A geografia política brasileira mudou muito depois da Constituição de 1988. Nada menos do que 1.327 municípios, 24% dos atuais 5.562, nasceram na década seguinte à promulgação da Carta Magna. A autonomia dada às Assembléias Legislativas fez com que muitas cidades fossem criadas a partir de interesses políticos regionais. Só no Paraná surgiram 85 entre 1989 e 1997, acima dos 51 da média registrada nos outros estados. Nenhum desses novos municípios, assim como 80% do conjunto de municípios brasileiros, consegue se manter por conta própria. Eles dependem de ajuda estadual e federal para sobreviver. Criados sem perspectivas de receita futura, são, em sua maioria, inviáveis do ponto de vista econômico.

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Os casos mais críticos de crise financeira no Paraná estão na Região Central, justamente onde houve recentes desmembramentos para a criação de municípios. Estão na lista Laranjal, Boaventura de São Roque, Marquinho, Campina do Simão, Mato Rico, Nova Tebas e Altamira do Paraná. Dos dez piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, sete são de cidades recém-criadas (ver infográfico pág. 5). Deputado estadual de 1987 a 1991 e federal de 1991 a 1995, Pedro Toneli diz que os desmembramentos seguiram interesses eleitorais. Havia até briga entre deputados para ser o "pai" do município. Para ele, se não tivessem surgido normas mais rígidas, o clientelismo político estaria prevalecendo até hoje.

A sobreposição de emendas parlamentares gerou situações inusitadas, como a de dois municípios desmembrados de Guarapuava. Candói surgiu como cidade em 1990 e cinco anos depois já perderia parte do seu território para a criação de Foz do Jordão; Cantagalo emancipou-se em 1983 e logo foi fracionada duas vezes, em 1994 e 1995, para a criação de Marquinho e Goioxim. Outro nascimento curioso foi o de Rio Branco do Ivaí, em 1995, abocanhando terras de Rosário do Ivaí e de Grandes Rios. A primeira, de 7 mil habitantes, já havia sido desmembrada seis anos antes da segunda, de 9 mil moradores. A população atual de Rio Branco do Ivaí é de 4 mil pessoas.

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Pitanga, que também enfrenta uma aguda crise financeira, é o município do Paraná que mais perdeu território para o surgimento de outros. Uma matriz empobrecida só poderia gerar cidades pobres. Das quatro cisões recentes surgiram Nova Tebas, Santa Maria do Oeste, Mato Rico e Boaventura de São Roque, todas com sérios problemas financeiros e dificuldades para se sustentar. Autor das emendas parlamentares que criaram esses dois últimos municípios, o ex-deputado e ex-secretário de estado de Desenvolvimento Urbano Renato Adur defende a medida como forma de canalizar mais recursos federais para a região.

A teoria de Adur segue a lógica do sistema distributivo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal repasse da União. A Secretaria do Tesouro Nacional distribui o dinheiro conforme o coeficiente de cada um, que é de 0.6 para municípios com menos de 10.188 habitantes e cresce em escala progressiva até 4.0 para aqueles acima de 156.126 moradores. Os primeiros receberam R$ 106.730,00 no dia 20 de dezembro e os últimos, R$ 1.079.771,00. Curitiba, por ser capital, recebeu R$ 4.793.342,00. Na avaliação de Adur, melhor três recebendo a cota mínima do que só um. Ele estima que a criação de novos municípios fez crescer em pelo menos 30% o repasse de recursos federais na região.

A priori, a análise de Adur faz sentido, mas carece de estudo comprobatório. Antes disso, porém, já recebe contestação. Deputado federal por quatro vezes e ministro da Previdência em três governos (Geisel, Collor e FHC), o secretário de estado do Planejamento, Reinhold Stephanes, discorda da lógica de Adur. No cômputo geral, o dinheiro do FPM a ser dividido é o mesmo, o que muda é a distribuição para um número maior de municípios. Seria como descobrir um santo para cobrir outro, ou "tirar de um pobre para dar a outro". A maior evidência, diz ele, é todos estarem à míngua.