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 | Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo
| Foto: Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo

A morte de um traficante da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) gerou pânico entre a população e trouxe à tona um problema que costuma ser abafado: quem vive na Vila Nossa Senhora da Luz está à mercê do tráfico de drogas. Segundo moradores e comerciantes da região, todos, inclusive a polícia, sabem o que acontece por lá, mas o jeito que encontraram para seguir em frente é fechar os olhos.

Depois da morte de Diandro Claudio Melanski, de 38 anos, na tarde da última segunda-feira (4), um suposto toque de recolher foi dado na vila, que era comandada pelo homem. Escolas dispensaram alunos, moradores foram orientados a não sair de casa e ônibus do transporte coletivo mudaram as rotas e circulação na região. A Tribuna descobriu que o toque não foi dado somente pelas redes sociais, mas que homens passaram gritando e alertando moradores na rua.

Essa foi a primeira vez que algo do tipo aconteceu na vila, segundo moradores ouvidos pela reportagem, mas todos já convivem há muito tempo com o tráfico. “Muito mais tempo do que você imagina. Começou com a Evinha do Pó. Quando ela foi morta, o comando do tráfico passou para Éder Conde, que ao ser preso, perdeu o comando”, contou Joana*, uma idosa de 71 anos, que mora há 30 na vila. Com a prisão de Éder, em 2010, o até então braço-direito dele, Diandro, assumiu a posição do ex-patrão. A decisão não agradou Éder e isso teria gerado uma rixa entre os dois. “Ele saiu da prisão, mas foi literalmente banido da vila. Não entrava mais lá”, contou Júlia*, 21.

“Nasci sabendo do que acontecia e, na verdade, todos sabem. Tínhamos medo, pois era perigoso, não só por tráfico. Algumas operações policiais até diminuíram a atuação dos bandidos, mas quando Diandro assumiu, ele ‘pacificou’ a região, impedindo que assaltos acontecessem, por exemplo, para não chamar a atenção da polícia”, contou a jovem.

Papéis trocados

De acordo com Júlia, que não mora mais na vila há mais de um ano, os moradores sabem que o tráfico de drogas comanda o local. “E tudo que os traficantes querem é a polícia longe. Por isso, fazem a segurança da vila”. A jovem contou que Diandro era conhecido na região e bem quisto pela maior parte dos moradores. “Todos sabem o que acontece por ali, mas as pessoas acabam fechando os olhos, por medo, por não querer se envolver, vários fatores”.

De acordo com Júlia, algumas das ruelas entre as praças da vila são consideradas verdadeiras propriedades. “Por isso é bem comum você encontrar placas de ‘vende-se’ nas casas. Quem mora ali se acostuma, toma cuidados e até acaba convivendo com os traficantes, mas não tem perspectiva”.

Olhos fechados

O povo que mora na vila costuma trabalhar em áreas como o Centro, mas principalmente nas indústrias da CIC. “É uma gente trabalhadora, mas a cultura existente na vila é triste, a expectativa de crescer é pequena. Lá se nasce, vive e morre, sem ir muito longe”, desabafou Thiago*, 20.

A mesma falta de perspectiva do futuro, muitas vezes movida pela falta de condição financeira de deixar a vila, faz com que muitas pessoas se obriguem a conviver com o problema. “As pessoas se convencem do que têm, trabalham muito, são pessoas normais, mas que se veem obrigadas a fechar os olhos. Não é todo mundo que consegue sair de lá e tem gente que nem quer ter que sair, na verdade”, considera Júlia, que, junto com a mãe, deixou o bairro recentemente.

De acordo com quem vive na região, moradores e comerciantes se convenceram de que não podem fazer muito, pois a lei, ali, é outra. “Para sair um traficante de lá, ele sai preso ou morto. Não tem outra opção, então, o jeito é conviver em paz”, disseram à reportagem.

Segurança e contas pagas

Além da ‘segurança’ feita pelos traficantes, muita gente comenta que os bandidos fornecem, para algumas pessoas, outros tipos de ajuda. “Ouvíamos dizer que o Diandro, por exemplo, ajudava os moradores sim. Para a gente, nunca fez nada, era uma pessoa normal, mas sempre soubemos qual era o ‘trabalho’ dele. Assim como com os outros traficantes, embora a gente não concorde com isso, esse é o trabalho desse povo mesmo”, contou Joana.

Na vila, o tráfico funciona como uma verdadeira empresa. Aos moradores, a ajuda dada pelos traficantes, principalmente vinda do “patrão” – como dizem os pequenos traficantes que atuam como funcionários do esquema -, variava de custos para combustível, pagamento de contas de luz e água e até comida.

Guerra declarada

Com a morte de Diandro, os moradores temem o que pode acontecer nos próximos dias ou meses. “Isso aqui vai virar um campo de guerra, até alguém retomar o poder”, acredita Thiago. Para quem vive na vila, o que vem pela frente é incerto. “O pior é que a polícia sabe de tudo isso e até muito além, mas não faz nada. Por aqui, o comando do tráfico de drogas só vai trocar um nome por outro, não vai acabar”, disse Júlia.

*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados

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