentes mudanças feitas nas leis que regem o processo civil no país?As duas novas leis (11.232 e 11.382) vieram alterar o sistema da execução por título judicial (execução da sentença de solução de um litígio) e a execução dos títulos extrajudiciais (execução de cheques, notas promissórias, letras de câmbio, confissões de dívida, ou seja, aqueles documentos aos quais a lei permite a imediata execução judicial). Com a nova legislação surgiu a execução de sentença, com o nome técnico de cumprimento da sentença. Antes, a execução de sentença era feita em dois processos. Primeiro tinha a ação de conhecimento, que termina com a sentença de condenação do devedor. Depois, o credor era obrigado a ingressar com outro processo, uma outra ação, com nova citação do devedor e, de certa forma, 'começava tudo de novo'. Isso, agora, não é mais assim. Hoje o processo é um só.

Ele começa com a petição inicial, segue-se a instrução do processo, as testemunhas, perícias, o juiz julga a causa e dá a setença. Isso vai dizer se o autor da ação é ou não credor, tem ou não o direito que ele alega. Com a sentença, aquele que for vencido tem o direito de apelar (recorrer) para o tribunal. Quando terminam os recursos, a gente diz que a decisão transitou em julgado. Ela se torna imodificável em princípio. Aí, se o réu foi condenado a pagar uma determinada quantia, e ele não cumpre, é necessário então que o poder Judiciário obrigue o cumprimento da ordem do juiz. Essa etapa pode ser feita com um outro processo, como era antes, ou dentro do mesmo processo, como é agora.

Quais são as vantagens das mudanças?Fazendo-se a execução dentro do mesmo processo estamos economizando atividade processual, tempo, formalismo e dinheiro.

O que ainda pode ser feito para que a Justiça dê uma resposta mais rápida ao cidadão? A demora é lamentável, mas é uma conseqüência do enorme acúmulo de processos. O número de ações que são ajuizadas tem aumentado ano após ano, de uma maneira que antigamente seria inconcebível. Basta pensarmos o seguinte: no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com 33 ministros, foram protocolados no ano passado 251 mil novos processos. No Supremo Tribunal Federal (STF), com 11 ministros, foram mais de 100 mil processos no ano passado. E ano após ano, o número de processos aumenta.

Isso revela uma confiança na Justiça, o que pode parecer um paradoxo, senão não teríamos tanta gente recorrendo ao Judiciário. Por outro lado, provoca um completo engarrafamento das vias processuais, decorrente de uma porção de causas, inclusive os chamados direitos coletivos, que antigamente não existiam. E hoje, principalmente em matérias tributária e previdenciária, surgem causas e demandas que interessam não a uma pessoa, mas a centenas de milhares de pessoas que alegam o mesmo direito. Nesse caso, ou cada um entra com o seu processo, ou então o Ministério Público e as associações de classe ajuízam os chamados processos coletivos.

Mas essas ações coletivas ainda não têm uma regulamentação processual ideal. Aliás, especialistas estão estudando um Código de Processo Coletivo. Isso deve melhorar bastante.

E há outros instrumentos como a Súmula Vinculante: quando o STF edita uma súmula ela se aplica não só ao caso concreto em que ela foi editada, mas também pode incidir sobre todos os outros processos semelhantes, o que contribuirá para diminuir processos e ações repetitivas.

As mudanças que evitam a repetição de ações idênticas, unificando a ação de conhecimento e execução num mesmo processo, podem reduzir o tempo de espera do cidadão? O senhor tem idéia de quanto tempo a população vai ganhar?Isso é muito difícil, porque o problema dos processos não é o seu tempo normal de duração. O seu problema é tempus morbis, o tempo que o processo fica parado numa prateleira. Devido aos milhares de processos não há maneira de impulsioná-lo a tempo. A demora depende muito da situação em que se encontra determinado cartório, determinado juiz.

Se o juiz tem a seu cargo 500 processos, ele pode impulsioná-lo num tempo razoável. Mas se o juiz tem a seu cargo, o que acontece muito freqüentemente, 20 mil processos é evidente que a sentença pode demorar muito tempo. Aí, não dá para dizer o tempo que demora um processo porque isso não é mecânico. O processo é um fenômeno social, e então demora muito de acordo com a circunstância de cada causa.

As mudanças nas leis de execução de título judicial e extrajudicial aumentam a segurança nas relações sociais?Sim, pois um dos motivos de demora na execução de sentença é que antes a demora de pagar era vantajosa ao devedor. Ele lucrava com a demora porque ele estava se autofinanciando. Hoje, há uma multa de 10% se a sentença não for cumprida num prazo de 15 dias. Espera-se que o novo sistema venha a estimular os devedores a um pronto pagamento.

Que nota o senhor daria hoje para a Justiça?Depende, para a Justiça do Amazonas, Minas Gerais, Rio Grande do Sul? Eu não posso dar nota única a realidades diferentes.

O que o senhor acha da escolha do ministro Carlos Alberto Direito, que também é do STJ, para ocupar a vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence?Foi uma excelente escolha.

Como o senhor avalia a escolha dos ministros do STF (uma atribuição do presidente da República, com sabatina no Senado)? Cada sistema encontrado para a nomeação de juízes sempre tem prós e contras. Acho que seria interessante que houvesse no Supremo Tribunal Federal uma porcentagem oriunda da magistratura de carreira. Não falo a totalidade, mas a maioria. Talvez formado por uma lista quíntupla, feita pelo próprio Supremo.

A mediação é o caminho para desafogar a Justiça?Eu não acredito que o arbitramento (arbitragem) venha a desafogar o Poder Judiciário. Isso é apenas o ideal, porém o volume de processos é muito grande. A mediação é um instrumento para tentar diminuir o acúmulo de serviço nos tribunais. Mas na prática o povo brasileiro nunca foi muito acostumado a mediações. Nós temos um temperamento individualista, por isso a arbitragem no Brasil – ao contrário do que acontece nos países anglo-saxões como Inglaterra – nunca foi muito usada. O povo sempre vai querer um juiz no lugar de um árbitro. Mas a mentalidade, às vezes, pode mudar.

Há uma receita para melhorar o serviço prestado pela Justiça?Não há receitas ou fórmulas mágicas. Isso depende de tempo, de muitos instrumentos, sempre numa evolução lenta e trabalhosa.

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