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“Não adotamos o regime comunista”, diz juiz ao liberar lotéricas de decreto
| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo

O juiz Charles Bonemer Júnior, plantonista da 2ª Vara de Família e das Sucessões de Franca (SP), concedeu liminar a donos de lotéricas do município para que os seus estabelecimentos possam funcionar, apesar de decreto municipal que proíbe a abertura do segmento. A decisão foi publicada nos autos neste domingo (21).

Na decisão, o juiz afirma que a ação da Prefeitura é inconstitucional, por ferir direitos humanos fundamentais, assim como outros decretos. "Embora devesse ser desnecessário esclarecer isso, os fatos que vêm ocorrendo no Brasil exigem que se frise, didática e pacientemente, ser inadmissível [negrito no original] - sem ruptura da ordem constitucional e sem praticar crime de responsabilidade, de abuso de autoridade ou contra a segurança nacional - que alguma autoridade, de qualquer dos três Poderes, possa suspender as garantias constitucionais dos cidadãos fora dos estritos limites dos estados de sítio ou de defesa, ainda que sob o enganoso pretexto de 'salvar vidas'".

Entre os direitos violados, segundo o juiz, estariam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, descritos no inciso IV ao artigo 1º da Constituição. "Ou seja, não adotamos o regime comunista, de planificação estatal", frisa o juiz.

O magistrado também cita o direito a não "ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei" (inciso II ao artigo 5º da Constituição). "Decreto não é sinônimo de lei", escreveu, lembrando que o Decreto Presidencial 10.282, de 20/03/2020, coloca as lotéricas entre os serviços essenciais.

"O pacto federativo encontra-se abalado e o país está dividido. Quem sofre é o povo assalariado ou autônomo, que vem sendo humilhado e afrontado em sua inteligência por medidas arbitrárias e contraditórias que serão motivo de escárnio contra nossa geração, se a humanidade um dia recobrar a razão. Como pode um serviço ser considerado essencial em um município e em outro não, em um Estado sim, mas em outro não? Isso não é interesse local, por óbvio", diz.

Ao citar o direito ao "livre exercício de qualquer trabalho" (inciso XIII ao artigo 5º da Constituição), o magistrado lembra que as lotéricas prestam muitos serviços bancários, que são de competência legislativa da União.

"O decreto, baixado numa sexta-feira, que determina o fechamento de agências bancárias, lotéricas e correspondentes bancários já na segunda-feira seguinte é de um grau de insensibilidade, falta de proporção e de consciência da realidade imperdoáveis. Quem precisa sacar cheques no caixa, receber benefícios, fazer pagamentos ou quitar compromissos que se venceram a partir de sábado foi, simplesmente, surpreendido por um ato impensado do executivo municipal. Já passamos por fase amarela, laranja e vermelha. Nunca os bancos e agências lotéricas foram fechados, nem mesmo quando a situação do município estava pior (...). Ninguém estava preparado para isso", escreveu.

O juiz chamou ainda de arbitrária qualquer ação contra a propriedade alheia (inciso XXI ao artigo 5º da Constituição). " A intervenção do Estado na propriedade, sem indenização, em tempos de paz, sem estado de sítio ou de defesa, o que seria, senão esbulho e arbitrariedade?".

Por fim, o magistrado considerou que, além de todo o exposto, "há posições divergentes no meio acadêmico e científico" sobre a utilidade do "lockdown".

Leia a decisão na íntegra:

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