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“Ela simplesmente não vai à delegacia quando é chamada, não apresenta testemunhas... Já vi homem se ajoelhar na frente da mulher e pedir perdão” Cláudia Krüger, titular da Delegacia da Mulher em Ponta Grossa | Henry Mileo/Gazeta do Povo
“Ela simplesmente não vai à delegacia quando é chamada, não apresenta testemunhas... Já vi homem se ajoelhar na frente da mulher e pedir perdão” Cláudia Krüger, titular da Delegacia da Mulher em Ponta Grossa| Foto: Henry Mileo/Gazeta do Povo

Sem efeito

Distância não dá garantias para as vítimas

Quando a sequência de Boletins de Ocorrência é alarmante e um juiz decreta que o companheiro agressor fique distante da mulher agredida, cria-se uma expectativa de proteção para a vítima.

No entanto, o caso da cabeleireira Maria Islaine de Morais, de 31 anos, morta em janeiro pelo ex-marido, Fábio Willian da Silva Soares, 30 anos, demonstra que o risco permanece.

Um circuito interno de tevê instalado no salão de beleza da cabeleireira mostra quando o ex-companheiro atira nove vezes contra a vítima e ela cai ao chão. Maria tinha uma ordem judicial impedindo que o agressor se aproximasse dela.

Sandra (nome fictício) moradora em Ponta Grossa também dispunha de um ofício com determinação semelhante, porém foi agredida com uma faca pelo ex-companheiro há dois meses.

Conforme o juiz da 2ª Vara Criminal de Ponta Grossa, André Luiz Schafranski, nesse caso a fiscalização da ordem judicial cabe à própria vítima, já que o estado não tem condições de vigiar a segurança de todas as pessoas ameaçadas. Ele acredita que a ordem judicial concede à vítima uma sensação de segurança porque se o agressor transgredir a determinação pode receber um pedido de prisão preventiva ou ainda ser detido por desobediência à ordem judicial.

Ponta Grossa - Sandra* tem 27 anos e três filhos pequenos do companheiro com quem conviveu durante 11 anos. De cinco anos para cá, quando o marido passou a consumir drogas, as agressões começaram a fazer parte da rotina do casal, residente na periferia de Ponta Grossa. San­­dra registrou Boletim de Ocorrên­­cia (BO) contra ele por três vezes e o expulsou de casa. Na última queixa, conseguiu até uma ordem judicial para que o agressor reservasse uma distância de no mínimo 100 metros para preservá-la de nova agressão. Não foi o que aconteceu. Há dois meses, agrediu-a com uma faca. "Ele errou a facada e por isso não conseguiu me matar."

Para casos assim, de agora em diante a Justiça só abrirá processo se a mulher denunciar o marido perante um juiz. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desagradou entidades de apoio às mulheres, por acreditarem que a medida afrouxa a legislação. A Lei Maria da Penha, de 2006, trouxe mudanças como a prisão em flagrante do agressor e medidas de proteção à mulher, que pode ir para um abrigo. Mas nada menciona se a mulher que registra o BO pelo crime de lesões precisa representar contra o marido na fase de inquérito para que se abra uma ação penal. Mudanças no Código Penal também mexem com a lei.

A deficiência da legislação resultava em decisões diferentes de juiz para juiz e um grande volume de processos parados na Justiça porque a principal interessada (a mulher agredida) não comparecia à audiência. No último dia 24, os ministros do STJ analisaram um pedido do Ministério Público do Distrito Federal e votaram pela exigência da representação. Para algumas pessoas do meio jurídico a medida não traz resultados práticos, mas, para outros, ela reduz a eficácia da lei, pois entre os motivos da desistência da agredida está o risco de represálias.

O juiz da 2.ª Vara Criminal de Ponta Grossa, André Luiz Scha­­franski, considera que o trabalho dos magistrados continuará o mesmo, porque muitos, como ele mesmo, já vinham exigindo a representação, uma vez que a lei não mencionava nada a respeito. Porém, segundo ele, é possível que caia o número de processos nas varas criminais. "Na maioria das vezes, as mulheres agredidas registram o BO no calor dos fatos, mas depois desistem de representar contra o marido", acrescenta.

De joelhos

A titular da Delegacia da Mulher de Ponta Grossa, Cláudia Krüger, reforça que quando a vítima não quer levar o processo adiante, não restam alternativas. "Ela simplesmente não vai à delegacia quando é chamada, não apresenta testemunhas...", afirma. Em alguns casos, o casal se reconcilia. "Já vi homem se ajoelhar na frente da mulher e pedir perdão pela agressão", comenta. Só nessa delegacia, em 2009, foram registrados 2,4 mil Boletins de Ocorrência.

Segundo a delegada, 90% dos casos se referem à Lei Maria da Penha. A cidade não conta com abrigo de proteção à mulher, mas deve ganhar uma unidade. "Conseguimos uma emenda parlamentar de R$ 150 mil e a construção está adiantada", disse a vereadora Ana Maria Holleben (PT).

* Nome fictício

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