• Carregando...

Há dez anos, quando entrou para a política, a curitibana Mirna Galatassi, vereadora pelo PMDB em Pitanga, Centro do Paraná, sentia-se incomodada a cada vez que visitava uma secretaria de estado. Ela notava que nos mapas das paredes das repartições apenas uma região, justo a que morava, raramente trazia algum alfinete espetado, indicando projetos, avanços ou estatísticas animadoras. "Hoje, não é mais assim", orgulha-se a "mulher de médico" que na década de 80 se mudou da capital para acompanhar o marido.

Mirna não está tomada por nenhum rompante de otimismo. Em janeiro, na reunião do Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad), instrumento que figura entre as conquistas da região, ela comandou uma discussão sobre repasse de verba para os 18 municípios que formam o Fórum da Região Central – idéia que, junto do Consad, faz diferença pelas bandas de Pitanga. A reunião, com 15 participantes, incluindo dois prefeitos, podia provocar o bocejo eterno. Mas exemplifica bem como a parcela do interior "deprimido" se mobiliza para compensar tantas décadas em que não ganhou alfinete no mapa, fazendo gente como Mirna arrumar as malas e voltar para Curitiba em quando muito um ano.

O recurso era de R$ 300 mil, candidato a virar poeira ao ser dividido por 18 cidades. O investimento, a apicultura. Seria difícil, não fosse uma perguntinha: não daria para todo mundo usar do mesmo benefício? "Vamos fazer que nem vizinho, um repassa para o outro", disse um dos participantes. Foi a lição dos favos de mel. Constatou-se que o dinheiro é suficiente para a produção de 40 toneladas/ano de mel – o bastante para abastecer todas as escolas públicas da região, sem sobra.

Aos fatos

No Paraná Centro, a ocupação humana é baixa e decrescente, com média de 18 pessoas por km2, contra 47 por km2 no resto do estado. A zona rural é mais habitada do que a urbana: 62% contra 38%. No campo impera a agricultura de subsistência – à revelia das campanhas e da saliva gasta em prol da diversificação. Com exceção de Pitanga, a média de população das cidades é de 4 mil habitantes. Eis a questão: a vida, por aquelas bandas, dá-se entre sítios e fazendas, cujo acesso são a ante-sala do purgatório. O problema é a estradinha – lugar que faz do Centrão uma terra em transe.

Os 490 quilômetros de asfalto das PRs 158, 456, 460, 462, 466 e da BR-487 levam um banho das estradas de chão, muito mais usadas e onde se forma diariamente um verdadeiro rali. Calcula-se que para levar as crianças da zona rural para a escola, uma turminha de aproximadas 24 mil crianças e adolescentes em todo o Paraná Centro, percorra-se, só em Pitanga, 6 mil quilômetros em ziguezague, poeira e buracos, quase uma costa brasileira inteira. Em Cândido de Abreu são 3 mil quilômetros levando arroz, feijão e educação. Só de falar no assunto, já fica caro. Um quilômetro de estrada de cascalho custa R$ 10 mil. Uma patrola para nivelar a buraqueira, R$ 100 mil.

Por essas e outras, os "18 do centrão" formam uma vizinhança agradável por natureza, mas mal-adaptada ao pessoal do condomínio. Os municípios vivem cercados de compadres ricos por todos os lados, como Maringá, Londrina, Cascavel, Campo Mourão e Guarapuava, mas costumam tirar notas vermelhas quando o assunto é Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Segundo Carlos Alexandre Buchmann, 49 anos, prefeito de Pitanga pelo PTB, em segunda gestão, a origem do isolamento do Centro é agrária. Só no final dos anos 70 foram legalizados condomínios de terra como o Imóvel Tigre, com 110 mil hectares, e o Boaventura, com 40 mil hectares, permitindo mais investimentos na área.

A região deu passadas largas e chegou a ser uma das maiores produtoras de milho do país, mas permaneceu pobre. Um despropósito que mexe com a auto-estima da população que habita uma paisagem digna de expedições românticas. E que, em certo sentido, foi. Em meados do século passado, a região abrigou o sonho libertário do francês Jean-Maurice Faivre, fundador da Colônia Thereza Cristina, uma cooperativa "socialista" no meio sertão paranaense, povoada por europeus e brasileiros. Isso tudo, em plena época da Escravidão. "Quando vim para cá, eu estranhava ao ouvir o pessoal se apresentar dizendo ‘nasci perto de Campo Mourão’", lembra o agrônomo Vilmar Grando, 43 anos, diretor da Emater em Pitanga e há 18 anos na cidade.

Grando até acha graça da manobra geográfica para levantar o moral, mas não assina embaixo. Ele é um dos que integra a força-tarefa que tenta convencer o povo da região que de nada adianta chorar à sombra de uma pitangueira, nem ficar espionando a horta do vizinho bem-sucedido. A palavra de ordem é encontrar a identidade perdida, deixando para o passado o IDH africano. As armas? Estatísticas, dados e programas de desenvolvimento que o pessoal do fórum tem na ponta da língua, resultado de um esforço contínuo de mapear cada picada de terra vermelha do mapa. "A vida real acontece nos municípios. Nós temos de fazer propostas porque não existem propostas para nós", faz trocadilho Richard Golba, 45 anos, prefeito de Cândido de Abreu.

Os herdeiros do legado da Thereza Cristina adotaram, por isso, o fórum, com objetivos claros, com metas como corrigir o solo ácido da região; reforçar a cadeia do leite, "salvação da lavoura", apesar dos R$ 0,27 o litro; aviar documentação para 5 mil agricultores sem posse da terra, coisas assim. "Se fosse em Maringá ou em Campo Mourão, discussões como as nossas seriam rápidas. Essas cidades já têm sua identidade e sabem onde investir sem pestanejar. Nós ainda não chegamos lá", reforça Djalma Ferreira Aguiar, 38 anos, prefeito de Nova Tebas, uma das três cidades brasileiras que mais perde população (46,12% nos anos 90). O assunto está em pauta.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]