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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

“Mulheres Guerreiras” não é uma ONG, nem um coletivo feminista ou artístico, como o nome pode sugerir. Trata-se de um grupo que se reúne uma vez por mês para conversar. É sua política. O encontro costuma ser marcado na casa de uma das 15 participantes, mas também no Zoológico, no Jardim Botânico ou qualquer outro lugar da cidade que convide a um piquenique. Nessas ocasiões, divertem-se como meninas no pátio do colégio.

Assunto não falta. Falam de novela, reality shows, das últimas do noticiário. Depois lancham, de preferência ao pé de uma árvore. As do Bosque do Alemão, no Jardim Schaffer, são sob medida. Ocasiões como essa pedem que falem de si – o que fazem a seu tempo e modo. E dos problemas do mundo, em especial da parte que lhes toca. Pode não parecer, mas elas não estão passeando. Estão guerreando.

O grupo “Mulheres Guerreiras” surgiu há pouco mais de um ano, em setembro de 2014, e é formado por moradoras da Vila das Torres, encrave pobre entre os bairros do Prado Velho, Jardim Botânico e Guabirotuba, cortado ao meio pelo que sobrou do Rio Belém. “É um fato extraordinário”, resume a assistente social Eloísa Siqueira Lima, ligada à Rede Marista de Solidariedade, que divide o apoio à iniciativa com o Centro de Referência de Assistência Social Vila Torres (CRAs).

Eloísa fala em coro com todo e qualquer que tenha conhecido a proposta. Não exagera. As mulheres continuam silenciadas na região que contabilizou 52 homicídios entre julho de 2013 e outubro de 2015, de acordo com dados apurados pelo repórter Diego Ribeiro, da Gazeta do Povo. O saldo equivale a um assassinato a cada 125 dos 6,5 mil moradores da outrora favela. Aplicado o cálculo padrão de número de mortos a cada 100 mil, mira-se o absurdo. A lista de vítimas inclui jovens, adolescentes e até crianças, muitos estranhos à disputa por bocas de fumo. Alguns deles eram filhos das participantes do “Mulheres Guerreiras”.

O horror

Nas seis décadas em que a “Torres” prova o sabor da violência, recolher a dor era quase uma norma. “Eu tive três filhos mortos pelo tráfico”, declarou à reportagem da Gazeta do Povo, tempos atrás, uma moradora, depois de uma chacina. Recusou-se a deixar seu nome e depoimento sobre a última baixa na família, como de praxe. “Tenho medo”, disse, ao fechar a porta, repetindo o mantra de moradores da região, sempre que o assunto é violência.

Mulheres reagiram em meio ao luto que assustou vila em 2014

As participantes do “Mulheres Guerreiras” são diaristas e catadoras de recicláveis. Apesar da intensidade do movimento social na comunidade, não eram ativas. Por ironia, a tragédia de outubro de 2014, quando traficantes passaram a amedrontar os moradores, abriu acesso dos assistentes às famílias mais amedrontadas.

Elas ainda se batem com expressões como “políticas públicas” e “acesso a direitos”, mas venceram um dos fantasmas das zonas violentas – “a naturalização das mortes”, como reforça a psicóloga Ana Paula Greca, do CRAs.

“É bonito vê-las dizer que não é justo que as crianças voltem da escola para casa porque faltam professores nas escolas. Estão aprendendo a ir atrás”, conta a assistente social Eloísa Siqueira Lima.

As “Mães das Torres”, como foram batizadas a princípio, ainda temem retaliação, é claro. Protegem-se cerrando a boca. Não lhes perguntem a respeito das gangues de Cima ou a de Baixo, ou sobre facções emergentes, como Bigode e Toca do Índio. São bacharéis na arte de desconversar. “Quero contar minha história. É bonita e triste”, disse uma delas à reportagem – sem dar o nome, e sem data para contar o que gostaria.

Mesmo assim, o “Mulheres” as retirou da alienação imposta pela criminalidade. Desde que surgiu – por insistência da ativista pernambucana Adriana Matias, então ligada à Rede Marista –, o grupo reúne mães “viúvas” de seus filhos. Não enfrentam traficantes, não são camicases, mas entenderam que deviam trabalhar para que os filhos de outras mulheres tivessem dias melhores.

Tudo começou com um fórum de mães, cujos filhos foram vítimas da violência em 2013 e 2014 - Giovani, Lucas, Felipe, Cahuê..., para citar quatro, cujos rostos chegaram a estampar camisetas em manifestação inesperada feita por elas na Assembleia Legislativa do Paraná. O lamento da líder Vera Lúcia Batista fez eco – o fim daquele ano na Torres foi apelidado de “outubro negro”. Foram seis meninos mortos. Alguns desses estavam sob cuidados da rede de proteção, o que facilitou à ação social bater nas portas e tirar as mulheres do esconderijo. O fórum teve vida curta – as participantes não eram politizadas, sequer frequentavam o festejado Clube de Mães das Torres. Mas o vínculo estava feito – reunir-se, consolar-se, entender a tragédia, lidar com o pânico, fazer o possível era bom.

Internacionais

Na medida em que avança no bê-á-bá da militâncias, o grupo “Mulheres Guerreiras” assimila a ideia de que integra um movimento mundial em que as mães vão à luta. A maternidade não garante proteção, mas inibe os agressores. São exemplos: Mães da Praça da Sé (São Paulo), Mães pela Igualdade (Rio de Janeiro); Mães Afro-americanas (EUA); Damas de Branco (Cuba;) e as Mães da Praça de Maio (Argentina).

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