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Curitiba – Depois de repetir o slogan "deixa o homem trabalhar", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou críticas amargas da oposição com sua viagem para a Venezuela, na última segunda-feira. Acusado de deixar os problemas brasileiros para fazer campanha para o presidente e candidato à reeleição Hugo Chávez, Lula participou da inauguração de uma ponte de 4 quilômetros, parte de um projeto de facilitação do acesso à área amazônica venezuelana, entre a fronteira brasileira e a região do Caribe. O evento, de fato, se transformou em um comício chavista. O professor Ricardo Seitenfus, doutor em relações internacionais e professor da Universidade Federal de Santa Maria (RS), absolve Lula, analisa o relacionamento entre os dois países e fala do futuro da política externa brasileira.Gazeta do Povo – O que representa a viagem de Lula à Venezuela durante a campanha de reeleição de Chávez?Ricardo Seitenfus – É preciso ter bom senso na interpretação de fatos como esse. O presidente foi inaugurar uma ponte na Venezuela e ponto. O problema não é a viagem do presidente, mas outro, o princípio da reeleição. Não temos cultura política para ter reeleição na América Latina, essa é a base de tudo. Para que a corrida eleitoral tenha competidores em iguais condições seria melhor que o chefe-de-estado se desincompatibilizasse do cargo pelo menos nos últimos seis meses antes do pleito. Isso não acontece de uma modo geral em solo latino-americano.Quais são os objetivos do relacionamento de Lula com Chávez?Há interesses, com certeza. É claro que existe alguma afinidade ideológica, os dois são da mesma família de esquerda, latino-americanista. Mas, além disso, o Brasil tem projetos de parceria em vista, como a construção de uma refinaria no Porto de Suape, em Pernambuco, e de um gasoduto, mudando a matriz energética da América Latina. Sem contar outros aspectos. As exportações para a Venezuela, por exemplo, aumentaram mais de 100% nos últimos quatro anos. Por outro lado, o governo brasileiro continua sendo importante para socializar politicamente Chávez com outros países que não têm boas relações com ele, como os Estados Unidos, Colômbia, Chile, Equador ou Peru. Nesse cenário, o Brasil tem o papel de acalmar o jogo.

Reeleito, Lula pode passar a seguir as propostas ideológicas de Chávez, como a visão socialista do modelo econômico e o afastamento dos chamados "países ricos"?Lula não seguiu esse caminho no primeiro mandato e não seguirá no segundo. Eu defino a política externa de Lula como uma "ruptura na continuidade". O país deu continuidade às relações tradicionais com os Estados Unidos, com a Europa Ocidental, com o Japão, entre outros. Basta ver nossa porta de exportações. Até com o FMI (Fundo Monetário Internacional) que, ao invés de romper as negociações, pagou a dívida. Mas houve rupturas sim, menores. Por exemplo, com o olhar em direção ao Sul, com o G-20 (grupo de países em desenvolvimento), com o G-3 ao lado da China e da África do Sul. Nisso tudo eu vejo mais uma universalização da política e jamais um processo de "terceiro mundinização".

E o Mercosul?Um aspecto negativo do primeiro mandato foi a continuidade das deficiências do Mercosul. O governo verbaliza muito, mas faz pouco. É um processo onde a palavra trai a ação. Do ponto de vista constitucional nada foi feito. O alargamento dos limites do bloco, com o processo de ingresso da Venezuela para 2013, é importante, mas precisa de uma melhor institucionalização. A criação de um Parlamento representa uma boa direção. Falta ainda discutir a fundo políticas de compensação para as regiões e países de menor desenvolvimento relativo, como Uruguai, Paraguai ou o Nordeste do Brasil.

Alguma chance de reavaliação da Alca?A não ser que haja uma conjunção de vontades. Mas isso é difícil, ainda mais com a vitória dos democratas nas últimas eleições na Câmara dos Estados Unidos, que são protecionistas.

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